A fotografia sempre discutiu os limites entre realidade vs ficção / verdade vs mentira. Com a sua proximidade ao objeto fotografado, a fotografia carregou durante muito tempo, e carrega ainda hoje, a fama de ser a mídia que registra o real.
Nos anos 70 e 80, muitos artistas problematizaram a representação realística da fotografia. A fotógrafa Cindy Sherman, por exemplo, nunca se contentou, em todo seu trabalho fotográfico, com a experiência direta da realidade mas com uma projeção dessa realidade. Sua obra está inserida em um mundo feito de imagens que remetem a outras imagens. Ela não quer representar o real, mas discuti-lo e reinventa-lo. Diferente da fotógrafa Diane Arbus, por exemplo, que trabalhava a foto com um viés muito mais analista e arquivista, como uma ponte entre o sujeito e o objeto.
Hoje, o debate entre real e falso está ultrapassado, nossa contemporaneidade discute o “mentir bem” e o “mentir mal”. Joan Fontcuberta é um fotógrafo, curador, escritor, teórico e ativista espanhol que trabalha os conceitos da imagem, numa tentativa menos de descrever o mundo e mais de critica-lo e repensa-lo. Fontcuberta está ciente do poder das imagens e de como elas são usadas como um instrumento de poder. Por isso, ressalta a importância da discussão e da educação visual.
A idéia é desafiar as disciplinas que se proclamam representantes do real – a botânica, a topologia, qualquer discurso científico, assim como a mídia, até a religião. Escolhi a fotografia porque era uma metáfora do poder. – Joan Fontcuberta
Assim como Cindy Sherman, Fontcuberta simula e joga com a suposta realidade fotográfica. Num movimento jocoso, que lembra a performance, ele simula realidades que dialogam com a falsidade da fotografia como reflexo da verdade externa. Em sua série Sputnik, ele trabalha a verdade da documentação histórica, e mostra imagens da missão do astronauta Ivan Istochinikov. Ivan foi um dos primeiros cosmonautas soviéticos; ele desapereceu porque seu voo Soyuz 2 foi um fracasso para as autoridades da época (1968). Nas imagens de Fontcuberta, o soviético aparece com seus colegas, em treinamento, prestes a entrar na cápsula, e o artista se pergunta porque o astronauta sumiu, como e quando? Contudo, o Ivan Istochinikov da série é na verdade o próprio Fontcuberta, que em um trabalho de fotomontagem coloca seu rosto nessas situações. Mais ainda, Ivan Istochinikov é a tradução russa de Joan Fontcuberta.
Mas porque a brincadeira? Para evidenciar a falsidade da mídia, e como somos enganados facilmente. Queremos acreditar. Acreditar é mais confortável do que desacreditar que implica em esforço e confronto. Recebemos passivamente as informações dos meios de comunicação e da internet porque não queremos gastar a enorme energia necessária para sermos céticos. A fotografia não é inocente, constrói realidades e discursos. Mas a realidade não existe sem nossa experiência.
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