Fotografias de um país intrigante, o México.

O México sempre me fascinou. E percebo que não sou a única com essa opinião, além dos fotógrafos mexicanos, alguns conhecidos internacionalmente, outros menos, muitos fotógrafos estrangeiros viajaram ao país ao longo da história para retratar suas diferentes facetas. Imagino alguns motivos de tamanha atração.

 

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Sua fronteira com os EUA com certeza está no topo da lista. São dois países opostos social, política e economicamente que dividem seus limites criando uma interessante mistura de culturas e um curioso choque de realidade. Entre guerras, contrabandos, muros e migrantes, a fronteira Mexico – Estados Unidos é um prato cheio para qualquer fotógrafo. A fotógrafa mexicana Elsa Medina trabalhou como fotojornalista nos anos 90 e retratou muito do âmbito político e social do lado da fronteira de sua terra natal.

 

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O país sempre esteve ligado à resistência cultural e social, às práticas da cidadania, ao improviso e à reinvenção de si. O México atraiu historiadores, sociólogos, jornalistas e fotógrafos, ao longo da história, que tentaram entender e estudar suas revoluções e guerrilhas contras as injustiças sociais. Zapata e comandante Marcos sempre tiveram um aura de Robin Hood. Para o bem ou para o mal, são personagens que geram curiosidade e polêmica.

 

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O México tem um certo ar misterioso. Nossa imaginação voa ao ouvir as narrativas incas e os contos dos padres ortodoxos. País fundado entre o catolicismo espanhol e os ritos indígenas, emana histórias de sacrifícios, curas, milagres e cultos. Entre as profecias maias, e as procissões da virgem de Guadalupe, ficamos fascinados por esse povo cheio de fé e paixão pelas cerimônias e rituais. Mais ainda, nosso olhar palpita com as possibilidades de lindas e interessantes imagens.

 

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Além disso, o México ferve de inspiração cultural. Seu povo, suas comidas, seu folclore, suas danças, ritmos e cores atraem a todos. Intelectualmente somos desafiados e visualmente também. A verdade é que o México é uma festa para os sentidos, ainda mais para o olhar ávido de um fotógrafo.

 

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Finalmente, não podemos esquecer as belezas naturais desse país. Montanhas, mares, baías, golfos, plantas exóticas, fauna, ruínas, pirâmides, o México tem lindas e diferentes paisagens banhadas por dois oceanos e por anos de história muito bem preservada.

 

Sem pretender fazer um tratado sobre a fotografia mexicana, espero ter mostrado algumas preciosidades visuais desse país (se vocês prestarem atenção verão imagens nesse post de Sebastião Salgado, Edward Weston, entre tantos outros fotógrafos que passaram por terras mexicanas) e aguçado a curiosidade de todos.

 

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Empreender e criar, entre a fotografia e a vida

O que é preciso para conciliar a força realizadora do empreender, com a habilidade fluida do criar? André Martinez

 

Trabalho com artes, ou seja, estou mais para o lado criador. Uns poderiam até perguntar: como eu coloco os pés no chão para empreender?

 

Porém não acredito que empreender e criar estejam tão distantes assim, em lados contrários. Não acredito que de um lado tenhamos o empreendedor com o pé no chão e o criativo a voar nas nuvens. Um não é terra em oposição ao outro, ar.

 

Temos que ser ativos e querer participar.

 

Criar e empreender são a mesma coisa. Estão intrinsicamente ligados. Eu só escolho criar porque sou empreendedora. Assim, como só um criador pode se transformar num empreendedor. Os dois termos têm a mesma simbologia: compartilhar, dialogar, querer melhorar, mover e transformar o mundo.

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Unicamente a partir de ideias -criativas- inovações de todos os tipos surgiram e geraram mudanças sociais e culturais, negócios de sucesso, impacto na vida das pessoas e até grandes fortunas. O mundo é o que é, hoje, por causa dos criadores que empreenderam e dos empreendedores que criaram. Parece um jogo semântico mas é apenas o que é: realidade.

 

É preciso criar; criar por criar, sem pretensões de mudar o mundo. Isso virá depois, ou não, e tudo bem.

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Minimalismo em imagens de São Paulo

No último fim de semana de agosto de 2016, São Paulo acolheu a décima edição da SP-Arte/Foto, feira de arte de fotografia que esse ano contou com a participação de mais de 30 galerias especializadas em fotografia.

 

Nesse ambiente, encontramos um fotógrafo paulista, Ivan Padovani, com dois trabalhos fotográficos super interessantes de forte influência minimalista.

