Cindy Sherman como um espelho da nossa sociedade

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Nesse ano conturbado que estamos vivendo, é um luxo poder ver a retrospectiva do trabalho fotográfico de Cindy Sherman na Fondation Louis- Vuitton, apesar dos meses de atraso. São 4 andares, muito bem montados, com impressões perfeitas, onde vemos tanto imagens pessoais de acervo próprio como sua primeira série em P&B – Untitled Film Stills – seus grandes formatos mais recentes ou ainda seus autorretratos do instagram em tapeçaria. Um longo trajeto pelos 50 anos de uma carreira que começou no fim dos anos 70 e que continua bastante movimentada até hoje. Com raríssimas exceções, o tema é sempre o mesmo: o autorretrato.

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A artista é tudo: modelo, maquiadora, cenógrafa, técnica, atriz, iluminadora e fotógrafa. Como na mágica, ela tem total controle sobre seus truques e o que ela deseja apresentar ao público. Perucas, maquiagem, cenários, fantasias criam um ambiente cada vez diferente e transformam a artista em diferentes personas. Entre realidade e ficção, ela incarna poderosos e complexos personagens do nosso cotidiano. Somos confrontados a pessoas que cruzamos, ideias preconcebidas: um pouco de nós mesmos.

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Nós espelhados nela

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Suas imagens são calculadas e fabricadas de acordo com a decisão da artista. Ela passa pelo imaginário do cinema, da pintura clássica, dos contos de fadas, da moda, da sociedade, do feminino e do masculino, das mídias sociais. Ela desconstrói os arquétipos, brinca com os códigos, distorce as certezas. Como sua série “Untitled Film Stills” de 1977 onde ela se representa como heroínas de filmes fictícios dos anos 50 e 60. Ela chama atenção para o papel da mulher na mídia e da mulher diante do olhar masculino. O desejo sexual e a dominação, a modelagem de uma identidade de acordo com a cultura de massa, essas são algumas críticas de Sherman. Seu trabalho é uma conversa direta com a nossa sociedade de consumo intenso e de proliferação da imagem.

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Não é à toa que ela entrou de cabeça no instagram, como já havíamos mostrado aqui no site. Diferente de seu extenso cuidado com as fotos em estúdio, o instagram de Sherman é mais simples, com imagens do dia a dia, banais, e uso de muitos efeitos. Usando de muito exagero, ela afirma em sua conta online que nunca somos nós em nossos selfies. Os papéis, os personagens e as aparências que tomamos nas mídias sociais somos nós mesmos que impomos e realizamos, nos transformando. Assim como ela ao longo de seus trabalhos. Mas a maior ironia disso tudo é que nem percebemos.

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Cindy Sherman soube envelhecer muito bem. O autorretrato pode ser uma maneira bastante agressiva de acompanhar o seu próprio envelhecimento. Mas ela soube incorporar suas rugas em seus ensaios, e com um certo humor, usar isso em seus novos personagens. Além disso, percebeu muito bem as novas mídias de auto – representação (o instagram e os selfies) e se apoderou, trazendo suas discussões para questões contemporâneas.

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Cindy Sherman e o instagram

Já falamos da Cindy Sherman aqui no blog. Fotógrafa americana que iniciou a carreira nos anos 70 e ainda está em atividade, Sherman é mais conhecida por seus auto-retratos conceituais extremamente críticos da sociedade, que chamam atenção para o papel da mulher na mídia, e da mulher diante do olhar masculino. Ela tem séries ícones como suas representações de still de cinema, onde ela se retrata sozinha em estúdio, quase irreconhecível maquiada e fantasiada, como uma estrela de alguma cena de cinema em preto e branco.

 

Cindy Sherman, Untitled Film still #81, 1980

 

Apontando a câmera para si mesma, Cindy Sherman assume o papel da mocinha de Hollywood e com isso tenta chamar a atenção do público para inúmeras questões, como a poderosa maquinaria da fantasia e da maquiagem que esconde as imagens que circulam em nossa insana cultura de massa do “conectado”. Ou ainda, o desejo sexual e a dominação, a modelagem de uma auto-identidade de acordo com a cultura de massa, essas são algumas críticas da extensa série de autorretratos de Sherman. O trabalho de Sherman é uma conversa direta com a nossa sociedade de consumo intenso e de proliferação da imagem.

 

Sendo assim, nada mais óbvio do que encontrarmos essa fotógrafa na nova mídia social de predileção do mercado de arte: o instagram. Diferente de seu extenso cuidado com as fotos em estúdio, o instagram de Sherman é mais simples, com imagens do dia a dia, banais, e muitos efeitos dos aplicativos de celular Facetune e Perfect365. Usando de muito exagero, Sherman afirma em sua conta online que nunca somos nós em nossos selfies. Os papéis, os personagens e as aparências que tomamos nas mídias sociais somos nós mesmos que impomos e realizamos, nos transformando. Mas a maior ironia disso tudo é que nem percebemos. E os disfarces mais perigosos são os sorrisos forçados, as bocas falsificadas que agora proliferam nas mídias sociais, muitas vezes aumentadas em cirurgias exageradamente reais. 

 

Cindy Sherman, Instagram, 2017

 

As imagens são brincadeiras com a própria mídia, com sua rapidez e praticidade, sendo assim não tem a mesma dedicação que seus trabalhos anteriores. Nem sei se podemos chamar a conta do instagram de Sherman de trabalhos, talvez de estudos, ou performances. Como toda mídia social, ela também posta obras de exposições que visita, ambientes aleatórios, enfim, toques de sua vida pessoal. (o instagram me) “Parece tão vulgar”, disse Sherman em uma entrevista. De uma certa maneira, diria que ela mudou de idéia, porém, por outro lado, algo de seu julgamento inicial perdura em seus selfies distorcidos e grotescos.

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