O avesso da história da fotografia

Republican Militiawoman on a beach, Barcelona, Spain, August 1936 Gerda Taro & Robert Capa © International Center of Photography

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Ultimamente tenho pesquisado muito sobre mulheres fotógrafas ao longo da história da fotografia. E tenho compartilhado na minha conta do insta. Como já cantou minha querida Mangueira em 2019, “deixa eu te contar a história que a história não conta, o avesso do mesmo lugar, na luta é que a gente se encontra”. As mulheres foram deliberadamente apagadas da história da fotografia. Enquanto os homens são lembrados constantemente, quem sabe que Anna Atkins foi a primeira pessoa a produzir um livro de fotografia em 1841? Um não, ela fez à mão, em cianotipia, durante 10 anos, em torno de 400 exemplares do livro British Algae : Cyanotype Impressions.

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Aqui o papo já é comum mas não custa lembrar: obviamente que muitas mulheres contribuíram consistentemente para história fotografia. No entanto, apesar de sua presença significativa, as mulheres ocupam um lugar relativamente pequeno entre os principais premiados, nas editoras de destaque, nas exposições de sucesso e entre os heróis da fotografia, em comparação com seus colegas do sexo masculino.

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Qual a história da fotografia que queremos escrever?

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Como a incrível Gerda Taro (Gerta Pohorylle, 1910 – 1937). Judia e alemã, Gerda foi uma ativista anti nazismo e fascismo. Em 1933, com 23 anos, após a chegada do Partido Nazista ao poder, Gerda é presa e detida por distribuir propaganda contra o governo. Ela foge para Paris logo depois. Em Paris ela conhece o o fotógrafo húngaro de origem judaica, Endre Friedman. Eles se apaixonam e ele a ensina a fotografar. Ela começa sua carreira de fotógrafa como assistente da Alliance Photo, agência criada por Maria Eisner, Pierre Verger et Pierre Boucher. Em 1936, Gerda recebe sua credencial de fotojornalista.

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Para escapar do anti-semitismo crescente na Europa, e vender melhor suas imagens, Gerda cria um personagem fictício chamado Robert Capa: um fotógrafo americano contemporâneo de sucesso. Seu companheiro endossa perfeitamente o personagem, e ela acaba criando um nome para ela também.

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Logo depois o casal resolve documentar o início da Guerra Civil Espanhola. Taro e Capa acompanham as batalhas das Brigadas Internacionais ao lado de combatentes republicanos, como fotógrafos de guerra. Ela é reconhecida como a primeira fotógrafa de guerra. Enquanto eles assinam suas fotos com seus dois nomes, Capa ganha bem mais reconhecimento mundial enquanto o trabalho de Taro permanece na sombra. Ela decide então partir sozinha para cobrir o bombardeio de Valência e vender seu trabalho apenas com seu nome.

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Ela morre em plena guerra aos 26 anos, em 1937.

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No dia 1 de agosto de 1937, dia de seu aniversário de 27 anos, um pouco depois de sua morte, mais de 10 mil pessoas se reúnem no cemitério Père Lachaise para celebrar a figura de Gerda. Estão presentes Pablo Neruda, Louis Aragon, Endre Friedman/ Robert Capa, Alberto Giacommenti (que esculpiu sua tumba) e tantos outros. Me digam, como essa mulher pode ser esquecida ?

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Seu grande amor, com a ajuda de seu irmão mais novo, foram decisivos no apagamento de Gerda Taro da história. Seus negativos foram todos vendidos como sendo de Robert Capa. Como ela não tinha nem família, nem herdeiros, ninguém reclamou. Ela só ressurge na linha do tempo em 2007, quando uma mala do laboratorista de Capa, com mais de 4500 negativos, é encontrada no México. Dentre tantos negativos, 800 são delas, devidamente assinados. O mundo descobre assim, através destas fotografias inéditas (e depois da morte de seu companheiro) uma mulher corajosa, mas acima de tudo uma grande fotógrafa.

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Fica a minha pergunta, em que universo, essa história fantástica de Gerda seria esquecida se ela se chamasse Hans? No nosso universo ao avesso.

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Cultura e Pandemia

Como ficará a cultura depois dessa pandemia?

