Paris Photo 2019

.Depois de uma longa pausa, estamos de volta. Entre projetos mil, férias necessárias e problemas técnicos, foram mais de 5 meses fora do ar. Mas voltamos com a programação habitual, agora quinzenal, de dicas, histórias, imagens e elocubrações.

© Pierre BULTEZ

.Aproveitando o grande evento da última semana em Paris, nada melhor que retomarmos falando do Paris Photo. Maior feira de fotografia, a edição 23 do Paris Photo trouxe 200 galerias para o Grand Palais. Fora toda a programação off que acontece em volta. Além do setor principal, o Paris Photo apresentou mais 4 setores: filmes, curiosa, prismas e fotolivros. Fora as conversas com artistas durante os 4 dias de feira.

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Conversa com a fotógrafa Alice Quaresma

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Uma feira é sempre uma feira, com stands visando imagens já certeiras que possam responder financeiramente ao grande investimento feito. Mas visto o tamanho da feira sempre tem espaço para algumas surpresas. Para a segunda edição do setor curiosa o curador anglo-ganês Osei Bonsu escolheu trabalhos contemporâneos que dialogassem com antigas técnicas fotográficas. O espaço ficou um pouco pequeno para tanta obra, mas tinha muito artista interessante: Elsa Leydier, Andrés Denegri, David Meskhi, Morvarid K., Roman Moriceau, entre outros.

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Nate Lewis, Transparent Memory, 2018, Hand-sculpted paper inkjet print, Fridman Gallery, New York.

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A fotógrafa oficial do convite do Paris Photo 2019 foi a sul africana Zanele Muholi, ativista visual contra a violência da comunidade LGBT. Junto a ela, sua galeria, Stenvenson, trouxe mais algumas fotógrafas sul africanas como Viviane Sassen e Mame-Diarra Niang. Nomes fortes, trabalhos diferentes. Também tivemos a participação da galeria brasileira Lume com as obras “Ramos” de Julio Bittencourt. O stand estava original e saiu dos fotógrafos e trabalhos óbvios, apostando.

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Madame Victoire, 2019, Viviane Sassen. Courtesy of Stevenson

Conversa com a artista francesa radicada no Brasil, Elsa Leydier
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Expandindo os temas e conexões com a arte contemporânea

Semana passada falamos do arquiteto Tadao Ando aqui. E essa semana peço licença para expandir mais um pouco o nosso tema, abrindo para a arte contemporânea. Gostaria de falar sobre o artista irlandês Yuri Pattison que vive e trabalha em Londres. Seu trabalho é extremamente instigante, sobre problemas atuais. Mais do que isso, seu olhar recai sobre os nossos problemas futuros. Yuri ganhou o prêmio de uma das maiores feiras de arte contemporânea, a Frieze, em 2016. Além disso, esse ano ele falou na Fiac, em Paris, ao lado do curador Hans Ulrich Obrist e participa da bienal de Atenas.

 

Trabalhando com mídia digital, vídeo, instalação e escultura, Yuri explora a economia digital e suas implicações futuras. Ele questiona a tecnologia, a circulação de informação e o universo crescente de coleta de dados produzidos e consumidos diariamente. Assim como a política atual baseada nesses sistemas de dados e seus resultados humanos e criativos. Seus trabalhos perpassam sistemas de interpretação e de controle contemporâneos. Nada mais atual, no Brasil e no mundo!

 

 

O que podemos fazer individualmente para estourar a bolha? – Hans Ulrich Obrist


Esse ano, Yuri Pattison participou da exposição “O centro não pode segurar” na fundação de arte das Galeries Lafayette, em Paris. Seu trabalho foi um vídeo entitulado “Solidão pública” em parceria com a empresa CrisisCast. Resumidamente, a CrisisCast dramatiza eventos ligados à segurança – em hospitais, aeroportos, escolas, prédios públicos – para ajudar a treinar forças armadas, companhias de segurança, etc. Ou seja, eles criam cenas e situações de medo e pavor para deixar policiais no Reino Unido, no Oriente Médio e no mundo, prontos para qualquer eventualidade.

