Alguns pontos de uma longa discussão sobre a teatralidade na fotografia

Henry Cartier-Bresson falava do “instante decisivo” na fotografia. Esse instante seria a captura de um momento único no mundo sempre em movimento (ótima idéia para um futuro post pois poderíamos discorrer um bom tempo sobre isso). Diferente de um momento que aconteceu diante da câmera, a teatralidade na fotografia traz o conceito de uma maior construção da imagem.

 

Quando falo de teatralidade na imagem, penso em encenação e performance. Em uma imagem ligada ao teatro. Como a imagem de Marcel Duchamp travestido em Rose Sélavy feita por Man Ray em 1920.

 

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Mas em que sentido ligada ao teatro? A arte do teatro pode ser exemplificada como uma interpretação de uma história para uma plateia, com capacidade de iludir e criar simulacros. O espectador sabe que está vendo algo falso mas é envolvido e se deixa enganar. Como de uma certa maneira também acontece no cinema e na televisão. O fotógrafo Jeff Wall diz que o cinema é extremamente poderoso em iludir o espectador, é um meio sonâmbulo dele se aproximar da utopia.

 

O teórico modernista Michael Fried, ao criticar as obras minimalistas, protesta contra o que ele chama de teatralidade das obras, pois, para ele, os minimalistas transformavam o observar da obra em um espetáculo onde tudo já era dado e desvendado previamente. Ele defende uma imagem desprovida de artifícios.

 

Imagens rebuscadas, cores vivas ou detalhes teatrais apelativos, esses artifícios da imagem teatral seriam capaz de envolver o olhar do espectador numa mentira, num jogo onde a ilusão vira realidade. Mais do que isso, a encenação substitui o real, levando o espectador ao engano no espaço da vida (social, político…).

 

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Inserido em uma história da arte, alguns fotógrafos, segundo Fried, escapam da teatralidade nefasta e dialogam com as problemáticas do simulacro (cinematográfico, no caso). Artistas como Hiroshi Sugimoto, Cindy Sherman e Jeff Wall. Sherman, por exemplo, imita as fotografias stills do cinema com um grande cuidado em manter uma total neutralidade. Ela não quer retratar emoções fortes, como normalmente vemos em fotos de bastidores de filmagens. Ela imita os stills na técnica e nas cenas que ela reproduz, porém faz questão de resistir ao teatral mantendo grandes distâncias do objeto, ou fazendo um enquadramento de perfil. Sempre há uma atenção de sua parte de não explicitar uma comunicação entre o público e o objeto, de manter uma distância e de sobretudo não dramatizar.

 

Sugimoto, em sua série “Theaters”, quebra com a ilusão, pois retira de seus cinemas, além do próprio filme, os espectadores, e de seus drive – in os carros. Ele desmistifica o cinema, retira toda dramaticidade e teatralidade e deixa o espectador da fotografia livre para poder entrar no seu cinema e olhar consciente e criticamente esses templos de ilusão.

 

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Mas podemos defender que uma obra de arte é teatral por excelência porque terá sempre uma relação com o espectador, a obra não existe sem o olhar (alguns filósofos defendem que sim, que a obra existe por si só). Assim, a teatralidade se daria na fotografia quando essa seduz o espectador numa experiência espaço-temporal, confundindo-se com o real, apelando para vários sentidos do espectador e transformando-o.

 

Como mostra Catarina Vaz em sua dissertação de mestrado, a teatralidade pode ser pensada bem mais positivamente que Michael Fried supõe. Pois seria “a capacidade de absorver o espectador através de um jogo, criando duplos, que o faz transgredir e anular-se para se colocar na obra”. A obra, em sua teatralidade, comove, mexe, transforma o espectador. Estabelece um jogo com os sentidos criando comunicação.

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Fotografia, cinema e seus instantes

A partir da exposição de Arthur Omar, vista e comentada aqui no blog (http://photolimits.com/exposicao/entre-sem-bater/), fiquei pensando nos limites entre fotografia e cinema.

 

O famoso teórico da fotografia, Roland Barthes em seu livro A Câmara Clara, diz que a fotografia não pode negar seu referente, essa é a essência da fotografia. Para Barthes, temos sempre essa certeza fotográfica, daquilo que foi. Porém, ele mesmo diz que o cinema não é a fotografia melhorada. Pelo contrário, apesar de derivar da fotografia, o cinema difere em sua essência. Na foto o referente se pôs diante da câmara e aí permaneceu para sempre, no cinema o referente passou diante da câmara, fechamos os olhos e não o vemos mais, já é outra imagem, outro referente.

 

Barthes diz que a fotografia é imóvel e que fixa o instante. Diria porém que a fotografia mesmo imóvel não tem seu instante fixo e parado.

 

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Para produzir o filme, todo instante se sucede de modo determinado e orientado. O instantâneo cinematográfico não existe sozinho, ele obrigatoriamente está ligado por outros instantâneos que o precedem e o sucedem. O tempo cinematográfico seria matemático e técnico, ligado à sucessão, à orientação e à irreversibilidade. A fotografia, diferente do cinema, é o instante em si e não uma progressão de fotogramas que se sucedem.

 

O instante fotográfico, é só ele, ligado a um tempo subjetivo e a uma experiência individual. Assim, podemos dizer que, esse instante fotográfico estaria mais ligado ao tempo qualitativo e não mensurável. A fotografia não funciona como um instante qualquer assim como o fotograma, ela refaz a duração dentro dela mesmo, em apenas uma imagem. “Assiste–se a um filme, mergulha–se numa fotografia”, diz o teórico brasileiro e professor da Unicamp, Etienne Samain.

 

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A fotografia não se estrutura por um começo, meio e fim, ela é um livre ir e vir.

 

Diferente da imobilidade do fotograma extraído da totalidade móvel do cinema, a fotografia é o seu instante, que apresenta a própria infinitude da duração em seu interior.

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