Fotografia e viagem

PORQUE VIAJAMOS?

 

Viajamos porque queremos fugir da chatice de nossas vidas, conhecer lugares distantes e mágicos, mudar o foco. Já nos primórdios da fotografia, fotógrafos viajavam para trazer imagens exóticas encontradas além mar: de povos, culturas e arquiteturas diferentes. As fotografias de viagem eram apresentadas aos curiosos em grandes eventos, como as Exposições Universais.

 

Na era pré fotográfica, da palavra e do desenho, quando planejar uma viagem não era simplesmente clicar no tripAdvisor, as paisagens exóticas eram descritas com grande entusiasmo e minúcia, assim como a pessoa que explorava esses lugares. Em 1790, por exemplo, Xavier de Maistre fala sobre o viajante e sua capacidade de receber mais abertamente informações e conceitos novos, independente do destino da viagem. É uma certa curiosidade, falta de julgamento prévio e modéstia que caracteriza o olhar e a mente do viajante e que o transforma num ser tão especial e diferente. Essa visão do viajante existe até hoje, mas será que conseguimos mesmo manter esse diferencial?

 

No mundo contemporâneo viajar virou febre e obsessão. São milhões de programas de TV, sites e blogs que falam do assunto. Virou sinônimo de status e poder.

 

TODOS QUEREM POSSUIR O MUNDO.

 

Todos querem contar vantagem com o maior número de países visitados e fotos tiradas, mesmo que tenham feito apenas uma rápida escala ou não tenham visto nada além do visor. As fotografias de viagem tem que mostrar aquele pôr do sol perfeito, o MELHOR restaurante da moda, a praia mais cristalina… Os exemplos são muitos, e todos nós os conhecemos. Porque todos nós aderimos às regras do jogo contemporâneo: do movimento pelo movimento – viajar para ver, ir onde nos mandaram ir, fotografar para copiar o cartão postal e fazer bonito. O improviso perdeu seu papel, tudo está codificado, anunciado, descrito e explicado.

 

Evidente que podemos viajar por outros países, distantes e desconhecidos, e também passar por uma transformação do olhar interno, sem ficarmos obcecados no consumo de lugares, monumentos e passeios. Tudo depende de nossa maneira de viajar.

 

TURISTA OU VIAJANTE?

 

Cada vez mais vejo um movimento de “slow travel”, que seria uma idéia de parar, curtir devagar, se integrar ao lugar e experimentar o local. Tudo isso com aquele antigo olhar descrito em 1790, humilde e curioso, sem expectativas.

 

Dito tudo isso, seguem algumas fotos de viagem, clichê ou mudança de foco?

 

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Fotografia e Poder

Em época de dificuldades políticas, rixas ideológicas, ódio nas redes, onde cada lado acredita plenamente na sua opinião, proclamando-a verdade absoluta, devemos ter cuidado com o que lemos e vemos. Somos bombardeados em ritmo frenético por opiniões prontas, fotografias enquadradas, reportagens direcionadas e responsabilidades emolduradas. Os meios de comunicação nos passam, muitas vezes, verdades generalizadas que perigosamente criam estereótipos e manipulam os fatos para uma história única, uma história que interessa diretamente os detentores do poder.

 

Como demonstra a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi em seu ted sobre “O perigo da história única”.

 

Em termos gerais, é difícil definirmos o poder, pois ele não é palpável, se personifica de diferentes maneiras e se perpetua através das relações humanas. O que podemos tentar compreender é de que forma este poder é perpassado entre os homens. Todas as relações são, em maior ou menor grau, um jogo de poder e, onde houver poder, ele se exercerá sobre alguém.
De um lado temos os detentores do poder que trazem em si o argumento ético, e do outro os subjugados. As pessoas sempre exercem o poder por possuir “algo” que não temos através dos mais diversos argumentos: conhecimento e saber, força física, dinheiro, beleza… Isso os transforma em uma autoridade de difícil questionamento; é como se estivessem em um nível até então inatingível para os subjugados.

 

NÃO PODEMOS QUESTIONAR O QUE NÃO TEMOS OU AQUILO QUE NÃO SABEMOS.

 

O exercício do poder torna se mais grave ao percebemos que só aqueles que detêm o poder podem manipular os acontecimentos, criando uma única história e uma única verdade. É aí que mora o perigo! E este poder se torna tanto mais eficaz quanto menos for perceptível às nossas consciências. Os meios mediáticos são uma ótima forma de manipular pois implantam sorrateiramente seus interesses. A imagem, como um deles, é um eficiente veículo criador de desejos e sentimentos em prol de interesses ideológicos, políticos e econômicos.

 

Ao longo da nossa história, nacional e mundial, diversas fotografias foram usadas para apoiar um lado, uma suposta verdade. Como diz o filósofo e fundador da “School of Life”, Alain de Botton, no seu livro “Notícias: manual do usuário”, as mídias tem o “poder de ditar qual será a ideia que teremos das outras pessoas”.

 

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NÃO EXISTE UMA ÚNICA VERDADE.

Existe uma lenda indiana que conta a história de cinco cegos que de tanto ouvirem falar do majestoso elefante do príncipe Rajá, resolvem ir pessoalmente conhecê-lo. Um dos cegos ao segurar uma das presas do animal descreve a como uma lança. Outro pegando a tromba, define o animal como uma serpente; o terceiro ao tocar na perna do elefante diz ser como um tronco de árvore. Assim, cada um ao conhecer uma parte do elefante define-a segundo suas próprias impressões, pensando estar mais certo que o outro.

 

Tal como nesta lenda, somos cegos que conhecem apenas uma parte do grande elefante. Além de cegos, somos também prepotentes: pensamos que a nossa parte corresponde ao todo. Percebemos e compreendemos uma parte da verdade e concluímos, orgulhosamente, que apreendemos toda a verdade. Achamos ainda que isso nos defere algum poder.