 

Produzido em um teatro abandonado em Londres, o vídeo mostra um aeroporto com os trabalhadores/ atores da CrisisCast desempenhando vários papéis: de viajantes, agentes de segurança ou suspeitos. Além disso, o artista podia adicionar novas montagens, virtualmente, contribuindo para evoluir constantemente o trabalho. Aqui Yuri questiona o real e a ficção, assim como os conceitos de espaços, fronteiras e identidades. Obviamente, ele também destaca alguns pontos do atual contexto geopolítico. Como por exemplo, os governos terceirizando processos de produção e o fechamento maior das fronteiras externas. E ainda, a proliferação de controles de segurança, a propagação do medo e a tecnologia sempre presente, mesmo remotamente.

 

Yuri Pattinson, User, Spare, 2016

 

Yuri Pattison, Trusted Traveller, 2017

 

Uma nova solidão contemporânea, cada vez mais sós em um mundo cada vez maior.

 

Na bienal de Atenas, com uma instalação de um guichet de aeroporto, ele também perpassa esses conceitos. Mais ainda, ligado à história da Grécia, ele relembra as políticas de pânico em andamento em relação à crise migratória. No geral, Yuri investiga  a construção do eu em um momento de bolhas digitais e de fronteiras flutuantes que leva a uma reavaliação urgente das interações locais e globais. Além disso, ele se posiciona diante das consequências possíveis com as atuais políticas cada vez menos ligadas ao humano. 

 

 

 

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Os mil e um eventos além do Paris Photo: livros, expos e salões

Continuando sobre o tema Paris Photo, que falamos semana passada aqui, gostaria de ressaltar os mil eventos que aconteceram durante a semana da feira.

 

Começo com o evento que ajudei na organização e curadoria, junto com os fotógrafos Glaucia Nogueira e Shinji Nagabe. Fizemos um bate papo sobre a fotografia brasileira e seu lugar no mercado fotográfico, seguido de uma projeção com 14 fotógrafos brasileiros. A mesa, composta por mim, Isabella Prata e Felipe Abreu questionou as aproximações e especificações do mercado fotográfico. Será que existe um olhar brasileiro, ou somos fotógrafos do mundo, independente de nossas origens? E se existe esse olhar, qual seria sua particularidade? A fotografia brasileira ainda é vista como exótico pelo olhar europeu do centro? Como fazer para quebrar essa dicotomia centro/ periferia? E como fazer para não entrar no modismo do mercado que precisa sempre ser propulsado por novidades?

 

E o evento foi possível graças ao Iandé, uma plataforma cultural focada em divulgar, promover e decodificar a fotografia brasileira na França. Aliás, fico muito feliz de anunciar que também estou escrevendo por lá e colaborando para seguirmos com nosso objetivo comum. Ficou claro que ações como essa, de aumentar a visibilidade e legitimidade da fotografia brasileira no exterior, estão ganhando cada vez mais força na França. E que nossos fotógrafos são muito admirados.

 

Shinji Nagabe, Chão, 2016

 

Nossa projeção contou com: Ana Sabiá, Cleo Alves Pinto, Elsa Leydier, Felipe Fittipaldi, Fernanda Frazão, Guilherme Bergamini, Henrique Carneiro, Joel Lopes, Jonas de Barros, Karime Xavier, Mariana Guardani, Shinji Nagabe, Vitor Casemiro e Zé Barretta.

 

Continuando, tivemos a feira de livros de fotografia, Polycopies, que também contou com a participação de brasileiros no stand Havaïna. Em um barco, a 10 minutos do Paris Photo, a pequena feira de editores independentes apresenta trabalhos de todo o mundo. E o que vemos são livros mais ousados e menos ligados a norma. Além disso, é uma inspiração perpassar olhares e questões em todas as línguas, que nos falam e nos aproximam. Por exemplo, a editora alemã Café Lehmitz tinha um livro sobre as publicações femininas contemporâneas. Compilação importante e muito interessante.