 

O minimalismo não é exatamente um movimento, com preceitos, regras e um manifesto definindo suas características e especificidades. O termo minimalismo foi usado por críticos para denominar um grupo de artistas que emergiu em Nova Iorque por volta dos anos 60 com trabalhos que reuniam fortes influências do expressionismo abstrato. Eram artistas como Frank Stella, Robert Morris, Carl André, Donald Judd, Dan Flavin, Eva Hesse, que em linhas gerais compartilhavam obras geométricas, tridimensionais, austeras, abstratas, literais, mais ou menos monocromáticas, sem ornamentação, com uma regularidade, simplicidade e simetria.

 

Em seu trabalho Campo Cego, o fotógrafo Ivan Padovani, apresenta imagens verticais de fachadas cegas de prédios paulistas que formam um inventário da cidade. As imagens são em preto e branco, apenas do entorno dos prédios, sem o horizonte, sem elementos exteriores como passantes, pássaros ou nuvens. Vemos apenas as fachadas geométricas, simétricas, retangulares e chapadas. Além disso, as fotografias são apresentadas em caixas de concreto com espessuras e tamanhos diferentes, saindo da parede e se transformando em objetos.

 

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O objeto minimalista é isso, simples, unitário e carregado de uma forte gestalt.

 

Os minimalistas queriam unir a obra ao mundo. Como os objetos/ imagens de Padovani, os trabalhos dos minimalistas estreitavam os limites entre a imagem (pictorial nos anos 60, fotográfica no nosso exemplo) e a escultura. Eles não se importavam mais em usar nomes ou classificações, eram apenas objetos, trabalhos tridimensionais. Esses objetos abandonam a ilusão de três dimensões da imagem e se juntam a tridimensionalidade dos objetos do mundo.

 

Nos deparamos com a cidade no espaço da galeria. 

 

A repetição e a serialidade, características importantes dos minimalistas, aparecem bem evidentes nesse tipo de montagem. Por causa dessa recorrência, as imagens ganham um impacto pelo acúmulo. Vislumbramos calma e simplicidade na multiplicação das fachadas e recortes retangulares. No entanto, as sutis diferenças de cada prédio, as nuances das texturas e antenas, os detalhes de algumas rachaduras ou caixas de ar condicionado que vão se desvendando aos poucos diante do nosso olhar quebram com a mera repetição. Nos pequenos detalhes de uma observação mais atenta, Padovani nos mostra as sutilezas da percepção cotidiana e as possibilidades estéticas do caos saturado da grande metrópole.

 

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Em sua nova séria Superfície, apresentada ao público pela primeira vez na Sp-Arte/Foto pela Galeria da Gávea, percebemos outra grande influência: a simplicidade. Dan Flavin dizia que as formas simples tinham mais autoridade e mais presença. As fotografias de Padovani traduzem bem essa afirmação. Nessas suas duas séries arquitetônicas, ele não recorre a imagens rebuscadas, cores vivas ou detalhes teatrais apelativos. Nas suas imagens reina uma quieta simplicidade que se resume ao que é necessário àquela imagem, dando força a sua obra.

 

 

 

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A representação do negro ao longo da história da fotografia

Essa foto de Tinko Czetwertynski apareceu no meu feed por acaso, como acontece normalmente no incrível mundo do facebook. Mas diferente de tantas besteiras que aparecem, essa imagem me fez parar e pensar: como a fotografia vem representando o negro ao longo dos anos?

 

Pelas lentes de dois fotógrafos europeus, Augusto Stahl e Henrique Klumb, que vieram para o Brasil com a família real, encontramos imagens de negros datadas de 1865. São imagens mais antigas que o ato histórico da abolição da escravidão em 13 de maio de 1888.

 

Antes deles, pintores, desenhistas e cientistas, também europeus, como Debret e Louis Agassiz,  já haviam retratados os negros, mas de uma maneira ora ligada à proporção dos corpos e feições físicas, ora ligada ao exotismo e romantismo do olhar colonial.

 

Nesta trajetória do negro enquanto modelo de representação, pôde-se constatar que estamos diante de cenas construídas onde o negro se viu embelezado por uns e animalizado por outros. -Boris Kossoy

 

Os dois fotojornalistas seriam os primeiros que tentaram sair dessa visão curiosa de colonizador. Com uma visão mais objetiva e ligada ao presente histórico, os dois iriam retratar mais realisticamente e criticamente a situação de opressão e miséria vivida pelo negro escravo. Em meados do século XIX, seria uma primeira tentativa de se interrogar sobre os problemas sociais e econômicos do Brasil escravocrata.

