Retratos na capital brasileira

O photolimits viajou e tem uma ótima dica de exposição em Brasília, na linda galeria Athos Bulcão: Diego Bresani. Por influência da mãe e do irmão fotógrafos, Bresani sempre esteve em contato com a imagem, depois estudou artes cênicas e passou uma temporada em NY se aprofundando,  hoje é um dos grandes retratistas de Brasília.

 

Na sua atual exposição na capital, Bresani montou um panorama de seu trabalho escolhendo imagens dos últimos 10 anos de carreira. A mostra “Respiro – Retratos 1” reúne mais de 200 imagens de variados tamanhos, coloridas e P&B, em diversas partes do mundo, de anônimos, amigos e personalidades. A montagem se aproveita do espaço da galeria e numa dança estética interessante as fotografias conversam entre si, ganhando novos e diferentes significados nesse diálogo. Caindo do teto, amontoadas em bloco, sozinhas em um canto, apoiadas no chão, vários são os recursos que nos surpreendem e nos aproximam dos personagens de Bresani. Nós, público, também entramos na dança e conversamos com as imagens.

 

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O retrato sempre esteve muito ligado com a história da fotografia: as imagens de expedições dos povos do novo mundo, o desenvolvimento da fotografia policial (sobretudo os estudos criminalistas de Cesare Lombroso), depois os cartões de visita e os álbuns de família do século 19, até os atuais selfies na internet. E esse universo do retrato na fotografia sempre brincou com as aparências, poses e verossimilhança. Os cartões de visita do século 19, por exemplo, buscavam uma ligação com uma posição social privilegiada ao qual não pertenciam, através das roupas escolhidas a dedo, cenários e acessórios de estúdio. Os selfies de hoje não fogem muito dessa premissa.

 

Minha pesquisa atual constitui uma experimentação com as fronteiras entre a fotografia documental e a encenação. – Diego Bresani

 

O retrato sempre esteve nesse limite, entre o genuíno e a representação. Mesmo os retratos de identidade, ou científicos, também encenam só que de maneira oposto, numa extrema falta de acessórios, levando também a uma perda de autenticidade.

 

Existira um retrato verdadeiramente autêntico? Ou essa seria a eterna busca?

 

Uma das grandes forças do retrato, ou pelo menos, uma das causas de nossa grande fascinação, é a conexão com a pessoa fotografada. Não temos uma paisagem, ou um detalhe, temos o olhar do outro diante de nós. Quanto mistério no retrato!

 

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O retratado quer mostrar sua personalidade e o retratista quer revelar mais do que a  simples foto de uma pessoa, ele quer a essência do retratado: uma imagem que desvelaria a personalidade do modelo e que o aproximaria do público. E o público quer olhar a fotografia e descobrir os segredos da pessoa fotografada. Mas existe uma relação entre fotografado, retratista e público que depassa o que todos inicialmente imaginavam. Não sei se realmente enxergamos a alma do fotografado, ou mesmo a nossa quando nos vemos em uma foto. Entre a imaginação do espectador, a temporalidade da fotografia, a bi-dimensionalidade do papel, a alma do retrato se perde numa representação artificial do real.

 

A encenação do retrato seria justamente uma forma de explicitar essa artificialidade inerente da mídia. Diego Bresani  muitas vezes esconde as pessoas fotografadas, as mostra no escuro ou de costas, experimentando com a teatralidade. Com isso, nossa interpretação cai mais para o estético, ou para uma dança de experiências e histórias, que no fim das conta, nos retira de uma fixação com a identidade. Um distanciamento é produzido nessa encenação que nos leva a experimentar outros significados para além de uma mera leitura da personalidade do outro. Não importa mais se a alma do retratado foi revelada na imagem. O retrato começa a falar mais de nós e do mundo e menos do modelo.

 

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Até 16 de outubro, na Galeria Athos Bulcão. Visitação de segunda a sábado, das 12h às 19h; domingo, das 12h às 17h. Entrada franca.

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Alguns pontos de uma longa discussão sobre a teatralidade na fotografia

Henry Cartier-Bresson falava do “instante decisivo” na fotografia. Esse instante seria a captura de um momento único no mundo sempre em movimento (ótima idéia para um futuro post pois poderíamos discorrer um bom tempo sobre isso). Diferente de um momento que aconteceu diante da câmera, a teatralidade na fotografia traz o conceito de uma maior construção da imagem.

 

Quando falo de teatralidade na imagem, penso em encenação e performance. Em uma imagem ligada ao teatro. Como a imagem de Marcel Duchamp travestido em Rose Sélavy feita por Man Ray em 1920.

 

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Mas em que sentido ligada ao teatro? A arte do teatro pode ser exemplificada como uma interpretação de uma história para uma plateia, com capacidade de iludir e criar simulacros. O espectador sabe que está vendo algo falso mas é envolvido e se deixa enganar. Como de uma certa maneira também acontece no cinema e na televisão. O fotógrafo Jeff Wall diz que o cinema é extremamente poderoso em iludir o espectador, é um meio sonâmbulo dele se aproximar da utopia.

 

O teórico modernista Michael Fried, ao criticar as obras minimalistas, protesta contra o que ele chama de teatralidade das obras, pois, para ele, os minimalistas transformavam o observar da obra em um espetáculo onde tudo já era dado e desvendado previamente. Ele defende uma imagem desprovida de artifícios.

 

Imagens rebuscadas, cores vivas ou detalhes teatrais apelativos, esses artifícios da imagem teatral seriam capaz de envolver o olhar do espectador numa mentira, num jogo onde a ilusão vira realidade. Mais do que isso, a encenação substitui o real, levando o espectador ao engano no espaço da vida (social, político…).

 

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Inserido em uma história da arte, alguns fotógrafos, segundo Fried, escapam da teatralidade nefasta e dialogam com as problemáticas do simulacro (cinematográfico, no caso). Artistas como Hiroshi Sugimoto, Cindy Sherman e Jeff Wall. Sherman, por exemplo, imita as fotografias stills do cinema com um grande cuidado em manter uma total neutralidade. Ela não quer retratar emoções fortes, como normalmente vemos em fotos de bastidores de filmagens. Ela imita os stills na técnica e nas cenas que ela reproduz, porém faz questão de resistir ao teatral mantendo grandes distâncias do objeto, ou fazendo um enquadramento de perfil. Sempre há uma atenção de sua parte de não explicitar uma comunicação entre o público e o objeto, de manter uma distância e de sobretudo não dramatizar.

 

Sugimoto, em sua série “Theaters”, quebra com a ilusão, pois retira de seus cinemas, além do próprio filme, os espectadores, e de seus drive – in os carros. Ele desmistifica o cinema, retira toda dramaticidade e teatralidade e deixa o espectador da fotografia livre para poder entrar no seu cinema e olhar consciente e criticamente esses templos de ilusão.

 

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Mas podemos defender que uma obra de arte é teatral por excelência porque terá sempre uma relação com o espectador, a obra não existe sem o olhar (alguns filósofos defendem que sim, que a obra existe por si só). Assim, a teatralidade se daria na fotografia quando essa seduz o espectador numa experiência espaço-temporal, confundindo-se com o real, apelando para vários sentidos do espectador e transformando-o.

 

Como mostra Catarina Vaz em sua dissertação de mestrado, a teatralidade pode ser pensada bem mais positivamente que Michael Fried supõe. Pois seria “a capacidade de absorver o espectador através de um jogo, criando duplos, que o faz transgredir e anular-se para se colocar na obra”. A obra, em sua teatralidade, comove, mexe, transforma o espectador. Estabelece um jogo com os sentidos criando comunicação.

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