 

Seguindo o caminho dos livros de fotografia, a grande sala da escola de belas artes foi tomada pela feira Offprint. Um pouco maior que a feira anterior (a Offprint também acontece em Londres no mês de maio), vemos um enorme apanhado de livros e revistas e uma discussão em torno do crescente aumento do números de impressões. No mesmo bairro, ainda acontece o pequeno festival Photo Saint Germain , que contou com a participação de 36 galerias da região. Destaque para a exposição da Maison de l’Amérique Latine* sobre fotógrafas alemãs que se exilaram na América do Sul. E para o fotógrafo Eric Antoine que trabalha com a antiga técnica fotográfica de colódio húmido. Quebrando com vários paradigmas da fotografia atual, Eric volta no tempo – técnica e psicologicamente – mantendo uma estética e um questionamento contemporâneo.

 

Philippe Calandre, Utopie 2

 

E não acabou!

 

Salon Approche

Finalmente, mais dois eventos que me chamaram a atenção, a Bienal da Imagem Tangível  e o Salão Approche. A bienal quis explorar práticas que tendem a emancipar-se do uso clássico da fotografia. Seja através do suporte, da técnica ou da forma. Em sua primeira edição, ela fez sua exposição principal em um antigo teatro e contou com instalações, vídeos, colagens fotográficas, esculturas… O fotógrafo brasileiro Caio Reisewitz participou com 2 obras. Na mesma pegada, o Salão Approche, em sua segunda edição, também trabalhou o enfoque contemporâneo da mídia fotográfica. Em um belo prédio tradicional parisiense, 14 artistas foram convidados a exporem seus trabalhos: Daniel Shea, Bruno Fontana (que participou dos dois eventos), Maya Rochat, entre outros…

 

*Exposição “Do outro lado”, fotografias de Jeanne Mandello, Hildegard Rosenthal et Grete Stern. Até dia 20.12.18 na Maison de l’Amérique Latine, Paris.

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A incrível jornada de mais um Paris Photo

E mais uma vez, sobrevivemos à loucura da maior feira de fotografia, Paris Photo, e todos os seus eventos paralelos. Foram dias de encontros, trocas, olhares e discussões, sempre em torno da imagem. Mil exposições, palestras, mesas redondas, performances, livros com fotógrafos do mundo todo. Aliás, muitos brasileiros participaram, de diferentes gerações, e os diálogos foram muito importantes e enriquecedores.

 

Neste ano o Paris Photo realçou a presença da mulher e sua representatividade ao longo da história da fotografia. A organização começou escolhendo a fotógrafa norte americana Mickalene Thomas para ilustrar a capa e os cartazes da feira. Além de mulher, Mickalene é negra e trabalha exatamente sobre o feminismo e o lugar da mulher e do corpo negro na imagem. Além disso, um dia inteiro, com o tema “Mulheres, uma exceção?”, foi dedicado a conversas com e sobre mulheres. Entre vários eventos, manifestos foram lidos, discussões sobre identidade e visibilidade foram feitas, além de entrevistas com fotógrafas árabes.

 

La leçon d’amour, 2008, Mickalene Thomas.

 

Para terminar, um percurso imagético, Elles x Paris Photo, foi feito ao longo da feira através de trabalhos femininos. A curadora Fanny Escoulen escolheu uma centena de imagens para traçar o fio de uma história da fotografia sob o prisma do olhar feminino. Uma travessia importante e urgente pelas galerias e editores presentes na feira. Contudo, porém, quando olhamos de perto, o total de trabalhos apresentados na feira por mulheres fotógrafas foi de apenas 21%. Ou seja, um discurso bonito na teoria mas que ainda precisa ser levado mais a sério na prática. Nós não podemos deixar que se resuma apenas como uma questão de “moda do momento”.

 

Paris Photo foi a primeira feira internacional dedicada à fotografia e criada em 1997.

 

Além disso, a outra novidade foi a nova ala erótica da feira, Curiosa, pensada pela curadora Martha Kirszenbaum. No fim da feira, com limite de idade para entrar, 14 galerias expuseram artistas que trabalham com a fotografia sensual. Movimento importante na fotografia do século XX em diante, as imagens desses fotógrafos pensam sobre o corpo e o sexo, desafiando nosso olhar em cima da fantasia e do fetiche. E a seleção artística perpassa gênero, tempo e espaço, com nomes como Daido Moriyama, Robert Mapplethorpe, Antoine D’agata e Jo Ann Callis, Renate Bertlmann e Natalia LL.

