A efemeridade do eterno feminino

Verdade seja dita, estava super sem criatividade para o texto desta semana. Não vi nenhuma exposição imperdível de fotografia, nem fui a nenhum bate papo incrível de um fotógrafo inusitado ou me deparei com questões filosóficas intrigantes. Aí sento para escrever e o pensamento voa para qualquer outro lugar, menos o fotográfico: tô precisando emagrecer, não fui correr ainda essa semana… E aí, faz como? Come uma torta gigante? Desiste? Não! Nunca! Pesquiso com mais afinco na internet e nas minhas anotações, enquanto tento manter o diálogo interno com meus pensamentos revoltos. É quando descubro o novo trabalho da fotógrafa londrina Juno Calypso. Pronto: junto a fotografia, a ideia para o post da semana e aquieto minhas preocupações estéticas femininas.

 

A artista Juno Calypso trabalha sobre a representação do feminino, suas expectativas, demandas e limites na nossa cultura ocidental. Já destaquei aqui o último trabalho dela, “The honeymoon” de 2015.

 

Sua nova série, “What to do with a million years” (o que fazer com um milhão de anos), acaba de estrear em Londres, na galeria TJ Boulting, e é extremamente intrigante. Começa pela escolha da locação irreal (como Juno costuma gostar). Juno fotografou na casa subterrânea do criador da linha de cosméticos Avon, Jerry Henderson, construída em 1978, durante a guerra fria, como misto de mansão luxuosa e bunker esconderijo. Situada no estado de Nevada, nos EUA, a casa real, de 1500 metros quadrados parece saída de um cenário de ficção científica. Juno ficou algumas semanas hospedada nesse “cenário”, onde moraram Jerry e sua mulher Mary, que conta com uma falsa área externa com iluminação de amanhecer e entardecer, quartos, cozinhas e salas rosas, banheiros imaculados… Toda a estética e modo de ser desta casa são pensados em relação à preservação da vida e da beleza.

 

Juno Calypso, “What to do with a million years?”, 2018

 

Juno Calypso, “What to do with a million years?”, 2018

 

Imagine viver para sempre. O que você faria? Como você se sentiria? – Juno Calypso

 

Praticamente vivendo em um mausoléu contemporâneo, longe de qualquer perigo mas isolado também, Juno retoma alguns temas caros a sua pesquisa fotográfica. Ela mais uma vez nos mostra os tênues limites entre ambientes reais com pinceladas surreais que exacerbam o extremo que podemos fazer em prol de uma suposta perfeição. Seja em suites rosas de moteis americanos, salões de beleza, ou bunkers luxuosos, Juno mostra, com uma certa ironia e um humor negro, a nossa busca pelo “ideal” feminino, onde as mulheres com suas máscaras de beleza parecem mais o assassino “Hannibal Lecter” do que mulheres reais. Em prol de uma perfeição construída e pensada por uma cultura machista, o feminino se transforma em um  extraterrestre.

 

Se usando mais uma vez de modelo, Juno mostra os absurdos que passamos para nos preservar bonitas, jovens e perfeitas. Uma tensão óbvia é sentida nas imagens: na jornada de auto-preservação, em uma casa imaculada, sufocada por uma obsessão de perfeição, onde o tempo para, o que vemos é solidão e morte. O mais sinistro é que suas metáforas são reais demais, palpáveis demais.

 

(em suas imagens) você não está sendo ameaçada por uma violência física, mas pela perspectiva de viver para sempre. E isso é muito mais sinistro. –  Eddy Frankel 

 

Juno Calypso, “What to do with a million years?”, 2018

 

  • a exposição de Juno Calypso, “What to do with a million years”, fica em cartaz em Londres até dia 23 de junho de 2018.
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