Um olhar para além da família

Retratos de família sempre foram um grande tópico na fotografia, ao longo de sua história. Guardamos com eles memórias de nossa infância, de nossos antepassados, das datas felizes que dividimos com pessoas queridas… Mas o que faz um álbum de família impresso no computador ser diferente de imagens de família expostas em museus e galerias? As vezes pouca coisa…

 

Não estou aqui para fazer juízo de valor. De jeito nenhum! Outro dia vi uma entrevista do fotógrafo brasileiro César Barreto na série fotográfica No Olhar muito interessante. Ele dizia que raramente víamos um virtuoso da fotografia, como Mozart foi na música, por exemplo. Porque para ser um bom fotógrafo precisamos construir uma visão de mundo, um discurso em torno da nossa experiência, e isso exige tempo e vivência.

 

Alain Laboile

 

É preciso observar, discutir, tentar e (re)tentar, aprender e (re)aprender.

 

É preciso se emaranhar no objeto, no contexto, na ideia. É preciso ir além do mostrar ou apenas representar. A fotografia vai muito além, ela comunica. Álbuns de família guardados na estante (ou no computador) cumprem uma função maravilhosa. Mas o fotógrafo nesse caso apenas documenta um evento familiar. Ele não fotografa uma visão de mundo, mas apenas uma passagem de tempo.

 

Alain Laboile, um fotógrafo francês, fotografa sua família no interior da França. Pai de 6 filhos, Alain tem muito assunto para retratar. O que vemos em suas imagens é uma presença do seu olhar dentro da imagem. Ele vai além do documento, tirando fotos universais e atemporais sobre uma família. Temas como o crescimento e a infância, são fotografados de forma livre e sincera. Suas reflexões ultrapassam as imagens e se comunicam com todos – objeto, espectador e fotógrafo – questionando liberdade, nudez, ser, amadurecer… A imagem não é mais de uma família francesa, mas de um ser humano, como eu e você. Com seus medos, desafios e sorrisos.

 

 

 

 

 

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A família brasileira ao longo dos anos

Estreou semana passada na galeria BNDES, no Rio, a exposição “Retratos da família Brasileira” de 1850 a 1960. São fotos antigas, preciosas pela história que carregam da nossa cultura e muito interessantes de observar. Cópias, em grande maioria originais, do curador José Inácio Parente, narram a história da fotografia no Brasil e dão uma boa mostra da nossa tradicional família brasileira.

Mas o marcante mesmo é como a organização familiar mudou tanto desde 1850! E o que não falta são motivos históricos: os avanços tecnológicos que possibilitaram uma família sem a necessidade do coito, o advento da pílula, a emancipação da mulher no século 20, as mudanças econômicas desde a Revolução Industrial, o aumento da urbanização, o advento da psicanálise…. Enfim, o que é certo é que a família hoje mudou, e muito. Mas e a representação imagética da família, mudou?

 

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 Imagem da exposição “Retratos da família Brasileira”

 

Hoje não se pode mais julgar se as pessoas são da mesma família só porque se parecem ou não. De repente, um cara japonês e uma mulher loura podem ter um filho negro. (“Nomes do amor”)

 

Pensando nesse enorme tabu que ainda existe diante das novas organizações familiares, a fotógrafa Simone Rodrigues lançou o livro “Nomes do amor – o amor que ousa dizer seu nome”. São retratos e depoimentos de casais LGBT que tem uma relação estável de mais de 2 anos. Alguns adotaram filhos, outros não; não importa, o que importa é que todos formam uma família.

 

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Weykman e Rogério, Anna Cláudia, Juliana, Luiz Fernando, Maria Vitória

 

Entrando na sala de estar dessas famílias, o leitor percebe que não existe nenhum fantasma escondido embaixo do sofá. Muito menos plumas e paetês. As fotos e histórias do livro desmitificam a imagem caricatural e errônea que muitas pessoas ainda tem da família composta por pessoas do mesmo sexo. Dialogando com a história da fotografia clássica de família – aquela da exposição em cartaz no BNDES – as famílias posam diante de uma antiga camera analógica hasselblad. O que vemos é uma outra representação da família brasileira, mas que no fundo nem é tão diferente assim. São imagens de casas, salas, sorrisos, crianças e pais comuns, simples e realistas.

 

“O amor é comum, o afeto é comum”.

 

Os casais homoafetivos não são uma novidade do século 21, eles sempre existiram, porém em uma posição bem mais marginal, obrigados a se esconder. Hoje, exigindo seus direitos e se engajando, esses casais se tornam protagonistas. Protagonistas em suas histórias e em nossas histórias também, escrevendo novos capítulos no direito, nas religiões, na fotografia, na arte e em nossas tão ostensivas “verdades”. As fotografias de Simone Rodrigues ajudam a criar uma ponte necessária para o conhecimento e o diálogo.

 

Para alguns, aceitar uma nova leitura de mundo pode ser insuportável, pois os obriga a repensar, ou mesmo abandonar, tudo aquilo que até então era dito como “natural” e “imutável” e que servia de referência. Evidencia-se, assim, o caráter imaginário de toda verdade, provocando o retorno dos eternos questionamentos: quem somos, de onde viemos, para onde vamos, o que nos constitui como sujeitos…

 

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Marah e Samantha

 

O projeto “Nomes do Amor” começou no Rio de Janeiro mas quer se estender por todo o país, pensando na importância dessa nova representação imagética da família brasileira.

 

A exposição “Retratos da família Brasileira” fica em cartaz na galeria do BNDES, até 09 de setembro na Av. República do Chile, 100, das 10h às 19h.

http://www.fotorio.fot.br/pt_br/2016/exposicao/1895/retratos-da-familia-brasileira

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