Fotografia e ecologia

(foto de capa de José Roberto Bassul da série “Urbe”)

Não preciso dizer que a situação é caótica, e que as previsões s˜ão as piores possíveis em relação às mudanças climáticas que já estão acontecendo. Já não há jeito de parar com os processos em andamento, mas se fizermos uma mudança radical na nossa consciência há esperança. Temos que correr para diminuir as emissões de gases CO2 na atmosfera (em um curto espaço de tempo), para conseguirmos estabilizar.

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Estamos longe desta meta para a ecologia!

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Fiquei pensando o que nós, curadores, artistas, fotógrafos, críticos, enfim, pessoas da arte e gestores culturais, poderíamos fazer para apoiar essa causa mais do que urgente: necessária para nossa sobrevivência. Porque as previsões, sem as mudanças em andamento, são de outros novos vírus se espalhando, em mutação e nos matando.

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Em setembro de 2021, construiram postumamente a obra de Jeanne Claude e Christo: o empacotamento do “Arc de Triomphe” . Uma obra que tem por base ressignificar os símbolos, a história, mudar nosso olhar e nossas bases. Uma obra que poderia ser um ótimo ponto de partida para um ativismo ecológico e feminista. Mas acabou sendo uma premissa contemporânea que foi levada a cabo como tudo hoje: mais para ser vista e “instagramada” do que para mudar realmente os paradigmas. Como exemplo, o tecido usado para o empacotamento não é reciclado, o valor é estratosférico e o nome da dupla criativa da obra é raramente citada em prol do lado masculino!

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Foto de Benjamin Loyseau, © 2021 Christo and Jeanne-Claude Foundation

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A fotografia e a arte são, em princípio, formas de nos fazer enxergar diferente. De nos mostrar outros parâmetros, outros caminhos possíveis. O escritor, diretor e ativista francês Cyril Dion, em seu filme “Demain” (Amanhã), nos mostra o que hoje diversos grupos ao redor do mundo fazem para construir uma nova narrativa sobre o amanhã. Não mais narrativas de catástrofes mas de mudanças possíveis e felizes. O filme é um sopro de esperança e um apelo à mudança para o bem da ecologia e de nós mesmos.

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Tenho visto muitas exposições preocupadas com esse amanhã. No festival “Rencontres d’Arles” 2021, por exemplo, a exposição “Désidération”, do artista Smith, propunha uma outra mitologia espacial, através do pensamento de uma humanidade interestelar em busca de novas alianças com seu cosmos original. Passando por narrativas artísticas, filosóficas e científicas, o artista discorria sobre uma nostalgia da perda e uma proposta de futuro possível. Como essa exposição, vi várias outras. O tema da ecologia, terra, união humana perpassa os maiores festivais do mundo nesse momento.

SMITH, série Désidération, 2000-2021. Galerie Les Filles du Calvaire.

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O problema é ficarmos no blablá da modinha e não mudarmos realmente nenhuma consciência mais profundamente.

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Termino sem conclusão. Trago essas frases para mim mesma, numa tentativa de auto crítica. E deixo aqui o convite para ouvirem o podcast da Anpof, mais especificamente o que fala sobre o antropoceno e o colapso ecológico com Alyne Costa. Entre várias outras coisas, ela fala desta nossa atual necessidade de nos comunicar, de trocarmos mais entre nós, e nossas diferentes visões de mundo. Não podemos continuar, sem sentido, olhando pro nosso próprio umbigo.

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LA Times, 2020

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Festival Diafragma de Fotografia de Covilhã, Portugal

Commissaire, avec Glaucia Nogueira du Collectif Iandé, dans l’exposition collective “Há uma só Terra” avec 7 photographes brésiliens qui parlent du thème de l’écologie. L’exposition fût présenté à la “Tinturaria” dans le cadre de la programmation du Festival Diafragma de photographie, Covilhã, Portugal. (mai 2021)

Curator along side Gláucia Nogueira from Collectif Iandé in the collective exhibition about ecology, “Há uma só Terra”, with 7 brazilian photographers. The exhibition was shown at “Tinturaria” during the Diafragma Festival, Covilhã, Portugal. (may 2021)