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Não me atrevo a responder essa pergunta, com certeza mudaremos muito. Mas tenho feito algumas observações sobre cultura em tempos de pandemia. Pequenos pensamentos que senti vontade de colocar por escrito.

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Urbe, José Roberto Bassul

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Primeiramente, a fotografia e a cultura são mais do que meu trabalho e ganha pão, são as minhas paixões na vida. Ver exposições, descobrir novos trabalhos fotográficos, abrir um livro de fotografia me dá energia. E vai além, me equilibra e me acalma. Mas e agora, José, o que fazer durante essa pandemia? Ficou tão mais difícil achar meios e caminhos para se energizar.

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Algumas galerias, de vez em quando, conseguem uma brecha e permanecem abertas, resultando em pequenas ilhas de acolhimento em meio a tanto isolamento social. Os livros de fotografia também, a duras penas, conseguem viajar mais do que a gente e aterrissam direto na minha mesa de cabeceira. Aí é quase como vacina: uma espécie de cura em dose única.

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Livro de fotografia “Deus também descansa” de Bruno Bou Haya

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A parte financeira também está difícil. Menos trabalho para os fotógrafos, menos possibilidades de sair na rua, montar equipe… e menos opções de curadoria também! Como alavancar projetos e patrocínios nesse momento que festivais são cancelados, exposições fecham, feiras acontecem online e o dinheiro é escasso? A instabilidade é muito grande.

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Mas tenho visto muito gente aproveitando essa pausa (ou falta de: dinheiro e opção) para rever arquivos, retomar antigos projetos, reeditar livros e zines, criar cursos e diálogos online. O virtual decididamente não é tão bom quanto o presencial mas abre o leque de oportunidades pelo mundo e nos possibilita estar juntos de alguma maneira, resistindo. E no fim, tenho visto muito trabalho novo super interessante e conheci muita gente boa. A leitura de portfólio do FotoRio mesmo, feita virtualmente, acabou criando uma troca única com 40 leitores dos 4 cantos do mundo e com fotógrafos de diversas partes do Brasil.

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Série “Confinados” Iandé com Ana Sábia – “Jogo de paciência”

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Continuemos, juntos, nos inspirando, resistindo, respirando, e com esperança na fotografia e na arte.

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Campanha solidária Fotos Pró Rio. Participe você também!

(*foto de capa Nair Benedicto e texto original no site do Iandé aqui)

“Fotos Pró Rio” é o nome da ação solidária criada por grandes nomes da fotografia carioca: o festival de fotografia FotoRio, os espaços culturais Ateliê Oriente, Retrato Espaço Cultural e Galeria Aymoré. Essas instituições se uniram para lançar esse projeto de vendas de fotografias para a cidade do Rio de Janeiro. Além de ajudar os fotógrafos participantes, vítimas latentes dessa pandemia sanitária e política, a campanha também ajudará 3 ONG’S cariocas: Jongo da Serrinha, Solar Meninos de Luz e Redes da Maré.

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Junte-se a essa campanha solidária e linda!
 

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O projeto foi inspirado em outras campanhas solidárias que foram feitas pelo Brasil e pelo mundo (em Bergamo na Itália, por exemplo) para ajudar o combate ao COVID 19. Só para listar algumas campanhas, no Brasil tivemos o “150 fotos por São Paulo”, “150 fotos pela Bahia”, “Fotos por Minas”, POA 150 fotos”, “96 Awery – povos indígenas BA” e ainda em andamento temos “Fotografias pelo Ceará”, “Olhar Potiguar”, “Fotografia que mandaver- AL”, entre tantas outras.  O diferencial do “Fotos Pró Rio” é que os convidados são os curadores e não os artistas. Foram chamados 82 curadores que por sua vez chamaram até 5 artistas cada, totalizando mais de 450 artistas participantes. Cada curador cria sua linha curatorial, convida os artistas, que só podem participar de uma curadoria.