 

Amy Friend, Jack’s Cat, 2016

 

Para terminar, gostaria de ressaltar a participação brasileira. Primeiramente, a editora Madalena que esteve mais uma vez presente misturando gerações de fotógrafos. Num diálogo enriquecedor, lançou livros de fotógrafos consagrados como Cássio Vasconcelos e João Farkas e jovens artistas promissores, como Henrique Carneiro e Rodrigo Pinheiro. Além disso, os fotógrafos Caio Reisewitz e Pedro Motta foram apresentados em galerias internacionais. E, finalmente, a galeria Lume, de São Paulo, veio com o status de primeira galeria brasileira a participar da feira. E trouxe o trabalho histórico e político da artista Ana Vitória Mussi. Aliás, um acerto dentro de uma feira com um viés mais estético vintage do que engajado e ativo.

Negativos, 1974-2006, Ana Vitória Mussi

 

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Paris Photo e o incrível universo da maior feira de fotografia

A feira de fotografia Paris Photo é o acontecimento incontornável do mercado de fotografia. Primeira feira de arte dedicada exclusivamente ao meio fotográfico, semana passada o Paris Photo apresentou sua 21a edição. Desde 1997, ela acontece anualmente em espaços prestigiosos, primeiramente no Carrousel du Louvre e agora no enorme espaço do Grand Palais. Ano passado, em 4 dias de feira, teve mais de 50 mil visitantes. Desde 2013, ela se aventurou no novo mundo e abriu uma filial em Los Angeles, nos EUA, para criar mais vínculo com o grande mercado americano como um todo. O sucesso das duas feiras é inquestionável.

 

 

 

Esse ano a feira apresentou mais de 180 galerias e editoras de livros de fotografia, de uns 30 países, que apresentaram trabalhos fotográficos tanto modernos quando contemporâneos. Um grande panorama da história da fotografia e do que anda se clicando (e vendo) pelo mundo. Pelo menos essa é a ideia, infelizmente a prática de uma grande feira de arte é um pouco diferente da teoria. Sem tirar o mérito de ser o grande encontro mundial de fotógrafos, galeristas e colecionadores de fotografia, o Paris Photo caiu em sua própria armadilha.

 

Ao expandir-se e tornar-se a maior feira de fotografia do mercado, o Paris Photo hoje funciona como um grande centro comercial. Com o custo alto para produção e participação da feira, a pressão e a correria, as galerias não conseguem inovar, nem investir em originalidade. Resultado: vemos muito do mesmo – o que vende – ou obras apenas para chamar a atenção. É obvia a crescente fadiga por parte dos galeristas, artistas que acabam tendo que produzir ao invés de criar, e público.

 

 

Com esse crescente enfoque financeiro nas feiras em geral, ainda temos o efeito “evento”, que tanto importa nos dias de hoje. Esse ano a cantora Patti Smith fez a curadoria da Gagosian (além de apresentar suas próprias imagens) e Karl Lagerfeld foi a figura da feira para comemorar os vips, fazendo tour selecionados e escolhendo dentre as galerias os trabalhos que mais lhe agradava. É sempre assim, de um lado os colecionadores que querem as melhores festas, as salas vips e o champagne, do outro, o público que quer ver os rostos famosos, as roupas da moda, as assinaturas vedetes… E no meio disso tudo, ostentação, futilidade, dinheiro e pouca diversidade e assombro com a arte.

 

Mas a feira Paris Photo 2017 teve algumas pérolas escondidas. As casas de edição estavam originais, e aqui penso na editora mexicana RM e no único stand brasileiro dividido entre as editoras Livraria Madalena e Bazar do Tempo. Fotolivros que eram trabalhos por si só, e não mera ilustração das fotografias. Grandes nomes da fotografia, menos midiáticos, estavam expostos em algumas galerias, como Joel Peter Witkin, Dora Maar ou Georges Rousse. De novidades, eu descobri os retratos e naturezas mortas contemporâneas de Olivier Richon, o caos organizado de Marja Teeuwen, o russo modernista Boris Ignatovich e a retratista Andrea Torres. Afinal, entre galerias asiáticas, latinas, americanas, européias e africanas, as descobertas existem.

 

Marja Teeunew, 2010

 

 

Andreas Torres, The Unknow

 

 

Olivier Richon, 2013

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