Uma arte latino americana que perpassa a fotografia e a ecologia

Nicolas Garcia Uriburu é um arquiteto, ecologista e artista argentino que trabalha com performance, arte conceitual e land art. Foi um dos primeiros a usar a arte como meio de chamar a atenção para a ecologia e os problemas naturais que vivemos.

 

Em 1968, muito antes de falarmos sobre as questões ecológicas, Uriburu pintou o Grande Canal de Veneza na época de sua bienal. Mas como assim pintou um canal de Veneza? Então, em protesto contra a poluição das águas, ele usou uma substância química chamada fluoresceína para tingir de um verde artificial as águas da grande cidade da arte contemporânea. A fluoresceína é usada pela NASA para localização de artefatos e pelos oftalmologistas como ferramenta de diagnóstico. Como uma fotografia colorida, seu processo químico no canal revelava para todos problemas ecológicos de ordem mundial.

 

Gostaria de sugerir expandirmos os limites da fotografia e pensarmos que os gestos de Uriburu, em colorir a água, têm uma enorme ligação com a fotografia e seus fundamentos. Suas colorações em defesa do mundo natural oferecem diferentes percepções para o mundo fotográfico. A transformação da fluoresceína se relaciona com a transformação química do quarto escuro para criar um efeito visual. Existe um momento, assim como na captação da máquina fotográfica e da química dos sais de prata, onde a mão do artista não tem controle.

 

 

 

 

Hidrocomias, 1970

 

Depois de Veneza Uriburu tingiu pelo mundo: Nova Iorque, a Riviera Francesa em Nice, o Sena em Paris, o Reno na Alemanha, os chafarizes do Louvre e do Trafalgar Square e do Hara Museu de Tóquio, entre outros. Foi aclamado por muitos pois abriu uma discussão antes do seu tempo participando inclusive de atos com a ONG Greenpeace. Falece em Buenos Aires em 2016.

 

Para retratar o seu trabalho fugidio e manter um registro, primeiramente, as imagens das colorações são feitas de maneira documental. Transcrições imagéticas de seus gestos que mostram o artista e sua ação. Aos poucos Uriburu desenvolve suas tinturas e com isso as imagens que seguem esses atos. São imagens que irão perpassar apenas o documento e trabalhar também o intuito do artista, seus conceitos, e filosofia política e vontade ecológica inseridos na efemeridade de seu trabalho.

 

Nos anos 70, ele cria as Hidrocomias (neologismo de coloração aquática), mesclando fotografia e pastel para realçar as colorações e dar um tom mais estético. Em 1973, novos desenvolvimentos, ele cria em silkscreen o Portfolio Manifesto, uma combinação de mapas e imagens transformados e inseridos no que para ele é a essência das colorações: arte e natureza. Num determinado momento, ele também se colore: pênis, cabelos e pele. Uriburu durante sua carreira transita pela fotografia documental, de paisagem, chegando no retrato. Uma espécie de microcosmo da história da fotografia.

 

Hidrocromia, 1970

 

A arte não tem mais lugar fora da natureza. Seu lugar é na natureza.” Manifesto, 1973 – Nicolas Uriburu

 

 

Uriburu questiona questões clássicas da fotografia: profundidade de campo, ponto de vista, tempo, realidade. Ele trabalha um novo tipo de fotografia, sem camera, que engloba os debates éticos, técnicos e históricos da mídia e os relaciona poderosamente com a vida e questão crucial do futuro: a ecologia.

 

 

 

Continue Reading

Entre visão e cegueira nos dias de hoje

A fotografia é a arte do olhar. Como o olho humano, a câmera fotográfica trabalha fundamentalmente da mesma maneira, ou seja, como uma câmara escura que apreende a energia luminosa, de acordo com algumas características técnicas, formando em seu interior uma imagem. O olho humano possui exatamente a mesma função, formando imagens a partir da luz e transmitindo-as através de impulsos ao cérebro. Por outro lado, assim como a fotografia, o olho humano recorta do mundo a sua visão pessoal e escolhe mostrar a sua edição subjetiva.

 

Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara – José Saramago

 

Fazendo um paralelo, a fotografia pode nos ensinar muito sobre a visão; essa que é um dos cinco sentidos do ser humano responsável por aprimorar a nossa percepção do mundo. Entre semelhanças e diferenças, o olhar fotográfico também pode nos levar a novas possibilidades de pensar e perceber o mundo, e a nós mesmos. Mas temos que olhar. Não basta querer enxergar com o olho esquerdo ou o direito, tem que abrir bem os dois olhos e observar ao redor.

 

O filósofo francês Gilles Deleuze considerava a nossa sociedade como a “civilização do clichê”, por um lado, porque as imagens em excesso produzidas hoje provocam uma banalização do que vemos e com isso não enxergamos mais e, por outro lado, pelo interesse político e econômico do poder constituído em distorcer o corpo imagético propagado. Nesses casos, a imagem deixa de ser visão para se transformar em instrumento de cegueira.

