Venha conferir a fotografia e a realidade virtual em Arles

Pois é meus queridos, esses encontros de Arles deram pano para manga… Num festival de fotografia desse porte, é interessante notar as discussões em torno dos limites da imagem. O festival quer pensar para além do papel, apresentando instalações de arte contemporânea, vídeos e um pequeno festival de realidade virtual.

 

A realidade virtual cresceu muito desde o início da internet e sua propagação se deu nos anos 90. Mais conhecida quando ligada aos jogos de video-game, no festival de fotografia de Arles, a realidade virtual (RV) é usada pelos artistas dentro de possibilidades expressivas voltadas para imersão e sensação artística. Em Arles é a galeria francesa Fisheye que organiza o mini-festival de RV em um antigo convento, e conta, esse ano de 2018, com 21 “filmes” competindo – entre documentários, ficções e experiências interativas. São artistas do mundo todo – americanos, alemães, africanos, gregos, franceses… – numa tentativa de alargar as perspectivas, gerar poesia e pensar a imagem em outras dimensões. O resultado é bastante variado nas histórias e aproximações, mas todos nos catapultam para realidades aumentadas. Não podemos deixar de mencionar a participação ativa de uma enorme tecnologia que por vezes ajuda e nos surpreende com odores, toques e sons incríveis. Mas outras vezes se fazem muito presentes e limitantes.

 

Marshmallow Laser Feast, Treehugger: Wawona

 

 

A realidade virtual é uma linguagem imagética, assim como a fotografia.

 

Esse ano o ganhador do festival de RV de Arles foi o coletivo londrino Marshmallow Laser Feast com a obra Treehugger: Wawon, onde o visitante se torna um com uma árvore. As sensações se espalham das raízes até o topo através da experiência da chuva: uma gota de água que entra na terra, o sopro do vento e o farfalhar das folhas, a fotossíntese de uma sequóia gigante… O coletivo quis apostar numa obra que tenta mostrar o invisível e criar um outro olhar em relação à natureza. Oriundos da fotografia, o grupo relata que a RV tem a vantagem de surpreender mais o espectador que se deixa levar mais facilmente e menos indiferente em novas perspectivas e momentos pouco habituais.

 

A obra Treehugger: Wawona tem uma vertente interessante de arquivo do mundo real. Trabalhando em florestas do mundo todo, junto a cientistas e biólogos e com espécies de árvores em extinção, o coletivo Marshmallow Laser Feast iniciou uma campanha de preservação real e virtual dessas árvores, além de guardar esses dados virtuais de importância ecológica.

 

Marshmallow Laser Feast, Treehugger: Wawona

 

Mais do que o lado artístico das obras, que rapidamente se esgotam nas delimitações tecnológicas da RV, a curiosidade maior é descobrir, quase por acaso, as outras inúmeras possibilidades. Arquivos reais, ciber-arqueólogos, experiências meditativas, museus online, esses são alguns exemplos de possibilidades de uso da RV, para além da artística.

 

*o festival de realidade virtual dos Encontros de Arles vai até dia 26 de agosto de 2018

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Festival de Fotografia de Arles, França

Semana passada estive num dos maiores festivais de fotografia, os Encontros de Arles, no sul da França. Não conhecia essa região, que por si só já vale uma visita, com suas ruínas romanas, seu centro antigo murado e sua cultura que mistura influências espanholas, romanas…

 

O festival de Arles existe desde 1969.

 

São exposições, debates, assinaturas de livros, projeções, entrevistas, workshops, enfim mil e uma atividades numa cidade que se dá a volta toda, à pé, em no máximo meia hora. Um regalo! Não há tempo perdido em trânsito ou outras besteiras, tudo é voltado para a mídia fotográfica! Igrejas são usadas como espaço expositivo, antigas casas, ruínas romanas projetam imagens contemporâneas, claustros acolhem projeções e festas eletrônicas. Se vê e se ouve sobre fotografia 24 horas por dia. Somos estimulados a novos olhares e novas ideias. Entre os passantes se escuta de tudo: árabe, inglês, português, alemão, dinamarquês… Todos estão acessíveis para uma troca e um bate papo, até os fotógrafos mais demandados, como o franco-americano William Klein.

 

Paul Graham, Arles 2018

 

The hobbyist, Arles 2018

 

Fiquei em êxtase!

