Tadao Ando e sua arquitetura de luz e sombra

 

Tadao Ando é um arquiteto japonês que nasceu em 1941 em Osaka. Primeiramente boxeador profissional, Tadao só começou a se interessar e aprender sobre arquitetura depois de seus 20 anos. E o fez de forma autodidata. Para ajudar na sua formação, ele rodou o mundo, passando pelos Estados Unidos, Europa e África. Copiava construções modernistas e observava as necessidades e tendências de cada cultura. Em 1969 ele fundou sua própria agência, em Osaka, chamada Tadao Ando Architect & Associates. A partir de então, Ando não parou mais, assinando mais de 300 projetos em 50 anos de carreira. Além disso, recebeu inúmeros prêmios internacionais, incluindo o Prêmio Pritzker de Arquitetura, o Carlsberg, o Premium Imperiale e o de Kyoto.

 

Uma grande exposição sobre o arquiteto está em cartaz neste momento no Centre Pompidou de Paris até o fim do ano. Temos maquetes e desenhos feitos por Tadao, vídeos e instalações de suas construções e também algumas de suas imagens. Pois Tadao também fotografa suas construções. Ligado a um discurso poético da arquitetura, Tadao brinca muito em seus prédios com a relação luz e sombra. Como na mídia fotográfica. Utilizando a luz natural vinda da natureza ao redor, ele desenvolve um estilo particular com misturas entre o contemporâneo, o moderno e o estilo zen japonês.

 

Richard Pare, Igreja da Luz

Uma de suas obras mais conhecidas é a Igreja da Luz em Ibaraki, Osaka. Aqui, como sempre, ele utiliza criativamente a luz natural e suas possibilidades, inspirado pelas formas naturais do ambiente. Pois para ele não existe a possibilidade de conformar a luz ao espaço construído de um edifício. E com o concreto, ele modela a luz a seu bel prazer. E ao nosso. 

 

Por definição, toda experiência da Igreja da Luz é única. É, muito mais que um objeto, é a soma de experiências que formam a arquitetura. – Frederic Migayrou.

 

Sua igreja de luz é uma caixa de concreto que se concentra sobre uma grande cruz que ele cavou por todo o caminho da parede do altar. É a única abertura para o lado de fora. Como uma câmera obscura, é a sua entrada de luz. A fotografia, desde o tempo das lanternas mágicas passando pela câmera obscura, utiliza um aparelho que aproxima o científico do mágico ao introduzir luz na escuridão. O homem tenta eternamente iluminar a escuridão, desde o mito da caverna de Platão, numa tentativa de talvez superar as restrições do tempo, do espaço, da memória e até mesmo da morte. Como dizia Roland Barthes, “(…) a Fotografia tem alguma coisa a ver com a ressurreição”. Ao trabalhar com a luz como essência, o impulso fotográfico estreita sua ligação com o sagrado.

 

É uma boa metáfora para a cruz de Tadao Ando em sua igreja da Luz. Pois, trabalhando com a luz e sombra, conceitos da sua arquitetura e da fotografia, num ambiente religioso, nosso arquiteto reforça a ligação da luz com o sagrado.

 

Tadao Ando, Museu de arte de Hyogo

 

 O fotógrafo inglês Richard Pare seguiu durante 10 anos o arquiteto, transpondo em imagens o jogo de luz e sombra dos prédios de Tadao Ando. Ao longo do dia, das estações, das emoções pessoais de cada um, a luz evolui e se transforma. Produziram inclusive um livro juntos: “Tadao Ando: as cores da luz“. As imagens de Pare mostram bem as formas que a luz molda pelo espaço.

 

Exposição Richard Pare, Canadian Art Center, 2016
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Gordon Matta-Clark, arquitetura e fotografia

Paris está com uma bela exposição do artista Gordon Matta-Clark no Jeu de Paume até dia 23 de setembro de 2018. Matta-Clark foi um artista intenso que fez muita coisa em seu pouco tempo de vida (morreu de cancer aos 35 anos). De sua faculdade de arquitetura, ele levou para sua prática artística todos seus questionamentos de espaço urbano, e suas relações ao humano.