Texto de apresentação do projeto:

Com a curadoria de Glaucia Nogueira, fundadora do Iandé, e Ioana Mello, colaboradora da associação, a participação do Iandé nesta primeira edição do Festival Diafragma soa como um brado de consciência. Podemos fechar os olhos para as estatísticas, as probabilidades e os prognósticos, mas é impossível ignorar a escritura fotográfica das catástrofes da contemporaneidade. A expropriação sem limites, seja do homem pelo homem ou da paisagem, acaba transformando nossas riquezas naturais em nossa maior pobreza.

Nos trabalhos dos sete fotógrafos propostos para o festival, buscamos a urgência de se reinventar uma outra maneira de existir nesta terra. Felipe Fittipaldi, Isis Medeiros, José Diniz, Júlia Pontés, Mateus Gomes, Moara Tupinambá e Paula Pedrosa nos mostram narrativas de ruptura, dominação, solidão e resistência. Um olhar sobre o território e sua ocupação que nos evoca uma imensa vontade de sobrevivência. Aqui a fotografia cumpre também seu papel de manter viva a memória. Pois sem memória há apenas a repetição cega de histórias de desamparo. O que queremos, através desta exposição, é inspirar o desejo de reconexão com essa terra única, mãe da nossa ancestralidade.

Artists and participants of the Festival (Photo Rui Campos)
José Diniz

Host of a long talk about artist photography Book with brazilian artist José Diniz and portuguese artist Susana Paiva.

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As imensas possibilidades de inovação do Arselectronica

Arselectronica é um enorme centro fundado em 1979 na Áustria que trabalha criando e explorando as interações entre arte, tecnologia e inovação. Na verdade, Arselectronica é muito mais do que um centro, é uma multiplicidade de coisas:

  • é um museu em Linz, aberto o ano todo;
  • é um festival que acontece um vez por ano e que esse ano aconteceu neste segundo fim de semana de setembro 2018;
  • é um laboratório interdisciplinar para pensar projetos futuristas que trazem novas relações entre arte, sociedade e tecnologia;
  • é um prêmio que valoriza a arte digital.

 

Esse último fim de semana, aconteceu o festival anual do Arselectronica. Esse ano o tema foi “Erro – a arte da imperfeição” e reuniu artistas, cientistas, engenheiros, designers, ativistas, empreendedores, futuristas. Todos juntos para pensar as atuais interdependências tecnológicas, artísticas e sociais e suas possíveis manifestações futuras.

 

 

Em que momento um erro se torna uma anomalia, uma falha e o que o torna uma célebre fonte de idéias e invenções sem precedentes?

O festival se abriu em enormes e importantes discussões:

  • sobre as derivações do mundo digital, as decepções causadas por vários caminhos tomados contra a privacidade e a democracia individual e global;
  • sobre a nossa sociedade ávida por perfeição a todo custo e rapidamente (e como essa obsessão é limitadora);
  • sobre ecologia, ciência, medicina e nossos erros;
  • sobre a importância da imperfeição que nos ensina a superação, a resiliência, a criatividade e o potencial de explorar novos caminhos.

 

Com uma intensa programação o festival contou com inúmeros eventos: exposições e projeções, palestras e mesas-redondas, shows e performances. Teve ainda, animações, visitas guiadas, áreas de interação que iam desde projetos a serem feitos juntos a mesas de costura para uma pausa. A minha parte favorita do festival é a área “U19 – Criando o Mundo”, com projetos de jovens de no máximo 19 anos! Alguns exemplos de trabalhos expostos nesse espaço:

  • bug-TV: uma menina que criou um teatro performance para pensar e discutir a TV do futuro;
  • Movingshapes: um grupo de jovens que desenvolveu uma instalação digital que transforma os movimentos do corpo em arte digital.