 

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Auguste Stahl – 1865

 

 

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São imagens que mostram o olhar triste, as cicatrizes, a crueldade no trato com o escravo. Stahl e Klumb retratam o cotidiano e o trabalho duro da cidade em imagens roubadas, não pousadas e sem a presença da fauna e flora brasileiras  (tão características do ambiente exótico, romântico e montado em que eram retratados anteriormente os escravos). As imagens dos dois fotojornalistas são feitas para criticar a sociedade branca, materializar o cotidiano do negro e possibilitar uma visão mais realista do trabalhador oprimido e de sua sociedade escravocrata.

 

 

Por um outro lado, a fotografia também demorou no plano tecnológico a dar espaço à representação negra. Lorna Roth explica em seu artigo na revista Zum que até a década de 1990 os laboratórios de fotoprocessamento da Kodak não tinham uma boa calibragem (nem instruções) para a impressão colorida de peles mais escuras. O padrão de balanceamento de cores para impressão era medido a partir de mulheres brancas, os cartões Shirley, numa espécie de racismo tecnológico.

 

As Shirleys atravessaram décadas e continentes, definindo e balizando de maneira estreita as tonalidades de cor de pele nas imagens fotográficas, e transmitindo uma mensagem social e psicológica sutil sobre a dominância da pele branca. Representam, ademais, uma beleza e uma estética de gênero euro-ocidental que correspondia, na época em que foram criadas, à noção popular masculina da aparência feminina ideal. -Lorna Roth

 

Os anos passaram, e em 2016, vejo a foto inicial de Tinko, e penso que ainda não estamos muito longe do século XIX. Não, não somos mais escravocratas, sim, avançamos muito nos diretos raciais e na tecnologia, mas uma foto como esta ainda causa um certo estranhamento, evidenciando os presentes problemas sociais e econômicos do Brasil.

Simbolicamente, vale ressaltar que a modelo branca vestida de servente no meio da foto é um membro da família real brasileira.

 

 

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Fotografia de comida, #Pornfood

Comer não é um hábito solitário. Muito pelo contrário, comer, na nossa sociedade, une as pessoas. O fogo, quando descoberto, propiciou a socialização, e hoje, ao redor da mesa, continuamos socializando. Em todo tipo de evento, dividimos as refeições.

 

A comida sempre esteve muito ligada a cerimônias religiosas, rituais de passagem, onde valores culturais são transmitidos e relações afetivas reforçadas. A comida é mais do que apenas um alimento para sobreviver, a comida é também um abraço, um carinho, um conforto, um prazer. Comemos para celebrar, chorar, fechar um negócio…

 

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As representações da comida, ao longo da história, sempre abrangeram um conjunto de interpretações, ideias, símbolos e comportamentos de diferentes grupos e pessoas.

 

A comida gera significado cultural e social.

 

No mundo online de hoje, nada mais normal que a representação da comida seja popular entre todos os usuários da internet. Comer tem uma representação simbólica que todos querem transmitir. Além disso, comida é meio de prazer e desejo. Ou seja, as fotos de comida no web estão muito relacionadas a uma transmissão dessas emoções, e também, claro, de status, sucesso, riqueza e exotismo.

 

Mas há quem torça o nariz.

 

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Desde as grandes pinturas renascentistas, no século XV, os grandes banquetes e seus pratos já eram representados na mídia disponível da época, a pintura. E todos com “filtros” de luz e cor para dar um ar mais apetitoso. Um estudo feito pela universidade de Cornell – 500 anos de #pornfood – mostra que em 500 anos de representação gastronômica sempre foi a comida mais cara e mais exótica a mais retratada. São o aspagos, a lagosta, o camarão, o abacaxi (fruta exótica para as terras europeias da Renascença) que se aglomeravam nos pratos pintados de nossos antepassados. Nada da comida rotineira do cidadão comum, como o frango e a batata, mas refeições que transmitiam símbolos sociais e status econômico. Muito parecido com as fotos e # do nosso atual instagram. Entre os pratos do alex attala ou as fotos de frutos do mar e drinks extravagantes na praia, não estamos tão distantes dos pintores renascentistas.

 

Não somos mais narcisistas, fúteis ou extremistas. A representação da comida, e toda a simbologia que a acompanha faz parte da nossa história.

 

 

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