A arte como remédio e terapia

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Pessoalmente, a arte é minha terapia. É o que me trás leveza nessa vida tão dura, é o que me ajuda a acreditar na humanidade, é o que me guia para eu me entender, é o meu meio de resistência e meu meio de amor também. Infelizmente, nos dias de hoje, pareço meio (totalmente) maluca para muitos que brandam que arte é algo supérfluo. Apenas um desperdício de tempo e recursos.

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Para esses, afirmo apenas que estão errados. Ou melhor, nem sou eu que afirmo, são dados, fatos e outras tantas pessoas “malucas” como eu. O filósofo e grande empreendedor, Alain de Botton, por exemplo, escreveu um livro em 2013 entitulado “Arte como terapia”. Na época do lançamento do livro, uma exposição foi organizada no tradicional museu holandês Rijksmuseum. Alain “espalhou” notas amarelas ao longo do museu que lembravam post-its. Anotações que mostravam para o público como a arte está muito mais próxima do que imaginamos. Ela fala de nossas vulnerabilidades, nossos medos e nossas ansiedades. E claro, nos ajuda a lidar com eles.

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José Diniz, Deriva

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“A arte não precisa apenas nos mostrar como as coisas são, mas também pode nos dar uma ideia de como as coisas poderiam ser – pode apontar esperançosa, encorajadora ou às vezes severamente, em uma boa direção.” – Alain de Botton

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Para além do seu livro, Alain fala da arte como uma forma de aprender a lidar com a ansiedade, a política, o amor, o eu, as relações cotidianas, entre tantos problemas que temos no nosso dia-a-dia. Pois é, a arte ajuda a conscientizar sobre os problemas grandes que nos envolvem a todos, como a ecologia, o racismo com as minorias, a questão de gênero, certas doenças estigmatizadas, a morte, o papel da mulher, etc.

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“A arte é uma mentira que te faz enxergar a verdade”. – Pablo Picasso

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Priscilla Buhr, AutoDesconstrução, 2009

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O professor e historiador Howard Zinn, que escreveu o livro “Artistas em tempo de guerra“, diz que é somente através da arte e suas brechas que o poder pode ser desconstruído. Arte é liberdade, é utopia, então inspira mudanças. Como o slogan americano dos anos 70 contra guerra do Vietnam. Artistas, através da música, pintura, literatura e fotografia iniciaram uma verdadeira resistência ao governo americano. Ou fotógrafos como a chilena Paz Errázuriz que retratou todo a contra cultura oprimida durante a ditadura no Chile. Deu voz e rosto, diante de incertezas políticas e econômicas globais, a pessoas marginalizadas pelo governo.

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A arte salva aquelas que a fazem, aqueles que são retratados e também aqueles que a apreciam. Como já falei algumas vezes, a fotografia serve de ponte, ligando as pessoas, as situações e até mesmo a nossa humanidade. Outros ângulos são representados, outras histórias contadas, outras soluções mostradas, que nos aproximam e mostram caminhos possíveis. Que nos salvam!

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Iris legendre, Série Contagion, 2012-2018
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Vamos ganhar o céu e voar ?

Há exatos 112 anos, em Paris, Santos Dumont voava com seu “avião” 14 bis e ganhava a alcunha histórica (pelo menos no Brasil) de pai da aviação. Desde sempre, o ser humano sempre quis ganhar os céus e voar.

 

A Maison Rouge, centro de arte contemporânea independente, do colecionador francês Antoine de Galbert, fez sua última exposição em Paris sobre o tema “O Voo”. Como podemos perceber, é um tema bastante amplo, mas muito interessante de explorar. Hoje em dia, cada vez menos olhamos para o céu.

 

Mas será que isso significa que voamos menos?

 

La Maison Rouge, L’envol, 2018

 

A exposição da Maison, como vemos acima, trabalhava com diferentes mídias: fotografia, vídeo, pintura, escultura, desenho… Misturava invenções “malucas” e objetos etnográficos, misturava tempo e espaço. Mas reunia tudo na ideia do tema “voar” e mostrava o desejo de tantos artistas de ir além. E ao acompanhar esse pot-pourri expositivo, descobríamos o desejo latente e as interpretações possíveis da vontade humana de voar.

 

A primeira fotografia aérea, por exemplo, foi feita com uma pipa em 1888. E foi uma grande descoberta. Abriu, literalmente, o olhar e o campo de visão. A pintura bebeu dessa fonte, mudando composições, e muitos fotógrafos no início do século XX exploraram a visão das nuvens. Hoje temos os drones, que também surpreendem os observadores contemporâneos.