 

De repente, a realidade tornou-se indiferenciada a sua volta. – José Saramago

 

Mas arte não é cegueira. Fotografia é liberdade e reconciliação. É superar medos e abrir caminhos. A fotografia nos ajuda a tirar os óculos escuros e enxergar. É uma maneira de resistir, mostrando outros caminhos possíveis, outras realidades, e assim abrindo paradigmas. A arte coloca o dedo na ferida, questiona, faz mal, mas indica como podemos ser melhores do que somos hoje. Acredito que a fotografia orienta nosso olhar para quem não está nas redes sociais, para quem não tem espaço ou possa se retratar. A fotografia pode indicar a mudança, pode esclarecer a empatia, pode resistir e lutar.

 

O medo cega, disse a rapariga de óculos escuros. São palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegamos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos. – José Saramago

 

Paulo Marcos Lima, 2018

 

Ana Carolina Fernandes, 2018

 

Ana Carolina Fernandes, 2018

 

Nana Moraes, 2018

 

Continue Reading

Fotografia e resistência!

Em 2018, a arte resiste, a fotografia resiste, o FotoRio Resiste, eu, você, e todo o Brasil tem que resistir!

 

Como muitos sabem, trabalho no Festival Internacional de Fotografia do Rio de Janeiro (FotoRio) há muitos anos. Estagiei, preguei quadros, medi paredes, montei exposições em inúmeros centros culturais da cidade maravilhosa. Também fiz traduções simultâneas, servi de guia e intérprete, enfim, qualquer motivo de ver e ouvir os fotógrafos vindo do Brasil e do mundo era uma boa desculpa para mim. Aprendi muito e continuo aprendendo todos os dias.

 

Pedro Kuperman, Jardim de Maria, 2015, Rio de Janeiro

 

Os anos passaram, o festival teve alguns patrocínios durante um tempo (não grandes, mas interessantes em relação a nossa realidade) e de uns anos para cá é evidente a precariedade cada vez maior de toda a comunidade artística: começando pelos centros culturais e instituições e passando pelos artistas, produtores e o próprio festival. A infra-estrutura está cada vez mais capenga, o dinheiro escasso, os recursos humanos minguantes, a paciência pequena e as ideias retrógradas. É verdade que o efeito positivo disso tudo, muitas vezes, é a originalidade e o companheirismo. Mas vamos combinar que anos de trabalho e todo um investimento pessoal e financeiro da parte de todos não pode resultar unicamente em solidariedade.

 

E esse ano as coisas conseguiram piorar. Isso é óbvio para todos, ainda mais para os que vivem na cidade do Rio de Janeiro. Mas o óbvio não pode ser banal. Precisamos resistir: cada um na sua área, na sua luta, mas com alguma coisa em comum. O FotoRio 2018 não vai acontecer por causa da falta de editais para financiamento público e da falta de transparência na gestão cultural, que inclui até censura direta. Mas diante dessa onda de depressão frente a nossa realidade, fotógrafos e associações de todo Brasil se juntaram para não deixar a peteca cair. Quanto maior a crise política, econômica e cultural, maior a necessidade de uma resposta clara e direta: não estamos de acordo. Queremos mudar. Assim surgiu o FotoRio Resiste.

 

Walter Carvalho, Pássaros, Nova Iorque

 

“Nossa época obriga a tomar partido.” – Chimamanda Ngozi Adichie

 

O FotoRio Resiste acontecerá em agosto de 2018, tem por lema “Fotografia e Cidadania” e é coordenado por uma comissão composta por: Adriana Medeiros, Ioana Mello, Marcella Marer, Milton Guran, Nana Moraes, Paulo Marcos, Rogério Reis e Thomas Valentin. Queremos colocar em debate a gestão republicana das verbas e equipamentos culturais em espaços geridos pelos próprios fotógrafos ou em galerias e espaços alternativos e independentes. Nenhum espaço público será ocupado, à exceção de outros espaços de resistência, como a UERJ. O desejo é ocupar a rua, os muros, as ideias com arte, cidadania e liberdade.

 

Obrigada por todos que já se uniram à luta. E vamos juntos.

 

 

*Todos estão convidados hoje, dia 06 de março de 2018 às 19h, para uma exposição na Villa Aymoré (RJ) que marca o lançamento oficial do FotoRio Resiste. Com a inauguração, o FotoRio Resiste lança também seu financiamento coletivo para resistirmos juntos: benfeitoria.com/fotorioresiste

 

 

Continue Reading

O envelhecimento e a fotografia, anos de parceria

Pois é, os anos passam, e nós comemoramos aniversários, e os anos passam, e mais festas, e os anos passam… Bom, você já entendeu onde eu quero chegar, né? Todos nós envelhecemos! E a fotografia nos tempos de hoje, com seus filtros mágicos, só faz retardar esse processo, simulando uma juventude eterna, aliada às cirurgias plásticas e aos processos dermatológicos.