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O lançamento foi feito através de uma live no instagram do projeto, no dia internacional da fotografia, dia 19 de agosto. A live, comandada pela Gabriela Davies, passou pelos diversos organizadores que explicaram todos os detalhes da campanha. Foi mencionada a importância da ação e a beleza em ver juntos mais de 500 curadores, artistas e fotógrafos de várias geracões, culturas e tempo de carreira em prol de uma bela ação. A campanha vai até dia 18 de outubro e conta com a participação de nomes fortes da arte e fotografia brasileira além de novos artistas brasileiros e internacionais como Rosangela Rennó, Ana Bella Geiger, Cabelo, Evandro Teixeira, Walter Firmo, Bob Wolfenson, entre muitos e muitos outros.
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Fernanda Tafner, curadoria Ioana Mello

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Pessoalmente, fico muito feliz de ter sido chamada como curadora e criar uma curadoria que vá de encontro com o trabalho que faço: um diálogo entre culturas. Os artistas que convidei, e que tão gentilmente aceitaram, são Fernada Tafner, Elsa Leydier, Benjamin Travade, Julio Villani e Shinji Nagabe. A sensação é de tentar agir em meio ao caos, reunindo boa arte, novos olhares e uma ação solidária frente a difícil e atual situação. Espero que todos entrem nessa roda solidária ou ciranda de afetos, como disse a fotógrafa Nana Moraes.  *Mais informações e a lista de curadores, artistas e imagens no site fotosprorio.com

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ArtRio 2018

Productrice et créatrice du projet sur la post-photographie dans le cadre des activités de la foire d’art de Rio de Janeiro, ArtRio, à Casa Firjan – un pôle d’innovation technologique et sociale (2018, Rio de Janeiro).

Producer and conceiver of The Post Photography project, part of the extended activities of ArtRio 2018 at Casa Firjan – a hub for technological and social innovation (2018, Casa Firjan, Rio de Janeiro).

Le photographe César Barreto et le directeur de laboratoire photographique Thiago Barros et la commissaire Ioana Mello lors de la table ronde débattant sur l’avenir de la photographie pour ArtRio 2018

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Fotografia e a estética do renascimento

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Muitos fotógrafos contemporâneos adotam uma estética renascentista em suas imagens. O uso de um pano de fundo escuro e simples, uma iluminação discreta e dramática, o efeito “chiaroscuro” são alguns dos efeitos usados para passar a sensação desse período. Além disso, as vestimentas e as cores sobres são usadas para criar uma conexão aos pintores renascentistas holandeses e italianos do século 17.

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A fotógrafa holandesa Suzanne Jongmans é um bom exemplo. A beleza tradicional de suas imagens dramáticas dão lugar, ao observador mais atento, à feiúra da contemporaneidade. Suzanne constrói ela mesma os vestidos e acessórios de seus modelos a partir do nosso lixo cotidiano. Imitando as formas e cores de outrora, até os detalhes do chão, Suzanne transforma suas cenas em momentos irreais. Seu surrealismo imagético nos obriga a confrontar as incoerências do nosso cotidiano .

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@Suzanne Jongmans , kindred spirits

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@Suzanne Jongmans , kindred spirits

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A alemã Rebecca Rütten anda pela mesma temática de Suzanne. Suas naturezas mortas de “fast-foods” nos transportam para os antigos quadros da renascença. Como antes, a fotógrafa contemporânea retrata os hábitos alimentares de sua época. Suas imagens cheias de humor nos alertam justamente para essa enorme diferença.

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@Rebecca Rütten,Contemporary Pieces

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@Rebecca Rütten,Contemporary Pieces

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Termino o texto falando da fotógrafa dinamarquesa Trine Sondergaard. Ligada a cultura de seu país, Trine utiliza verdadeiros bonés de época costurados por mulheres dinamarquesas. Esses bonés eram símbolo de status, uma maneira de independência da mulher e claro, um acessório estético de meados dos anos de 1800. Esses bonés dourados ganham uma nova significação quando fotografados em mulheres contemporâneas. A fotógrafa cria uma ponte entre épocas diferentes, nos colocando face a um estranhamento. Lidamos com a ausência e a inexorabilidade do tempo. Lidamos com a imagem da mulher e seus significados antes e hoje. Apesar da luz e da pose sutil, em homenagem ao renascimento, esse boné hoje não tem mais nem a importância social, nem estética de antigamente, mas nos remete a outras simbologias.

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@ Trine Sondergaard, Guldnakke

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