Nikola Mihov, um observador da nossa sociedade de consumo

Há poucos dias descobri o fotógrafo búlgaro Nikola Mihov. Baseado entre Paris e Sofia, Nikola  desenvolve um trabalho que destaca a relação entre o espectador e o seu entorno, que pode ser uma obra de arte – como seu trabalho sobre a Monalisa, o bar Bataclan, marcado pelos atentados de 2015 em Paris, ou os antigos monumentos comunistas da Bulgária. O que interessa ao artista é a evolução do que se torna o observador na nossa sociedade atual de consumo. Nikola se faz cada vez mais presente no meio fotográfico, participando de diversas exposições e festivais, como os Encontros de Arles e o Paris Photo 2017, onde lançou seu terceiro livro.

 

Em seu trabalho Processando…, lançado ano passado, Nikola fotografa a relação do público do museu do Louvre diante do famoso quadro da Mona Lisa. Pintado por Leonardo da Vinci em 1503, a Mona Lisa é considerado o quadro mais famoso do século XX, tendo o sido o mais comentado, falado e visitado no mundo. Estimado em mais de 750 milhões de euros, mais de 15 milhões de pessoas, por ano, passam diante de sua redoma para ve-lo, ou melhor, fotografa-lo. Com seu sorriso enigmático, diríamos que a Joconda olha ironicamente para o circo que se fez ao seu redor: a multidão é tão densa que o desconforto e até mesmo a violência se instalam. Aqui o sujeito é central e o quadro não passa de um adorno que irá estampar as mídias sociais. Mil pessoas se acotovelam para fazer seu selfie com a vedete. Fotografar tem outro significado além do “estive aqui”: “consumi isso aqui”.

 

Nikola Mihov, Processing, 2017
Nikola Mihov, Processing, 2017

 

 

 

 

 

 

 

Nikola também fotografou a abordagem das mídias internacionais diante dos atentados de novembro 2015 em Paris na série Olá e bem vindo a Paris. Focando apenas nos rostos e trejeitos dos jornalistas televisivos, Nikola retrata os gestos convencionais e dramáticos padronizados pelo jornalismo corporativo. Em detalhe, ele também mostra as frases-chaves que seguem as regras institucionais da rotina editorial e permanecem impressas em nossa mente. O fluxo repetitivo de notícias sobre os atentados em geral forma a imagem do horror, o convertendo em um produto de consumo de massa. Tal como a publicidade, que reveste a realidade para vender, a mídia sobreexpõe notícias negativas para ganhar audiência. Aqui Nikola mostra a relação fantasmagórica do espectador com seu entorno, que de novo se torna um acessório orbitando ao redor da mídia.

 

 

 

 

*Fotos acima de Nikola Mihov, Hello and Welcome to Paris, 2015

 

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Paris Photo e o incrível universo da maior feira de fotografia

A feira de fotografia Paris Photo é o acontecimento incontornável do mercado de fotografia. Primeira feira de arte dedicada exclusivamente ao meio fotográfico, semana passada o Paris Photo apresentou sua 21a edição. Desde 1997, ela acontece anualmente em espaços prestigiosos, primeiramente no Carrousel du Louvre e agora no enorme espaço do Grand Palais. Ano passado, em 4 dias de feira, teve mais de 50 mil visitantes. Desde 2013, ela se aventurou no novo mundo e abriu uma filial em Los Angeles, nos EUA, para criar mais vínculo com o grande mercado americano como um todo. O sucesso das duas feiras é inquestionável.

 

 

 

Esse ano a feira apresentou mais de 180 galerias e editoras de livros de fotografia, de uns 30 países, que apresentaram trabalhos fotográficos tanto modernos quando contemporâneos. Um grande panorama da história da fotografia e do que anda se clicando (e vendo) pelo mundo. Pelo menos essa é a ideia, infelizmente a prática de uma grande feira de arte é um pouco diferente da teoria. Sem tirar o mérito de ser o grande encontro mundial de fotógrafos, galeristas e colecionadores de fotografia, o Paris Photo caiu em sua própria armadilha.

 

Ao expandir-se e tornar-se a maior feira de fotografia do mercado, o Paris Photo hoje funciona como um grande centro comercial. Com o custo alto para produção e participação da feira, a pressão e a correria, as galerias não conseguem inovar, nem investir em originalidade. Resultado: vemos muito do mesmo – o que vende – ou obras apenas para chamar a atenção. É obvia a crescente fadiga por parte dos galeristas, artistas que acabam tendo que produzir ao invés de criar, e público.

 

 

Com esse crescente enfoque financeiro nas feiras em geral, ainda temos o efeito “evento”, que tanto importa nos dias de hoje. Esse ano a cantora Patti Smith fez a curadoria da Gagosian (além de apresentar suas próprias imagens) e Karl Lagerfeld foi a figura da feira para comemorar os vips, fazendo tour selecionados e escolhendo dentre as galerias os trabalhos que mais lhe agradava. É sempre assim, de um lado os colecionadores que querem as melhores festas, as salas vips e o champagne, do outro, o público que quer ver os rostos famosos, as roupas da moda, as assinaturas vedetes… E no meio disso tudo, ostentação, futilidade, dinheiro e pouca diversidade e assombro com a arte.

 

Mas a feira Paris Photo 2017 teve algumas pérolas escondidas. As casas de edição estavam originais, e aqui penso na editora mexicana RM e no único stand brasileiro dividido entre as editoras Livraria Madalena e Bazar do Tempo. Fotolivros que eram trabalhos por si só, e não mera ilustração das fotografias. Grandes nomes da fotografia, menos midiáticos, estavam expostos em algumas galerias, como Joel Peter Witkin, Dora Maar ou Georges Rousse. De novidades, eu descobri os retratos e naturezas mortas contemporâneas de Olivier Richon, o caos organizado de Marja Teeuwen, o russo modernista Boris Ignatovich e a retratista Andrea Torres. Afinal, entre galerias asiáticas, latinas, americanas, européias e africanas, as descobertas existem.

 

Marja Teeunew, 2010

 

 

Andreas Torres, The Unknow

 

 

Olivier Richon, 2013
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