 

Alfred Stieglitz, Abstraction, 1920

 

Mas existem outros tipos de viagem… Os movimentos, dos animais e dos corpos humanos, são uma outra maneira de alcançar voo pela fotografia. Assim como o movimento da dança e de seus leves dançarinos que saltam e voam pelo palco. Com um olhar mais simbólico, podemos nos arrebatar nos mistérios do universo e voar pelo espaço com extraterrestres e corpos celestiais. Ou ainda pelo inconsciente humano com os surrealistas e dadaístas. Voar também significa se embrenhar de magia e de surpresa.

 

Outros artistas exploram os voos da imaginação, da rebeldia, da coragem, da alma. Menos palpáveis, mas tão perigosos quanto o azul do céu. Como Ícaro, tantos artistas se jogam, sem medo, nos mistérios da arte da imagem. E essa permaneceu sempre cúmplice.

 

Dieter Appelt

 

Yves Klein, Leap into the Void

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Fotografia e o Sublime

Immanuel Kant foi um filósofo alemão do século XVIII, considerado um dos pais do pensamento moderno. Em resumo, Kant trabalhou pensando entre o empirismo e o racionalismo. Discutiu metafísica, política, e também a sensibilidade da homem, ou a estética. Dentro disso, ele discorre muito sobre o belo e o sublime. Segundo ele, a experiência do belo é uma experiência de conformação de mundo, que lida com a forma dentro dos seus limites. Diferentemente do belo, a experiência do sublime é o momento onde a imaginação, atordoada por um excesso de grandeza ou poder, falha em “compreender” e exalta.

 

Kant, em toda sua análise, não entra muito no mérito do sublime nas artes, muito menos na arte fotográfica. Nada impede que tratemos agora desta questão, mais precisamente do sublime na fotografia.

 

Thomas Ruff, 1989

 

O que poderia aproximar a fotografia da experiência do sublime? A sua relação com o referente.

 

A fotografia está ligada ao real, e com isso tem uma reflexão diferente de outras formas de arte. A pintura pode imaginar o referente, pinto uma casa sem tê-la visto. A fotografia não apenas relembra o passado, ela trás uma suposta comprovação do passado, atesta que o que vejo agora na foto, de fato existiu. A fotografia coincide com seu o status de documentação, certamente mais que qualquer outra arte, e com isso nos coloca numa presença imediata do mundo, de ordem quase metafísica.

 

Cada foto vem nos abalar, nos lembrar da nossa própria existência e assim, da nossa própria morte, fazendo com que tudo mais se torne pequeno, sem sentido e sem importância. A fotografia nos cria um abalo interno, uma angustia, um prazer e um desprazer diante da foto, uma experiência do sublime. Excedemos nossa capacidade de esquematização, damos asa a nossa imaginação e quebramos as amarras. A fotografia nos provoca a experiência de algo de outra ordem, ou seja, passamos a ser capazes de conceber algo maior, ou mais poderoso: algo sublime.

 

The Tetons and the Snake River, Wyoming, 1942, Ansel Adams

 

*mais considerações sobre a fotografia e o sublime aqui.

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Fotografia e música

Recentemente comecei a me interessar pelos diálogos possíveis entre a música e a fotografia. Os diferentes planos, a organização espacial e temporal, o dentro e o fora de campo, repercussão, permanência, repetição… – esses são alguns conceitos que se confundem nos dois campos e que dão asas à imaginação nas possibilidades de aproximação e discussão.

 

Dentro da minha pesquisa acabei esbarrando com a exposição do projeto a 4 mãos Saturnium, da fotógrafa SMITH com o músico Hoang. O projeto fala de um elemento químico inventado -Saturnium – que teria sido encontrado por Marie Curie e que teria a propriedade de modificar o espaço-tempo. A partir dessa narrativa, os dois artistas exploram, pela música e pela imagem, as possibilidades da catástrofe e do apocalypse nas produções contemporâneas e também na filosofia. Saturnium alavancaria os sonhos, a revolução, a força com o intuito de acordar o espectador para o que o excede.

 

 

Ele chamou os animais de “o pó que anda”, e os homens de “a terra que fala” … A terra que fala, porque somos da terra … A zona atrai … Eu digo a vocês. Quem foi lá … é atraído.

                    – Svetlana Alexievich, A súplica, JC Lattès, 1997.