 

Suas origens e seus questionamentos

 

Gordon Matta-Clark, Porões de Paris, 1977

Filho do pintor surrealista chileno, Roberto Matta, Gordon Matta-Clark cresceu na Nova Iorque dos anos 70, quando a cidade passava por inúmeras transformações. Suas imagens são um tanto documentais retratando o abandono de áreas como o Bronx, Walls (1972), e as pichações dos muros americanos, Graffiti (1972-73). Mas ele não faz mero registros, suas fotografias tem um olhar estético apurado e um discurso de denúncia. Matta-Clark está sempre pensando a cidade: suas relíquias e suas ruínas interligadas as suas relações e divergências com os habitantes. Ele quer discutir as aproximações entre história e construção, sociedade e inclusão. É a partir dessas questões que nasce o coletivo Anarquitetura, em conjunto com outros 7 artistas. Eles visavam subverter a arquitetura tradicional e pensar ideias novas de aproveitamento urbano e humano.

 

Gordon Matta-Clark, Walls, 1972

 

Isso é o que temos para oferecer a você na sua melhor forma: confusão guiada por um claro senso de propósito. – Gordon Matta-Clark

 

Em 1977, em Paris, ele cria a série Porões de Paris. Essa obra trabalha com camadas expostas fotográficas e arquitetônicas tentado reunir os diferentes conceitos que perpassam a cidade: suas bases históricas, culturais e ocultas. Indo mais além nessa ideia, Matta-Clark interfere nos prédios e construções. Sua obra Interseção Cônica (1975) é uma abertura em um prédio parisiense que será demolido para revitalização da área do Marais. É uma ação diretamente na arquitetura do prédio e do bairro, de proporções gigantes, que agride e provoca o espectador. É uma fissura entre o passado do prédio e o futuro do antigo bairro, com a construção do Museu de arte contemporânea George Pompidou. É uma conexão entre familiar e político, interno e externo, ruína e relíquia. É também um pensar as relações entre habitantes e população local e melhorias práticas. São inúmeras camadas relacionais que Matta-Clark faz com suas colagens. Mas essas colagens podem não passar de um gesto ou uma imagem.

 

Gordon Matta-Clark, Conical Intersect, 1975, Paris.

 

Gordon Matta-Clark, Conical Intersect, 1975, Paris.

 

 

Alguns paralelos

 

Muitos fotógrafos pensaram e tentaram traduzir em imagem as muitas relações da cidade e seus entornos. No Brasil mesmo, temos alguns fotógrafos contemporâneos que a sua maneira reagem, com imagens, ao caótico da vida urbana. Pela semelhança com a estética de Gordon, fiquei pensando no fotógrafo Bruno Veiga. Já comentamos dele aqui no blog, mas ainda há muito a se falar. Fica para um próximo post!

 

Bruno Veiga, Flashgordon

 

 

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Óleo, fotografia e artes plásticas

O artista norueguês Per Barclay trabalha experimentando com fotografia e instalações. Suas instalações são pensadas como infinitas possibilidades imagéticas. Desde 1989, ele trabalha em torno de sua obra denominada “espaços de óleo” que consiste em surfaces planas de um líquido espalhado no chão de ambientes fechados. Na maioria das vezes o líquido utilizado é óleo preto, mas ele também já usou vinho, leite, sangue e água. A instalação é pensada em parceria com a fotografia, como um meio de confrontar o espaço através de outros pontos de vista.

 

Per Barclay, Hospital Matarazzo, SP, 2014

 

Barclay gosta de brincar com o espaço e o tempo. Suas instalações, e as fotografias decorrentes, não possuem parâmetros: seus pontos de vistas feitos através do reflexo do líquido transformam o lugar. O ambiente se inverte, o solo preto infinito absorve vertiginosamente o espaço ao seu redor e o espectador acaba sendo sugado. A instalação se funde aos contornos arquitetônicos e naturais, transformando-o e ao mesmo tempo sendo transformada. E é através da imagem fotográfica que muitas dessas novas relações são reveladas.

