Sobre lives…

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Esse ano com certeza trouxe muitas novidades, e com elas a moda das “lives”. Todo mundo deve ter vivido, em algum momento, de algum confinamento, uma certa agonia de não conseguir dar conta de tanta live legal sendo transmitida. E também de se frustrar com muita live sem graça, onde ou o convidado não tinha traquejo ou o entrevistador era pouco convincente.

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Com tudo isso em mente, acabou que meio sem querer, me vi a frente de uma série de 4 lives dentro da programação oficial do festival de fotografia FotoRio 2020! Mas como posso fazer algo interessante dentro de tanta live sobre fotografia já transmitida? O que posso trazer que acrescente ao diálogo visual depois de tudo que já foi dito? E como mediar de maneira dinâmica, didática e engraçada? Esses foram alguns dos milhões de questionamentos que vieram na mente enlouquecida de uma virginiana.

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Não consegui responder e acertar tantas indagações, mas com a ajuda da equipe do FotoRio e de convidados incríveis, estou tendo muito tesão em participar de lives. Não exatamente porque gosto de aparecer (de jeito nenhum, eu não consigo rever nenhuma das transmissões que participei) mas porque a conversa tem um alcance absurdo e é muito enriquecedora. Com apenas 3 lives no currículo já conheci um núcleo de mulheres fotógrafas do sul do Brasil que promove a fotografia incansavelmente, descobri um pouco mais sobre a fotografia na Guatemala, me inteirei de projetos fortes no nordeste e na Venezuela, me inspirei com ensaios fotográficos fortes, iniciei uma troca que deve render frutos com uma fotógrafa que admiro, e muito, muito mais. Se interessar, segue link de uma das conversas: https://www.youtube.com/watch?v=UYDmU9HCFJM&t=816s

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E sinceramente, entrando no meu segundo confinamento de 2020, apesar dos pesares, as lives tem sido ótimos meios de aprendizagem e descobertas. E não só no meio da fotografia, mas da arte, da política, do feminismo… Me diz qual live foi imperdível para você!

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Diálogos fotográficos entre Brasil e América Latina

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Desenvolvi, junto com a equipe do FotoRio, um projeto de 4 lives com o intuito de enriquecer o diálogo fotográfico entre o Brasil e a América Latina. Cada live gira em torno de um tema e trás um(a) convidada(o) brasileira(o) e outro(a) de algum país da América latina. A ideia era conhecer artistas e gestores culturais que tivessem pouca visibilidade no Brasil, e com os quais pudéssemos criar um diálogo.

Dentro do tema América Latina, falamos sobre mulheres e a fotografia, o livro de fotografia, a fotografia documental e o que seria uma fotografia latino americana. A série de 4 lives faz parte da programação oficial do festival FotoRio 2020.

Os links:

  • primeira live – “Diálogos fotográficos entre Brasil e América Latina” com Joana Mazza, Maíra Gamarra e Marcel del Castillo, link
  • segunda live – “Mulheres na fotografia latino americana” com Mônica Maia e Clara de Tezanos, link
  • terceira live – “Fotografia latino americana face às crises” com Pilar Olivares e Victor Moryiama, link
  • quarta live – “Livros de fotografia na América latina” com Rony Maltz ({Lp} Press) e Martín Bollati (FELIFA), link

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Jovem produção fotográfica na América latina

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Esse mês colaborei com a revista francesa Fisheye em uma reportagem especial sobre a fotografia na América Latina. Após uma introdução geral sobre os fotógrafos tradicionais do continente, a revista escolheu 11 jovens fotógrafos para fazer um apanhado da nova produção latino-americana. Um repertório sobre alguns dos mais importantes locais dedicados à fotografia também está disponível ao fim da edição.

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Graças a minha colaboração com a revista conheci o trabalho da fotógrafa argentina Luján Agusti. De origem da Patagônia, uma terra de limites e passagem, ela trabalha sobre identidades. Em sua série “Palhaços de Coatepec”, por exemplo, ela trabalha com um antigo ritual mexicano da época da colonização espanhola. Um trabalho que fala da formação identitária de um país colônia e sua situação hoje. Qual a identidade contemporânea desse povo precário? Luján trabalha o humano.