 

 

 

 

Eu achei o projeto mais interessante na teoria do que na prática, mas fiquei extremamente interessada nesse diálogo entre imagem e som, e com essa enorme viagem dos sentidos e do pensamento. Tive uma grata surpresa ao descobrir que o projeto foi financiado e desenvolvido graças a um Prêmio bienal da Swiss Life que está em sua segunda edição. Pensado especificamente para promover as conexões entre música e fotografia, achei esse prêmio revolucionário. Em sua primeira edição, o projeto premiado se intitulava Bobba, e consistia em uma ópera de câmara, imagética, que perpassava o universo do artista Marc Chagall. Concebido pelo fotógrafo Julien Taylor e pelo compositor Arthur Lavandier, as imagens de Bobba fazem a imaginação voar ainda mais alto acompanhada pelos instrumentos e sons da narrativa.

 

Esse prêmio é ainda mais rico pois permite que esses projetos se expandam para uma nova troca: com a literatura. Após a exposição de cada um, eles são publicados em formato de livro impresso, dialogando com o texto e a palavra e acrescentando mais ainda a essa viagem dos sentidos.

 

Bobba, 2014

 

Termino o post fazendo um pedido, se alguém conhecer outros projetos ou pessoas que trabalhem com essa ponte entre som e imagem, estou muito interessada em conhecer e divulgar.

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David Hockney e a fotografia

O artista inglês David Hockney comemora seus 80 anos esse ano e vários museus pelo mundo estão celebrando sua vida e sua obra, incluindo o Pompidou em Paris que produziu uma retrospectiva com 160 obras, incluindo suas séries fotográficas.

Hockney sempre se interessou pela tecnologia da imagem, através da câmera fotográfica, celular, ipad e afins, ele experimenta inúmeros caminhos pelo universo visual que tanto o fascina. Como tema, ele se interessa pelo cotidiano e o simples – familiares, amantes, colecionadores, paisagens ao redor, objetos da casa – sem hesitar em homenagear, brincar e pegar emprestado estilos como o cubismo, o fauvismo, e elementos de artistas que ele admira como Matisse, Bacon, Picasso… Hockney desenvolve seu trabalho num estreito diálogo entre tecnologia, técnica, pintura e história da arte.

 

Eu acho que a fotografia também nos causou alguns danos. Nos fez ver tudo de uma maneira similarmente chata. Vivemos numa época em que um vasto número de imagens produzidas não se proclamam arte. Elas declaram algo muito mais dúbio. Elas se declaram reais.  – David Hockney

 

 

Nos anos 70, ele começa sua série fotográfica de colagem chamada joiners (marceneiros), primeiro usando impressões de polaroid e depois negativo 35 mm, chegando até impressões a cores comerciais. Usando várias impressões de fotos de diferentes ângulos e momentos de um único assunto, Hockney organiza uma colcha de retalhos para criar uma única imagem final. 

 

Se distanciando da perspectiva clássica induzida pelo olhar da câmera, Hockney experimenta com outras visões espaciais e temporais, dialogando com o movimento, com os diferentes pontos de vistas do cubismo e com a filosofia bergsoniana. A fotografia ganha uma dimensão mais alargada, se expande de tal forma que permite ao espectador uma percepção de uma realidade múltipla que nos é apresentada como resultante de diversos instantes. Cada pequena imagem que compõe o joiner surge um novo olhar, uma nova realidade.

Como dizia o filósofo francês Henry Bergson, nós não apreendemos a vida de maneira sucessiva e instantânea, mas ao contrário, em fluxo contínuo.  Com suas inúmeras imagens que compõe uma imagem única, Hockney torna o tempo visível, ou seja, ele mostra ao espectador as mudanças, o fluxo do tempo. Ele nos tira da sucessão de instantes cortados, para com a profusão deles, nos colocar dentro de diferentes momentos de espaço e tempo. Nossa percepção clássica do espaço exterior é quebrada e o movimento de seus joiners nos envolve com o movimento dos elementos em cena, incluindo tempo e espaço. 

 

E aqui estamos dialogando com a fotografia e não com o cinema, pois o referente se coloca diante da câmera, sem atravessa-la. E em cada imagem, nossa visão é forçada a perceber cada detalhe, num movimento de acumulação contínua da totalidade do tempo, desvendando o que Bergson chamava de duração.

 

 

*a exposição David Hockney – une retrospective fica em cartaz no Centre Pompidou em Paris até dia 23 de outubro de 2017.

 

 

 

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