 

Até os canalhas envelhecem. – Nelson Rodrigues

 

Mas no fim do dia, ou da vida, envelhecemos. E a imagem meio lavada da infância (ou dos #tbt do instragram) nos escancara essa passagem do tempo. Algumas pessoas, como a Sissi, ficaram com a fama de não se deixarem fotografar depois de uma certa idade, justamente para não ter que encarar de frente as mudanças dos anos. Porém, por mais truques que usemos, por mais filtros que coloquemos, o corpo muda, o metabolismo desacelera, a mente se fortalece, as prioridades se renovam, mudamos o corpo físico e o lado psicológico também. Envelhecemos, para o bem e para o mal, num ato de adaptação constante das transformações que passamos. Entre aceitação e medo, definição e busca, envelhecemos.

 

Abaixo alguns fotógrafos que tentaram traduzir esse processo da vida, que pode não ter data exata para chegar, mas que vem para todos.

 

Sarah Bloom (EUA) – Self, abandonada, 2009-2018

 

Material Rejeitado

 

Uma mulher pensante dorme com monstros

 

Sally Mann (EUA) – Fotos de família, 1984-1991

 

 

Sasha Glodeberg (FR) – Mamika, 2007

 

 

 

Continue Reading

Era tudo uma grande brincadeira com a realidade

A fotografia sempre discutiu os limites entre realidade vs ficção / verdade vs mentira. Com a sua proximidade ao objeto fotografado, a fotografia carregou durante muito tempo, e carrega ainda hoje, a fama de ser a mídia que registra o real.

 

Nos anos 70 e 80, muitos artistas problematizaram a representação realística da fotografia. A fotógrafa Cindy Sherman, por exemplo, nunca se contentou, em todo seu trabalho fotográfico, com a experiência direta da realidade mas com uma projeção dessa realidade. Sua obra está inserida em um mundo feito de imagens que remetem a outras imagens. Ela não quer representar o real, mas discuti-lo e reinventa-lo. Diferente da fotógrafa Diane Arbus, por exemplo, que trabalhava a foto com um viés muito mais analista e arquivista, como uma ponte entre o sujeito e o objeto.

 

Joan, Fontcuberta, Miracle of Cryofloration, 2002

 

Hoje, o debate entre real e falso está ultrapassado, nossa contemporaneidade discute o “mentir bem” e o “mentir mal”. Joan Fontcuberta é um fotógrafo, curador, escritor, teórico e ativista espanhol que trabalha os conceitos da imagem, numa tentativa menos de descrever o mundo e mais de critica-lo e repensa-lo. Fontcuberta está ciente do poder das imagens e de como elas são usadas como um instrumento de poder. Por isso, ressalta a importância da discussão e da educação visual.

 

A idéia é desafiar as disciplinas que se proclamam representantes do real – a botânica, a topologia, qualquer discurso científico, assim como a mídia, até a religião. Escolhi a fotografia porque era uma metáfora do poder. – Joan Fontcuberta

 

Assim como Cindy Sherman, Fontcuberta simula e joga com a suposta realidade fotográfica. Num movimento jocoso, que lembra a performance, ele simula realidades que dialogam com a falsidade da fotografia como reflexo da verdade externa. Em sua série Sputnik, ele trabalha a verdade da documentação histórica, e mostra imagens da missão do astronauta Ivan Istochinikov. Ivan foi um dos primeiros cosmonautas soviéticos; ele desapereceu porque seu voo Soyuz 2 foi um fracasso para as autoridades da época (1968). Nas imagens de Fontcuberta, o soviético aparece com seus colegas, em treinamento, prestes a entrar na cápsula, e o artista se pergunta porque o astronauta sumiu, como e quando? Contudo, o Ivan Istochinikov da série é na verdade o próprio Fontcuberta, que em um trabalho de fotomontagem coloca seu rosto nessas situações. Mais ainda, Ivan Istochinikov é a tradução russa de Joan Fontcuberta.

 

Mas porque a brincadeira? Para evidenciar a falsidade da mídia, e como somos enganados facilmente. Queremos acreditar. Acreditar é mais confortável do que desacreditar que implica em esforço e confronto. Recebemos passivamente as informações dos meios de comunicação e da internet porque não queremos gastar a enorme energia necessária para sermos céticos. A fotografia não é inocente, constrói realidades e discursos. Mas a realidade não existe sem nossa experiência.

 

Joan Fontcuberta, Sputnik, 2007

Fake news

Continue Reading