Ser solteira na China ou o contentamento da conformidade

.

Yingguang Guo é uma fotógrafa chinesa de 35 anos. E solteira. Porém, culturalmente, ser solteira na China nessa idade é um problema ainda hoje. Cá entre nós, não é só na China que estar solteira aos 35 anos é visto como um problema. As pressões brasileiras para a mulher casar o mais rápido possível aos 35 anos também são fortes e eficazes.

.

Mas voltando a nossa jovem fotógrafa chinesa que ficou “pra titia”… Diante dessa cultura tradicionalista, ela resolveu fazer um ensaio sobre a problemática. “O contentamento da conformidade” é o título de sua série que perpassa questões culturais chinesas sobre o casamento arranjado. E também questões pessoais da fotógrafa. Guo trabalha com fotografia, vídeo, instalação e performance para conseguir abarcar as nuances dessa temática.

.

A China é uma enorme potência mundial, passando por um enorme crescimento econômico, mas isso acontece tão rapidamente que muitas coisas acontecem paralelamente. Como a emancipação das jovens chinesas e a tradição do casamento arranjado. Dois movimentos opostos que andam juntos na China atual. É no People’s Park, em Xangai, que os pais se reúnem para “venderem” seus filhxs solteirxs. Eles andam com cartazes sobre os filhxs, na esperança de os casarem. Um tinder à moda bem antiga!

.

Yingguang Guo, The bliss of conformity, 2016

.

É tipo um anúncio, feito pelos pais (sem xs filhxs saberem) que indica os melhores detalhes e as qualidades dos jovens. Banalidades como qual a altura, idade, hobby, emprego… Até detalhes mais sórdidos como o valor do salário, se tem casa própria… Há um conjunto padronizado que faz com que alguns sejam “mercadorias mais valiosas”. Ou em outros termos, seja um bom partido. O requisito básico da mulher é a idade, obviamente. Quanto mais nova, melhor. Para o homem, quanto mais rico, melhor.

.

“A virtude de uma mulher está em sua falta de talento.” – pai no People’s Park

.

Guo faz seu próprio anúncio e vai ao parque se vender, como uma performance. Ela grava os diálogos e os encontros. Além disso, seu trabalho ainda apresenta fotografias do parque e conversas com pessoas que vivem em casamentos forçados. O resultado pode ser visto em um livro delicado e elegante, cheio de recortes, fios e ligações.

.

.

Vencedora do prêmio Figaro de 2018, Guo expôs seu trabalho no festival de Arles do mesmo ano. Sua série é toda em preto e branco, pesada e esvaziada de alegria. De maneira direta e abstrata, a artista desvela conscientemente o custo emocional por trás dessas expectativas e pressões sociais. Sua jornada cultural, e ao mesmo tempo interior, indaga sobre a intimidade forçada, a dor de se contentar com a conformidade e a agressividade ao tratar de sentimentos delicados em nome de expectativas sociais. Detalhes de uma China em mutação mas que falam a todos.

.

Continue Reading

Zhang Dali e a geração artística chinesa “fuck off”

Foi pesquisando sobre o artista chinês, Zhang Dali, que eu descobri a expressão geração “fuck off” (geração “foda-se”). Não conhecia essa geração artística, mas já curti. Seriam os artistas e pensadores chineses que vieram após a morte de Mao Zedong. Pessoas que viveram as restrições impostas pelos anos de Mao e que tiveram que lidar com a entrada em uma nova era, contemporânea, cheia de novidades. E que além de tudo ainda tinham que se relacionar com o que existia antes: os inesgotáveis ​​séculos passados ​​de arte tradicional.

 

O final dos anos 80, na China, foi um ponto de virada para a política e a economia. O  regime autoritário neo-comunista que dominou o país e a livre iniciativa desenfreada que veio gerou um impulso precipitado que culminou nos protestos da Praça Tiananmen em 1989. Para os artistas que cresceram com o legado da Revolução Cultural, suas censuras políticas e artísticas opressivas, a nova era veio como a alternativa de novos experimentos na linguagem. Jovens artistas aproveitaram a ocasião para ampliar o horizonte e libertar as amarras.