 

Movingshapes

 

Outro momento interessante foi o show de dança e música com robôs. Aliás, como sempre, a robótica, a inteligência artificial e a realidade virtual estavam presentes ao longo de todo o festival e nos mais diferentes projetos, incluindo os que lidavam com ecologia e natureza. Interessante também notar as inúmeras colaborações, entre escolas e faculdades de diferentes países, entre iniciativa privada e pública, entre seres humanos de diferentes áreas e culturas.

 

Termino o festival, e o post, com uma sensação boa ao ver esses projetos todos que ressaltam a empatia, a curiosidade, a vontade de (re)aprender e a esperança no futuro. E uma sensação que essas oportunidades de crescimento, e desenvolvimento, só são possíveis com vontade política de investimento público e diálogo.

 

 

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Uma arte latino americana que perpassa a fotografia e a ecologia

Nicolas Garcia Uriburu é um arquiteto, ecologista e artista argentino que trabalha com performance, arte conceitual e land art. Foi um dos primeiros a usar a arte como meio de chamar a atenção para a ecologia e os problemas naturais que vivemos.

 

Em 1968, muito antes de falarmos sobre as questões ecológicas, Uriburu pintou o Grande Canal de Veneza na época de sua bienal. Mas como assim pintou um canal de Veneza? Então, em protesto contra a poluição das águas, ele usou uma substância química chamada fluoresceína para tingir de um verde artificial as águas da grande cidade da arte contemporânea. A fluoresceína é usada pela NASA para localização de artefatos e pelos oftalmologistas como ferramenta de diagnóstico. Como uma fotografia colorida, seu processo químico no canal revelava para todos problemas ecológicos de ordem mundial.

 

Gostaria de sugerir expandirmos os limites da fotografia e pensarmos que os gestos de Uriburu, em colorir a água, têm uma enorme ligação com a fotografia e seus fundamentos. Suas colorações em defesa do mundo natural oferecem diferentes percepções para o mundo fotográfico. A transformação da fluoresceína se relaciona com a transformação química do quarto escuro para criar um efeito visual. Existe um momento, assim como na captação da máquina fotográfica e da química dos sais de prata, onde a mão do artista não tem controle.

 

 

 

 

Hidrocomias, 1970

 

Depois de Veneza Uriburu tingiu pelo mundo: Nova Iorque, a Riviera Francesa em Nice, o Sena em Paris, o Reno na Alemanha, os chafarizes do Louvre e do Trafalgar Square e do Hara Museu de Tóquio, entre outros. Foi aclamado por muitos pois abriu uma discussão antes do seu tempo participando inclusive de atos com a ONG Greenpeace. Falece em Buenos Aires em 2016.

 

Para retratar o seu trabalho fugidio e manter um registro, primeiramente, as imagens das colorações são feitas de maneira documental. Transcrições imagéticas de seus gestos que mostram o artista e sua ação. Aos poucos Uriburu desenvolve suas tinturas e com isso as imagens que seguem esses atos. São imagens que irão perpassar apenas o documento e trabalhar também o intuito do artista, seus conceitos, e filosofia política e vontade ecológica inseridos na efemeridade de seu trabalho.

 

Nos anos 70, ele cria as Hidrocomias (neologismo de coloração aquática), mesclando fotografia e pastel para realçar as colorações e dar um tom mais estético. Em 1973, novos desenvolvimentos, ele cria em silkscreen o Portfolio Manifesto, uma combinação de mapas e imagens transformados e inseridos no que para ele é a essência das colorações: arte e natureza. Num determinado momento, ele também se colore: pênis, cabelos e pele. Uriburu durante sua carreira transita pela fotografia documental, de paisagem, chegando no retrato. Uma espécie de microcosmo da história da fotografia.

 

Hidrocromia, 1970

 

A arte não tem mais lugar fora da natureza. Seu lugar é na natureza.” Manifesto, 1973 – Nicolas Uriburu

 

 

Uriburu questiona questões clássicas da fotografia: profundidade de campo, ponto de vista, tempo, realidade. Ele trabalha um novo tipo de fotografia, sem camera, que engloba os debates éticos, técnicos e históricos da mídia e os relaciona poderosamente com a vida e questão crucial do futuro: a ecologia.

 

 

 

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