 

Mas agora, que a poeira baixou, me pergunto, até que ponto essas trocas não foram rasas? No alvoroço dos inúmeros eventos, não há tempo a perder: toma o meu cartão e bora para o próximo encontro incrível. É muita informação disponível, muito ruído em volta, pouca calma e pouco silêncio. Todos ficam no plano de um discurso superficial. Sim, eu sabia que seria assim, a primeira semana do festival é a semana dos eventos: “the place to be”. Quem vai é para ver e ser visto, é a hora de encontrar pessoas, aumentar o networking, conhecer as novidades. Quem quer mais silêncio e foco, melhor deixar para ir depois. Porque o festival dura quase três meses, de julho a setembro, e depois desta primeira semana apenas as exposições ficam (além do sol e dos sorvetes).

 

Assim como Cannes está para o cinema, Arles está para a fotografia. Com isso, inúmeras pressões se debatem, num jogo político e econômico enorme. E isso é visível. O festival segue uma cartilha para agradar público, patrocinador e política local. Sai pouco do óbvio, inovando dentro de um limite claro e consistente. Abre até certo ponto para ideias novas e diálogos profundos para além do pequeno mercado fotográfico de Paris. No fim, o que me marcou é que o festival de Arles é feito por parisienses para parisienses.

 

 

 

Mas dito tudo isso, o festival vale muito a pena. Se descobre muita coisa interessante, muitos nomes novos, e alguns contatos conseguem se aprofundar. Semana que vem comentaremos mais sobre as melhores exposições de Arles e alguns fotógrafos acolhidos.

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Fotografia e resistência!

Em 2018, a arte resiste, a fotografia resiste, o FotoRio Resiste, eu, você, e todo o Brasil tem que resistir!

 

Como muitos sabem, trabalho no Festival Internacional de Fotografia do Rio de Janeiro (FotoRio) há muitos anos. Estagiei, preguei quadros, medi paredes, montei exposições em inúmeros centros culturais da cidade maravilhosa. Também fiz traduções simultâneas, servi de guia e intérprete, enfim, qualquer motivo de ver e ouvir os fotógrafos vindo do Brasil e do mundo era uma boa desculpa para mim. Aprendi muito e continuo aprendendo todos os dias.

 

Pedro Kuperman, Jardim de Maria, 2015, Rio de Janeiro

 

Os anos passaram, o festival teve alguns patrocínios durante um tempo (não grandes, mas interessantes em relação a nossa realidade) e de uns anos para cá é evidente a precariedade cada vez maior de toda a comunidade artística: começando pelos centros culturais e instituições e passando pelos artistas, produtores e o próprio festival. A infra-estrutura está cada vez mais capenga, o dinheiro escasso, os recursos humanos minguantes, a paciência pequena e as ideias retrógradas. É verdade que o efeito positivo disso tudo, muitas vezes, é a originalidade e o companheirismo. Mas vamos combinar que anos de trabalho e todo um investimento pessoal e financeiro da parte de todos não pode resultar unicamente em solidariedade.

 

E esse ano as coisas conseguiram piorar. Isso é óbvio para todos, ainda mais para os que vivem na cidade do Rio de Janeiro. Mas o óbvio não pode ser banal. Precisamos resistir: cada um na sua área, na sua luta, mas com alguma coisa em comum. O FotoRio 2018 não vai acontecer por causa da falta de editais para financiamento público e da falta de transparência na gestão cultural, que inclui até censura direta. Mas diante dessa onda de depressão frente a nossa realidade, fotógrafos e associações de todo Brasil se juntaram para não deixar a peteca cair. Quanto maior a crise política, econômica e cultural, maior a necessidade de uma resposta clara e direta: não estamos de acordo. Queremos mudar. Assim surgiu o FotoRio Resiste.

 

Walter Carvalho, Pássaros, Nova Iorque

 

“Nossa época obriga a tomar partido.” – Chimamanda Ngozi Adichie

 

O FotoRio Resiste acontecerá em agosto de 2018, tem por lema “Fotografia e Cidadania” e é coordenado por uma comissão composta por: Adriana Medeiros, Ioana Mello, Marcella Marer, Milton Guran, Nana Moraes, Paulo Marcos, Rogério Reis e Thomas Valentin. Queremos colocar em debate a gestão republicana das verbas e equipamentos culturais em espaços geridos pelos próprios fotógrafos ou em galerias e espaços alternativos e independentes. Nenhum espaço público será ocupado, à exceção de outros espaços de resistência, como a UERJ. O desejo é ocupar a rua, os muros, as ideias com arte, cidadania e liberdade.