 

Per Barclay, Velha casa de barco, Noruega

 

O tempo é irreal e o espaço atemporal.

 

Seu trabalho lida com tensões internas derivadas dos contrastes que ele põe em jogo: reflexo e real, arquitetura e vazio, espaço fechado concreto e superfície líquida, negativo e positivo, ficção e realidade, equilíbrio e descontrole, abismo e planície. E os resultados mexem com nossas referências. Entramos através do espelho, e como Alice atravessamos ao outro lado da realidade, mais misteriosa e transformadora.

 

Per Barclay, CCC Tours, 2017
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David Hockney e a fotografia

O artista inglês David Hockney comemora seus 80 anos esse ano e vários museus pelo mundo estão celebrando sua vida e sua obra, incluindo o Pompidou em Paris que produziu uma retrospectiva com 160 obras, incluindo suas séries fotográficas.

Hockney sempre se interessou pela tecnologia da imagem, através da câmera fotográfica, celular, ipad e afins, ele experimenta inúmeros caminhos pelo universo visual que tanto o fascina. Como tema, ele se interessa pelo cotidiano e o simples – familiares, amantes, colecionadores, paisagens ao redor, objetos da casa – sem hesitar em homenagear, brincar e pegar emprestado estilos como o cubismo, o fauvismo, e elementos de artistas que ele admira como Matisse, Bacon, Picasso… Hockney desenvolve seu trabalho num estreito diálogo entre tecnologia, técnica, pintura e história da arte.

 

Eu acho que a fotografia também nos causou alguns danos. Nos fez ver tudo de uma maneira similarmente chata. Vivemos numa época em que um vasto número de imagens produzidas não se proclamam arte. Elas declaram algo muito mais dúbio. Elas se declaram reais.  – David Hockney

 

 

Nos anos 70, ele começa sua série fotográfica de colagem chamada joiners (marceneiros), primeiro usando impressões de polaroid e depois negativo 35 mm, chegando até impressões a cores comerciais. Usando várias impressões de fotos de diferentes ângulos e momentos de um único assunto, Hockney organiza uma colcha de retalhos para criar uma única imagem final. 

 

Se distanciando da perspectiva clássica induzida pelo olhar da câmera, Hockney experimenta com outras visões espaciais e temporais, dialogando com o movimento, com os diferentes pontos de vistas do cubismo e com a filosofia bergsoniana. A fotografia ganha uma dimensão mais alargada, se expande de tal forma que permite ao espectador uma percepção de uma realidade múltipla que nos é apresentada como resultante de diversos instantes. Cada pequena imagem que compõe o joiner surge um novo olhar, uma nova realidade.

Como dizia o filósofo francês Henry Bergson, nós não apreendemos a vida de maneira sucessiva e instantânea, mas ao contrário, em fluxo contínuo.  Com suas inúmeras imagens que compõe uma imagem única, Hockney torna o tempo visível, ou seja, ele mostra ao espectador as mudanças, o fluxo do tempo. Ele nos tira da sucessão de instantes cortados, para com a profusão deles, nos colocar dentro de diferentes momentos de espaço e tempo. Nossa percepção clássica do espaço exterior é quebrada e o movimento de seus joiners nos envolve com o movimento dos elementos em cena, incluindo tempo e espaço. 

 

E aqui estamos dialogando com a fotografia e não com o cinema, pois o referente se coloca diante da câmera, sem atravessa-la. E em cada imagem, nossa visão é forçada a perceber cada detalhe, num movimento de acumulação contínua da totalidade do tempo, desvendando o que Bergson chamava de duração.

 

 

*a exposição David Hockney – une retrospective fica em cartaz no Centre Pompidou em Paris até dia 23 de outubro de 2017.