 

SOMOS TOLOS.

A forma de fazer emergir a verdade é relativa, assim como a própria verdade é relativa. Ela não possui uma única forma e sim, várias formas, modelos e provas, misturadas e entrelaçadas de acordo com a formação cultural e o contexto histórico de cada sociedade. Sem citar todas as diferenças morais, intelectuais e psicológicas existentes entre os indivíduos. Nós, seres humanos, somos muito diversos uns dos outros.

Derradeiramente, não acho que a ideia seja de libertar a “verdade” de todo sistema de poder – o que seria quimérico na medida em que a própria verdade é poder – mas de desvincular o monopólio de uma verdade das formas de hegemonia (sociais, econômicas, culturais) no interior das quais ela funciona no momento.

 

TEMOS QUE GERAR CONHECIMENTO PARA PODER QUESTIONAR.

Ecoando com o que disse Chimamanda em seu TED de 2009, tão atual 7 anos depois, gerar mais histórias, e no nosso caso mais imagens, e sobretudo mais olhares, diversos e múltiplos, cria conhecimento e empatia e nos ajuda a perceber as diferentes versões de uma suposta verdade. Cito aqui dois exemplos de projetos multiplicadores de imagens:

 

  • No Brasil, o “Imagens do Povo” realizado nas favelas com o objetivo de democratizar a linguagem fotográfica formando fotógrafos que promovam de dentro para fora a cultura local. imagensdopovo.org.br

  • Em Ghana, “o MyPharm” realizado com 42 fazendeiros para ajuda-los a contar diretamente suas histórias e dificuldades, identificando ações para futuros projetos. photovoice.org/mypharm

E você, conhece algum outro projeto legal de fotografia que multiplique os discursos e desvele outras muitas verdades? Divida com a gente aqui nos comments.

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Imagem e Vaidade

Como vocês podem ver, resolvi entrar no mundo da internet. Na verdade já entrei antes, incursões rápidas, tímidas, que tinham em comum a falta de habilidade e de tempo para realmente me envolver nesse universo virtual. Resultado: blogs esquecidos em algum lugar não palpável dessa grande rede.

Não sei se agora será diferente (espero que sim) mas acredito que nos últimos anos acumulei um bom conhecimento sobre fotografia que pode render bons textos. Resumindo, estou mais narcisista.

 

UMA CERTA DOSE DE VAIDADE É NECESSÁRIA PARA O MUNDO VIRTUAL.

 

Seja no blog, no facebook, no instagram ou no youtube, qualquer novo post – de vídeo, imagem ou texto – passa pelo lado pessoal e pela (nossa) vaidade. Como o mito grego de Narciso somos atraídos pelo reflexo da nossa própria imagem e nos apaixonamos por nós mesmos. Nessa era tecnológica, de tempo rápido ligado ao instante, o próprio mecanismo do celular e das redes sociais induzem a um certo exibicionismo. É como se a sociedade tecnológica, de certa forma, já estivesse incentivando nossas vaidades. E um encaixe exato se forma, como são os encaixes narcísicos.

 

MAS TUDO TEM UM LIMITE.

 

Ter vaidade, querer dar algum recado, mostrar algo interessante para o mundo é ótimo e graças a esse exibicionismo encontramos inúmeros blogs curiosos, fotos diferentes, ideias surpreendentes compartilhadas. Encontramos também os autorretratos, ou selfies, que acredito terem um lado positivo, sendo desconstruções de nós mesmos e uma maneira de nos reconhecermos na massa cibernética: de dialogar.

Mas e o exagero. Narciso não estava interessado em divulgar sua imagem, se apaixonou por ele mesmo e se bastava. No mundo da imagem virtual não nos bastamos, precisamos da aprovação dos outros. Queremos mais curtidas, mais comentários e muita circulação do nosso post. A originalidade da imagem é menos importante que as suas qualidades genéricas cheias de modismos que darão o aval para um maior compartilhamento. A professora Jodi Dean usa o termo “valor de circulação” de uma imagem, onde a repetição e a imitação são valores mais importantes que a expressão e a análise.

 

A IMAGEM PERDE SEU VALOR E SE ESGOTA EM SI MESMA.

 

O sociólogo polonês Zigmunt Bauman acredita que o presente é o que seduz, é o que é acessível para a nossa sociedade ávida por consumo, por informação e por novidades. Vivemos dependentes dos estímulos externos, sempre atentos a preencher o tempo com imagens, sons, opiniões e sensações. Há uma perda do significado da imagem pois o processo de fotografar começa e termina numa imitação rápida e desinteressada. Nossa era tem uma tendência em destruir qualquer vestígio de tempo interior e de possíveis contribuições da subjetividade, perdemos a capacidade de nos encarar e de nos esvaziar. Com isso, não é fácil acessarmos a intuição e assim atingirmos uma liberdade criadora.

 

FOTOGRAFE, ESCREVA, PARTICIPE DA INTERNET COM CRIATIVIDADE.

 

Participar da internet faz parte do nosso mundo atual. Inclusive, ter a oportunidade de circular novas ideias e imagens numa escala global é uma dádiva dessa nossa era. Temos que ser vaidosos ao ponto de acreditarmos que o que vamos compartilhar fará uma diferença. Mas vamos combinar, não se prenda ao sucesso ou fracasso do número de curtidas e comentários. Eu aqui já confessei meu exibicionismo, mas prometo focar na criatividade dos posts, sem querer provar nada para ninguém, apenas como uma maneira de diminuir o isolamento e aumentar o diálogo sobre a imagem e suas diferentes conotações.

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