A fotografia como forma de submissão

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A câmera fotográfica pode ser um equipamento extremamente intrusivo, incomodando a intimidade das pessoas e mostrando mais do que deveria. A invenção da fotografia veio com o deslumbramento da “revelação”. Toda a tecnologia fotográfica, e depois o que isso acarretou – cinema, televisão… – ocasionou um frenesi diante das possibilidades de se expandir as fronteiras do visível. Através dos artefatos tecnológicos – processos de revelação mais rápidos e de melhor qualidade, máquinas menores e mais agis – estendemos os limites, desvelamos o mundo. Como a descoberta do movimento, por exemplo, com o famoso fotógrafo Muybridge, em 1878. Antes dele não tínhamos a menor consciência dos movimentos dos animais: a fotografia trouxe a luz.

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Assim como detalhes da física e da biologia, trouxemos à luz povos, culturas, situações antes encobertas. Mas trazer tudo à luz pode ser agressivo. “Tirar” uma foto já denota uma violência. Como afirmava Susan Sontag em 1977, em seu livro “Sobre Fotografia”:

“Fotografar pessoas é violá-las (…); transforma-las em objetos que podem ser simbolicamente possuídos. (…)” – Susan Sontag

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Pedro Kuperman, Ashaninka, 2016

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A fotógrafa Teju Cole escreveu aqui sobre a violência da fotografia em relação a soberania de um povo sobre outro. Como a mídia fotográfica ilustrou a dominação do colonizador sobre seus subjugados, revelando tudo, até o que não podia ser mostrado: mulheres sem véu, reis sem coroas e máscaras… Os subjugados perdem a privacidade e a intimidade diante das câmeras fotográficas colonizadoras. É violento.

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Hoje esse processo ainda continua. Pois no jogo de poder ainda existe o dominante que se utilisa da estética do sofrimento para difundir suas imagens. Não é o sujeito fotografado que importa mas o consumo do outro. Com as novas tecnologias, e a rapidez de difusão, a violência é ainda mais cruel. Refugiados, sem proteção, são mostrados em seus momentos mais sofridos, mais inumanos. E as fotos exibidas em grandes exposições com aberturas regadas a champagne.

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Eustáquio Neves, Encomendador de Almas, 2006

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Eustáquio Neves, Valongo: Cartas ao mar, 2015/16

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Mostrar e evidenciar o que se passa ao redor do mundo é um papel importante da fotografia. Precisamos ver outras realidades, outras histórias, outras facetas diferentes do nosso obtuso olhar. Precisamos explorar e descobrir, pois dessa maneira criamos empatia. Mas sem colecionar vidas e através delas prêmios e troféus. Não basta mostrar, tem que se posicionar, assim como fazem as imagens desse texto.

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“Entre os direitos humanos está o direito de permanecer invisível .” – Teju Cole

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