 

 

 

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Fotografia, escultura e espaço

Falamos, um pouco, no post da semana passada sobre os diálogos entre pintura e fotografia. http://photolimits.com/uncategorized/man-ray-fotografia-e-inconsciente/

Mas entre fotografia e escultura, será que também existiria uma troca? Entre a bi-dimensionalidade de uma linguagem e a tri-dimensionalidade da outra talvez as diferenças sejam mais óbvias que as similitudes e seja difícil pensarmos em algum tipo de relação entre as duas.

 

A fotografia ainda é uma mídia recente, diferente da pintura ou da escultura, ela está em pleno processo de desenvolvimento e repleta de brechas para inovações e descobertas. A ideia primordial que temos da fotografia se resume a sua proximidade e semelhança com a realidade. Mas há tantos caminhos para alargar as investigações fotográficas.

 

A escultura é uma linguagem bem mais antiga. Ao longo de sua história, culminando no século XX, com os minimalistas, a performance, o land art, entre outros movimentos, se dá uma reconfiguração da linguagem escultural, produzindo um novo significado que traz a obra para a sociedade e reflete sobre uma nova noção de espaço vivido. A fotografia colabora nessa revisão dos parâmetros estéticos da escultura de uma nova interpretação do espaço.

 

Existe entre a fotografia e a escultura silenciosas cumplicidades.

 

Muitos artistas dão à fotografia um corpo escultural. São obras fotográficas destinadas a serem esculturas, elas não existem como objetos bidimensionais. Com isso o artista, independente de seu objetivo particular, extrapola os limites do meio fotográfico e invade o espaço e o tempo presente. A fotografia, plana, tirada em um momento preciso na linha do tempo, invade duplamente o presente: no seu ambiente e no seu instante atual. No Rio, o artista Marcelo Macedo deu volume as suas imagens garimpadas em feiras de antiguidades, na exposição “Travessia” no Sérgio Porto, Rio de Janeiro (até 17 de julho de 2016) – http://www.fotorio.fot.br/pt_br/2016/exposicao/1868/travessia .

 

Outro canal para esse diálogo se dá na outra direção do que falamos acima, a escultura que fica plana. Um bom exemplo é o fotógrafo francês George Rousse que trabalha o lugar arquitetônico, recorta planos no espaço, brinca com os enquadramentos do olhar. Suas esculturas são na realidade fotografias, destinadas a serem imagem, elas não existem como objetos tridimensionais.

 

1868.1789.g Georges Rousse14

 

O fotógrafo Hiroshi Sugimoto também fala dessa ligação entre as duas linguagens na montagem da exposição. Ele trabalha com a fotografia bidimensional. Ao montar a exposição no ambiente da galeria ou do museu, ele transforma suas fotografias bidimensionais em um espaço escultural tri-dimensional, “em toda exposição que faço, tento montar o espaço. É muito importante. É como se fosse um espaço escultura”, diz ele. Em 2004, na galeria Yoshii em NY, ele montou seus Dioramas em um quarto escuro. Cada foto foi instalada individualmente dentro de uma caixa preta contendo a sua própria fonte de luz. O público tinha que se deslocar de imagem em imagem e olhar através de uma abertura na parede. As imagens fotográficas bi-dimensionais se transformam em verdadeiras réplicas e maquetes tri-dimensionais, lembrando uma escultura e questionando nossa percepção da realidade e nossa idéia de real.

 

106, 4/16/05, 9:19 AM, 16G, 4156x5268 (180+336), 75%, Hujar 91604, 1/120 s, R72.7, G57.1, B79.7

 

Com apenas alguns pontos pensados para esse pequeno post, evidenciamos um claro diálogo entre essas linguagens. Diálogo esse que permite novas possibilidades de representação do espaço e de libertação da materialidade da obra.

 

Vale conferir, para quem estiver em Paris, a exposição “Entre Sculpture et Photographie” no museu Rodin até dia 17 de julho de 2016.

http://www.musee-rodin.fr/fr/exposition/exposition/entre-sculpture-et-photographie

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