 

Obrigada por todos que já se uniram à luta. E vamos juntos.

 

 

*Todos estão convidados hoje, dia 06 de março de 2018 às 19h, para uma exposição na Villa Aymoré (RJ) que marca o lançamento oficial do FotoRio Resiste. Com a inauguração, o FotoRio Resiste lança também seu financiamento coletivo para resistirmos juntos: benfeitoria.com/fotorioresiste

 

 

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Novidades de Ano Novo

Ano Novo, vida nova! Vamos começar o ano com um post visual, dizendo menos e olhando mais? Que tal descobrirmos juntos novos fotógrafos? Segue aqui 8 artistas que descobri ao longo do ano passado e que pretendo continuar observando seus trabalhos.

 

Juno Calypso (Inglaterra)- The Honeymoon, 2015

 

 

Shinji Nagabe (Brasil) – Itabanhana, 2015

 

Toshio Shibata (Japão) – Nikko City, 2013

 

Thibault Brunet (França)- Typologie du Virtuel, 2014

 

Vasantha Yogananthan (França) – A myth of two Souls, 2016

 

Namsa Leuba (Guinea/ Suiça) – NGL, 2015

 

Vanessa Beecroft (Itália) – VBSS, 2007

 

Matt Wilson (Inglaterra) – Deep South, 2016

 

E você, viu alguma imagem interessante ano passado? Descobriu algum artista? Compartilhe com a gente.

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Fotografia e ficção em Paraty

Começa hoje, na cidade de Paraty, que em si mesma já mistura a narrativa de cidade de praia com o peso da história da colônia, o festival de fotografia Paraty em Foco com o tema: Fotografia: documento e ficção.

 

“(a fotografia é) imagem ao mesmo tempo real e virtual. Registro fidedigno e imaginário. Materialidade e fabulação”. – site do festival

 

Iniciado em 2005 pelo italiano Giancarlo Mecarelli, o festival chega em sua 13a edição perpetuando seu histórico de difusão, formação, divulgação e construção de uma linguagem fotográfica e visual brasileira. Já passaram pelo festival nomes como Cristiano Mascaro, Thomaz Farkas, Claudia Jaguaribe, Thomas Hoepker, Miguel Rio Branco, Pieter Hugo, Alex Flemming, David Alan Harvey, Evandro Teixeira, entre tantos, tantos outros. Afinal, são 13 anos de festival, com 5 dias de eventos por ano que incluem palestras, workshops, projeções, encontros, ações sociais, leilões e muitas exposições pelas calçadas, fachadas, pousadas, igrejas, espaços culturais, bares, restaurantes…

 

Helenbar, Vitoriano, 2004

 

Com mais de 200 festivais de fotografia pelo mundo, e novos que surgem a cada ano, as possibilidades são enormes, mas podem assustar diante da magnitude de possibilidades. Para o fotógrafo, os festivais são muitas vezes cruciais para fazer contatos valiosos e descobrir as novas tendências do mercado. Mas o mais importante são as trocas realizadas durante o festival. Imersos numa pequena cidade charmosa como Paraty, respirando, vendo e ouvindo sobre fotografia, fotógrafos e simpatizantes acabam tendo uma oportunidade enriquecedora e única de se inspirar. Essa pausa no cotidiano, e na loucura da criação de um trabalho fotográfico, propicia questionamentos sobre o objeto fotografado, os meios de aproximação, as técnicas, o público, a relação com a imagem, sua materialidade e plasticidade.

 

Ao decentralizar o mercado fotográfico dos grandes centros (Rio e SP) para uma cidade do interior (Paraty), o festival envolve a deslocalização de uma rede de profissionais pré-existentes: curadores, críticos, artistas, público. Isso permite criar uma interface entre esses diferentes atores que legitima e valoriza não só os artistas, mas também a prática fotográfica.

 

Em época de crise e dificuldades no universo cultural, nada melhor do que voltar ao cotidiano com energia renovada e o entusiasmo transformado pelas possibilidades inspiradoras da fotografia.

 

Bruno Bernardi, Paisagem Movediça,
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