David Hockney e a fotografia

O artista inglês David Hockney comemora seus 80 anos esse ano e vários museus pelo mundo estão celebrando sua vida e sua obra, incluindo o Pompidou em Paris que produziu uma retrospectiva com 160 obras, incluindo suas séries fotográficas.

Hockney sempre se interessou pela tecnologia da imagem, através da câmera fotográfica, celular, ipad e afins, ele experimenta inúmeros caminhos pelo universo visual que tanto o fascina. Como tema, ele se interessa pelo cotidiano e o simples – familiares, amantes, colecionadores, paisagens ao redor, objetos da casa – sem hesitar em homenagear, brincar e pegar emprestado estilos como o cubismo, o fauvismo, e elementos de artistas que ele admira como Matisse, Bacon, Picasso… Hockney desenvolve seu trabalho num estreito diálogo entre tecnologia, técnica, pintura e história da arte.

 

Eu acho que a fotografia também nos causou alguns danos. Nos fez ver tudo de uma maneira similarmente chata. Vivemos numa época em que um vasto número de imagens produzidas não se proclamam arte. Elas declaram algo muito mais dúbio. Elas se declaram reais.  – David Hockney

 

 

Nos anos 70, ele começa sua série fotográfica de colagem chamada joiners (marceneiros), primeiro usando impressões de polaroid e depois negativo 35 mm, chegando até impressões a cores comerciais. Usando várias impressões de fotos de diferentes ângulos e momentos de um único assunto, Hockney organiza uma colcha de retalhos para criar uma única imagem final. 

 

Se distanciando da perspectiva clássica induzida pelo olhar da câmera, Hockney experimenta com outras visões espaciais e temporais, dialogando com o movimento, com os diferentes pontos de vistas do cubismo e com a filosofia bergsoniana. A fotografia ganha uma dimensão mais alargada, se expande de tal forma que permite ao espectador uma percepção de uma realidade múltipla que nos é apresentada como resultante de diversos instantes. Cada pequena imagem que compõe o joiner surge um novo olhar, uma nova realidade.

Como dizia o filósofo francês Henry Bergson, nós não apreendemos a vida de maneira sucessiva e instantânea, mas ao contrário, em fluxo contínuo.  Com suas inúmeras imagens que compõe uma imagem única, Hockney torna o tempo visível, ou seja, ele mostra ao espectador as mudanças, o fluxo do tempo. Ele nos tira da sucessão de instantes cortados, para com a profusão deles, nos colocar dentro de diferentes momentos de espaço e tempo. Nossa percepção clássica do espaço exterior é quebrada e o movimento de seus joiners nos envolve com o movimento dos elementos em cena, incluindo tempo e espaço. 

 

E aqui estamos dialogando com a fotografia e não com o cinema, pois o referente se coloca diante da câmera, sem atravessa-la. E em cada imagem, nossa visão é forçada a perceber cada detalhe, num movimento de acumulação contínua da totalidade do tempo, desvendando o que Bergson chamava de duração.

 

 

*a exposição David Hockney – une retrospective fica em cartaz no Centre Pompidou em Paris até dia 23 de outubro de 2017.

 

 

 

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