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Sua série “54°48´26´´S 68°18´16´´O”, sobre Ushuaia, fala da capital da Terra do Fogo, cidade que vive um isolamento natural e ao mesmo tempo é invadida de turistas. Qual a identidade desse povo solitário, dependente da natureza e de uma economia instável? Em outra série ainda, “Salve sua Alma”, Luján perpassa memórias da perda de sua mãe com rituais religiosos mexicanos. Uma busca por sua própria identidade.

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©Luján Agusti, serie 54°48´26´´S 68°18´16´´O

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Parte do coletivo Prime de fotografia e da IWMF que apoia o trabalho de mulheres fotógrafas, Lujan ganhou uma bolsa de estudos da « National Geographic Society »  e foi escolhida como uma jovem talento pelo programa « 6×6 Global Talent Program of World Press Photo ». Aproveito para dividir com vocês uma pequena entrevista que fiz com ela, além de suas imagens, claro.

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Qual é a sua formação fotográfica?

Inicialmente estudei História da Arte na Universidade de Buenos Aires. Depois estudei fotografia três anos na Andy Goldstein School em Buenos Aires também. Finalmente fiz o Seminário de Fotografia Contemporânea no Centro de la Imagen, no México, com sede na Cidade do México e em Oaxaca. Enquanto isso, sempre realizei diferentes workshops desde de processos de desenvolvimento artesanal até outros relacionados ao fotojornalismo, como o Eddie Adams, nos Estados Unidos.

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O que fez você escolher a fotografia como uma forma de expressão?

Eu sempre fui ligada à arte de uma forma ou de outra, passei pela pintura e pela história da arte. A imagem fotográfica apareceu no meu caminho quando eu era adolescente. Aquela fase difícil de expressar em palavras muitas coisas ao redor. Acabou tornando-se a minha maneira de me relacionar com o mundo ao meu redor. E, até hoje, é a minha maneira de entendê-lo.

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Você trabalha entre a Argentina e o México, que relação visual de semelhança e diferença você experimentou entre esses dois países latino-americanos? E de que maneira essas relações são mostradas em seu trabalho?

Eu sempre penso muito que, embora os dois países sejam latino-americanos, há muitas diferenças entre um e outro. Particularmente com a Patagônia, que é de onde eu sou. Enquanto no México muitas tradições e culturas ancestrais estão vivas, no sul da Argentina, o território e a cultura original foram devastados. Nesse sentido, no México, tenho me interessado em explorar os caminhos das tradições pré-hispânicas, enquanto na Patagônia tento contar histórias do que foi perdido ou corre o risco de desaparecer. Em ambos os casos, o que quero é abordar os problemas da minha região e atingir o olhar daqueles que, de outra forma, nunca os veriam.

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©Luján Agusti, salva tu alma, 2015

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©Luján Agusti, salva tu alma, 2015

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Conte um pouco sobre a sua série “Salve sua alma”. Como se deu a idéia e como foi o processo?

Este trabalho começou como meu projeto de estudo no Centro de Imagem. Vindo de um contexto bastante não-religioso, fiquei muito impressionada ao vir ao México e ver a presença do espiritual tão forte na vida diária das pessoas, e os muitos caminhos que isso pode levar. Comecei então a visitar lugares diferentes na Cidade do México e comunidades em vários estados do país, onde diferentes práticas relacionadas à fé eram realizadas. E isso sempre me surpreendeu. O México é como muitos universos diferentes dentro de um mesmo território. O projeto durou quase três anos, mas sofreu muitas mutações até receber a forma final.

No início era um projeto documentário. Mas aos poucos este projeto se transformou em uma busca pessoal. Procurei encontrar minhas próprias respostas. Em algumas situações quase encontrei, em outras não, e em muitos momentos tive medo, porque coisas muito intensas estavam em jogo.

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Religião e crenças é um tema bastante simbólico e também muito trabalhado por outros fotógrafos na América latina. Como você decidiu explorar esse tópico?

Minha maior referência foi a estética que sai desses mundos. Além disso, eu tinha muitas referências de trabalhos artísticos e da literatura que me ajudaram a construir visualmente o projeto.

Também trabalhei de duas maneiras, um lado mais “documental”, o que para mim estava mais próximo da realidade, digamos, do que vi com meus próprios olhos. E a parte do projeto que tem a ver com sensações, com crenças, com o que não vemos, trabalhei de forma mais simbólica. Tomei como referência as amarras, ou o uso do vermelho, ligado ao sangue, ao diabólico, e ao amor.

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Sua série “Salve sua Alma” tem uma forte presença feminina. A representação da mulher é uma questão na sua prática fotográfica?