 

Zhang Dali foi um desses artistas. Nascido na China em 1963, fez sua formação artística em Pequim e em 1989 teve que fugir para Itália. Viveu em Bolonha entre 1989 e 1993. No ocidente teve contato com o grafite e a arte de rua. Foi o pioneiro na China de street art com o codinome de AK-47. Em seus anos de exílio, pode perceber com outro olhar a máquina da propaganda política, e as mudanças bruscas e desumanas que seu país sofreu. Seu trabalho perpassa todas essas questões, sempre preocupado com as vastas mudanças sociais e culturais que ocorreram desde o início das reformas econômicas na década de 80. Sua intenção é documentar essas questões e dialogar com o público e o ambiente. 

 

 

Eu acredito que os seres humanos são o produto de seu ambiente. Estou preocupado com as mudanças em nosso ambiente de vida que foram impostas pelo dinheiro e pelo poder. – Zhang Dali

 

 

Seu projeto em andamento, “Uma segunda história”, mostra a alteração de fotos feitas na China durante a liderança de Mao Zedong para atender às necessidades de propaganda política. Adicionando ou removendo pessoas e elementos de cena, recorrendo inclusive a coloração e retoque, as fotografias foram mudadas para se adequar à agenda de Mao, e representar mais positivamente o regime. Zhang Dali percorreu inúmeros arquivos, em um trabalho insano, para achar os negativos originais e mostrar as alterações implementadas. Toda essa pesquisa revela insights sobre a história chinesa moderna, além das óbvias implicações sobre a veracidade dos meios de comunicação de massa contemporâneos.

 

Comecei esta pesquisa porque estava pensando em como explorar o que não é claramente visível, fiquei me perguntando como entrar na cabeça de outra pessoa – os censores, por exemplo. – Zhang Dali

 

 

Continue Reading

3 novas exposicões para estreitar a ligação China – Brasil

O Rio de Janeiro foi a primeira cidade a receber imigrantes chineses ainda no século XIX, depois em 1911 com a Revolução Republicana na China, e a partir dos anos 1990, com uma nova leva de imigrantes originários de Qingtian que se fixou na região comercial conhecida como Saara. Apesar desse movimento migratório, não vemos muitos olhos puxados em terras cariocas e menos ainda exposições de artistas chineses e asiáticos. 

 

Mas, desde o dia 11 de maio, uma belíssima exposição do fotógrafo chinês Zhong Weixing inaugurou no Museu Histórico Nacional: “Face a face com grandes fotógrafos”. Homem de negócio, fotógrafo e colecionador de arte, Zhong, decide retratar os grandes nomes da fotografia internacional contemporânea. Desde 2016, seguindo a tradição do retrato na história da fotografia, ele inicia uma catalogação dos grandes rostos por trás das imagens emblemáticas da fotografia mundial. Num movimento de modernização do portrait, Zhong inverte sua lente para revelar o olhar por trás das grandes imagens. Nós não vemos mais através dos olhares de Vik Muniz, Sebastião Salgado, Martin Parr, JR, mas seus próprios olhos. Eles aparecem não mais através de suas obras, mas de retratos delicados e sensíveis.

 

Martin Parr, 2016

 

E para cada retrato, Zhong estuda não só a vida do fotógrafo mas sobretudo sua obra. E através desse diálogo, ele explora as características de cada personagem e propicia uma visão informal e aberta de cada um dos nossos ídolos. 

 

A curadoria é uma parceria entre o francês Jean Luc Monterosso, diretor da MEP em Paris e do brasileiro Milton Guran, diretor do FotoRio. A exposição nos apresenta 36 imagens e um filme no final, com cenas do making off no estúdio de Zhong. A iluminação está afinadíssima, e nos ambienta ainda mais, nos atraindo para os olhares de cada grande fotógrafo. Podemos ver nomes como Alain Fleischer, Cristina De Middel, Daido Moriyama, Elliott Erwitt, Joan Fontcuberta, Miguel Rio Branco, brasileiro, Orlan, Pierre et Gille, Ralph Gibson, Robert Frank, William Klein, entre muitos outros. 

 

E semana que vem, dia 07 de junho, o Centro Cultural Correios e o FotoRio inauguram mais duas exposições de artistas chineses: China de um chinês”, de Wang Weiguang e “Corpo” de Zhu Hongyu.

 

Zhu Hongyu

 

Wang Weiguang

 

*Face a face com grandes fotógrafos, Zhong Weixing. 11 de maio a 16 de julho, Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro.

*China de um chinês, Wang Weiguang e Corpo, Zhu Hongyu. 07 de junho a 06 de agosto, Centro Cultural Correios, Rio de Janeiro.

 

Continue Reading