Relicários da alma

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Descobri por esses dias umas dessas pequenas curiosidades históricas: “o olho do amante”. Em sua origem, “o olho do amante” é uma pequena jóia com o olho do amado pintado. Apenas o olho, nada mais. Uma prática que começou com o Rei George IV em 1784 quando ele conheceu e se apaixonou por Maria Fitzherbert uma católica duas vezes viúva. Apesar de proibida a relação, o então príncipe enviou a ela um sinal de seu amor: um retrato em miniatura de seus olhos. Em dezembro, eles se casaram secretamente, apesar da proibição da realeza anglicana de se casar com católicos. Embora o casamento não tenha durado nasceu a moda do “olho do amante”.

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Anel de um olho direito, Philadelphia Museum of Art, ca 1840.

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O olho nunca foi só um órgão, mas um símbolo. Seja de proteção, de divindade, de prosperidade… O olhar do fotógrafo não é menos simbólico. Além de ser o centro de um complexo sistema óptico que, junto com o cérebro, e a câmera, encontra inspiração e interpreta as imagens, os olhos do fotógrafo observam.

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A estrada entre o olho e o coração é fácil de seguir. Eu ando nela de olhos fechados. – Christophe Agou

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Nicholas Nixon, Self, Brookline, 2015.

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Como objetos, “o olho do amante” são fascinantes – e bizarros. Um olho perdido, sem dono. Criados antes do advento da fotografia, eram objetos onde as pessoas podiam dar uma parte de si à outra, e não apenas imagens de si mesmas. Como um relicário, com o objetivo de adoração. Olhando para o olho, o destinatário poderia evocar a pessoa amada.

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Pois o olho incorpora uma ação muito específica: o olhar. E não qualquer olhar, mas o olhar de alguém sobre o outro. E cada olhar tem sua emoção e sua mensagem. Pode transmitir luxúria, amor, vigilância, fraternidade, amizade… Cada olhar é precioso e íntimo. Pois como dizem, é a janela para a alma. Como um olho mágico, “o olho do amante”, metáfora do olho do fotógrafo, mostra um pouco do que temos guardado no interior.

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Numa época onde não havia retratos dos amados para serem guardados na carteira ou colocados nos porta-retratos, ou ainda nas telas do celular ou nas fotos de perfis do whatsapp, sentimos “o olhar do amante” repousando sobre nós. Como nos retratos fotografados de hoje, sentimos uma conexão com o retratado, objeto do olhar, e temos a sensação de conhecer essa pessoa um pouquinho.

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Man Ray, Glass Tears, 1933


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