Sim, questiono e reflito muito sobre a representação e o papel das mulheres na cultura latino-americana. Tanto atrás, quanto na frente da câmera. Nós temos enormes dificuldades, mas somos muitas agora para mudar isso. Nesta série em particular, é muito interessante ver como a mulher, ou o feminino, está sempre associada à desgraça, ao condenado. A figura da mulher como a culpada dos males da humanidade é repetida intensamente.

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Quais seus próximos projetos?

Atualmente estou trabalhando na Terra do Fogo graças a uma concessão da National Geographic, em um projeto sobre a vegetação local (as “turfeiras fueguinas”). A sua exploração está muito ligada à dinâmica social da região, e trouxe, entre outras coisas, o genocídio dos povos nativos, pelo uso e abuso de recursos naturais locais.

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©Luján Agusti, salva tu alma, 2015

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©Luján Agusti, salva tu alma, 2015
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Uma arte latino americana que perpassa a fotografia e a ecologia

Nicolas Garcia Uriburu é um arquiteto, ecologista e artista argentino que trabalha com performance, arte conceitual e land art. Foi um dos primeiros a usar a arte como meio de chamar a atenção para a ecologia e os problemas naturais que vivemos.

 

Em 1968, muito antes de falarmos sobre as questões ecológicas, Uriburu pintou o Grande Canal de Veneza na época de sua bienal. Mas como assim pintou um canal de Veneza? Então, em protesto contra a poluição das águas, ele usou uma substância química chamada fluoresceína para tingir de um verde artificial as águas da grande cidade da arte contemporânea. A fluoresceína é usada pela NASA para localização de artefatos e pelos oftalmologistas como ferramenta de diagnóstico. Como uma fotografia colorida, seu processo químico no canal revelava para todos problemas ecológicos de ordem mundial.

 

Gostaria de sugerir expandirmos os limites da fotografia e pensarmos que os gestos de Uriburu, em colorir a água, têm uma enorme ligação com a fotografia e seus fundamentos. Suas colorações em defesa do mundo natural oferecem diferentes percepções para o mundo fotográfico. A transformação da fluoresceína se relaciona com a transformação química do quarto escuro para criar um efeito visual. Existe um momento, assim como na captação da máquina fotográfica e da química dos sais de prata, onde a mão do artista não tem controle.

 

 

 

 

Hidrocomias, 1970

 

Depois de Veneza Uriburu tingiu pelo mundo: Nova Iorque, a Riviera Francesa em Nice, o Sena em Paris, o Reno na Alemanha, os chafarizes do Louvre e do Trafalgar Square e do Hara Museu de Tóquio, entre outros. Foi aclamado por muitos pois abriu uma discussão antes do seu tempo participando inclusive de atos com a ONG Greenpeace. Falece em Buenos Aires em 2016.

 

Para retratar o seu trabalho fugidio e manter um registro, primeiramente, as imagens das colorações são feitas de maneira documental. Transcrições imagéticas de seus gestos que mostram o artista e sua ação. Aos poucos Uriburu desenvolve suas tinturas e com isso as imagens que seguem esses atos. São imagens que irão perpassar apenas o documento e trabalhar também o intuito do artista, seus conceitos, e filosofia política e vontade ecológica inseridos na efemeridade de seu trabalho.

 

Nos anos 70, ele cria as Hidrocomias (neologismo de coloração aquática), mesclando fotografia e pastel para realçar as colorações e dar um tom mais estético. Em 1973, novos desenvolvimentos, ele cria em silkscreen o Portfolio Manifesto, uma combinação de mapas e imagens transformados e inseridos no que para ele é a essência das colorações: arte e natureza. Num determinado momento, ele também se colore: pênis, cabelos e pele. Uriburu durante sua carreira transita pela fotografia documental, de paisagem, chegando no retrato. Uma espécie de microcosmo da história da fotografia.

 

Hidrocromia, 1970

 

A arte não tem mais lugar fora da natureza. Seu lugar é na natureza.” Manifesto, 1973 – Nicolas Uriburu

 

 

Uriburu questiona questões clássicas da fotografia: profundidade de campo, ponto de vista, tempo, realidade. Ele trabalha um novo tipo de fotografia, sem camera, que engloba os debates éticos, técnicos e históricos da mídia e os relaciona poderosamente com a vida e questão crucial do futuro: a ecologia.

 

 

 

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