Jogo dos sete erros

Paris ou China?

 

 

 

Qual delas é a verdadeira Torre Eiffel?

 

 

Essa é a brincadeira da série Síndrome de Paris (2017), do fotógrafo François Prost, que viajou para Tianducheng, uma réplica ideal de Paris, nos subúrbios da cidade chinesa de Hangzhou. A construtora Sky City desenvolveu essa cidade há dez anos, projetada a 200 km de Shangai, que compreende uma torre eiffel menor do que a original, uma réplica do jardim de Versalhes e 31 quilômetros quadrados de prédios haussmanianos.

 

Apropriação cultural é um conceito bastante interessante, e muito praticado por todos, sobretudo pelos chineses. A série vai além do humor inicial se indagando justamente sobre os significados desta representação chinesa da capital francesa. Nesse caso fica claro como a réplica é desajeitada, acentuando falhas, imperfeições e uma falta de naturalidade características da apropriação cultural. Além disso, mostra o que os chineses admiram do velho continente europeu: seus monumentos históricos, sua arquitetura antiga, enfim todos os detalhes exagerados de antiga história ocidental. Peculiar, visto que a China é um país de enorme história e tradição antiga.

 

A fotografia também pode ser vista como uma réplica estranha e anti-natural. Aliás durante seus primeiros anos muitos intelectuais acreditavam nessa idéia sobre a mídia fotográfica. O paralelo aqui é interessante. Mais do que um simulacro, a cidade de Tianducheng se torna uma nova realidade, com novos parâmetros, novos significados e novas interpretações.

 

Em sua série Síndrome de Paris, assim como na fotografia em si, estamos diante de um mecanismo em direta relação com a realidade mas ao mesmo tempo em conflito. Tanto a réplica de Paris, quanto a mídia fotográfica, são capazes de apresentar-se como um “outro real”, criando uma dualidade com a origem da imagem e atuando – concomitantemente – como igual, similar e rival. Elas perpassam suas referências e ganham novas aberturas.

 

 

*todas as imagens são tiradas do site de François Prost, as da esquerda são na China e as da direita na França.

 

 

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Apropriação e polêmica no universo fotográfico

A incrível história do falso fotógrafo da ONU que estampou todas as redes de notícias esses últimos dias dá pano para muita discussão sobre fotografia e mercado. Eduardo Martins seria um jovem fotógrafo paulista que depois de uma infância difícil se dedicava a fotografia de guerra. Usando as mídias sociais contra elas mesmas, o tal fotógrafo brasileiro foi se criando uma rede de fãs, aumentando sua carreira virtual, ganhando “likes” e comentários de pessoas supostamente importantes virtualmente, chegando a mais de 120 mil seguidores no instagram. Oferecendo suas imagens de graça, divulgou seu “trabalho” fotográfico em sites de notícia como o The Wall Street Journal, a Vice e a BBC Brasil. O problema é que esse trabalho (e sua identidade) era roubado de outros fotógrafos (e modificado para não ser rastreado) e que ninguém até agora reconheceu Eduardo nas zonas de conflito que ele diz ter estado. O personagem Eduardo Martins conseguiu se manter real e ativo por dois anos!

 

Seria Eduardo Martins uma obra de arte em si? Um projeto anti-sistema, que escancara suas fragilidades? Um personagem para questionar as loucuras da divulgação e distribuição precária, pouco exigente e banalizada das fotos jornalísticas? Uma ironia para falarmos de apropriação, plágio e direito autoral na fotografia? Como disse, são muitos os preâmbulos que Eduardo Martins nos abre, por onde começar…

 

“Art is what you can get away with. (Arte é tudo aquilo que você pode se safar)” – Andy Warhol

 

Andy Warhol, Díptico Marilyn, 1962

 

Nas minhas reflexões sempre me interessei sobre apropriação na arte, e Edu Martins me fez pensar em alguns artistas como Richard Prince e Andy Warhol. Richard Prince trabalha justamente com a apropriação de imagens de jornal, publicidade, livros, e agora instagram. Seu trabalho consiste em se apropriar de imagens de outros fotógrafos e dar novos significados. Ele muda um pouco a imagem e a coloca em outro contesto evidenciando questões que perpassam a história da arte e que estão cada vez mais gritantes no mundo contemporâneo virtual.  Prince refotografa, recorta, aumenta, diminui, acrescenta comentários, escaneia…

 

O artista e pintor americano começou seu questionamento sobre apropriação nos anos 70 ao refotografar uma imagem de Sam Bell de um cowboy na propaganda de cigarros Malboro. A reprodução é feita de maneira que o ícone publicitário aparece em tamanho maior ao da campanha original. Nos moldes do nosso falsário Eduardo Martins, Prince usa o próprio sistema, ou seja, a própria linguagem da comunicação de massa como ferramenta contra ela mesma. Ele lida com o crescente interesse nas questões de comunicação e produção em massa, de consumação, de banalização da fotografia, de (re)significação da imagem dependendo de seu meio de apresentação… Porém, diferente de Eduardo Martins, Prince não finge ser o que não é, mesmo que muitas vezes extrapole.

 

Richard Prince, Cowboy, 1975

 

Richard Prince, exposição “Novos Retratos”, Gagosian, NY, 2014

 

Prince não fugiu das redes sociais depois que foi pego em flagrante, e defende seu “roubo” de imagens com veemência. Para ele, a enorme disponibilidade de imagens em circulação no mundo cria uma plataforma cujo resultado criativo se torna patrimônio comum. Na era digital, quando cada momento é capturado em imagem e compartilhado nas redes sociais numa escala global, as experiências são imediatamente visualizadas e consumidas por todos. A percepção do mundo – identidade, gênero, etnia, desejo e sexualidade – é moldada pelas imagens.

 

Mas ser fotógrafo nesse mundo não é fácil. A concorrência com os bancos de imagem é enorme, não existe poderosas agências para defender o interesse dos fotógrafos, suas imagens são compradas por muito pouco quando não são compartilhadas de graça, sem nem uma menção ao nome do artista. Prince já respondeu a alguns processos ao longo de sua carreira, sobretudo porque suas obras vendem bem no mercado de arte. Mas ele ganhou todas elas (mesmo que muitas vezes tenha feito acordos no meio do processo). Afinal, “não seria a vida uma série de imagens que mudam a medida que se repetem”? – Andy Warhol.

 

 

 

 

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