É preciso falar, mesmo que palavras não sejam ditas

Quando o assunto é estupro, palavras podem ser duras ou difíceis. Tanto pelo lado da vítima, quando pelo lado cultural, muitas vezes não achamos força e expressão para falar sobre a agressão sexual. Os sentimentos fortes, os tabus, os clichês nos calam. Ainda bem que aos poucos os movimentos femininos estão acolhendo as histórias, as lembranças, as denúncias, mas bem aos poucos. A opinião pública no geral ainda ameaça e agride.

 

E o problema é mundial, e atinge milhões de mulheres, vítimas de uma história machista. Não há como ficarmos caladas para sempre, somos muitas, pelo mundo. Temos que quebrar o silêncio, gritar em alto e bom som, pois esse silêncio perpetua a cultura do estupro. É difícil, é doído se expor dessa maneira, para olhares julgadores. Mas podemos fazer isso com imagens também.  Nesses momentos a fotografia é uma boa aliada.

 

“Tem coisas que vimos na infância e adolescência que não conseguimos falar. E no momento que traduzimos essas lembranças no trabalho fotográfico, é como se estivéssemos nos liberando de tudo que guardamos calado dentro de nós”. – Thandiwe Msebenzi

 

Thandiwe Msebenzi, 2017

 

Thandiwe Msebenzi, 2017

 

Thandiwe Msebenzi é uma fotógrafa sul africana que depois de sofrer um estupro iniciou uma catarse pessoal se retratando na série “Você não me vê”. Escondida por um jaqueta masculina – símbolo de seu agressor – não vemos a mulher; mas nessa sociedade machista que tentamos denunciar, em que momento vemos essa mulher? Aos poucos, em contato com outras mulheres e outras histórias, Thandiwe começou a retratar a ferida de cada vítima. E com isso a curar. Imagens sutis que falam muito, como a foto das armas que sua avó guardava embaixo da cama para se proteger.

 

Mouna Saboni é uma fotógrafa franco-marroquina que decidiu agir depois de ler um relatório da Anistia Internacional dizendo que 99% das mulheres egípcias foram vítimas de agressão sexual em 2015. Esse fato aberrante, comumente silenciado pela sociedade que não quer lidar e prefere manter tabu, fez Mouna dar voz e rosto a esses números exemplificados pela ONG. Mesclando texto e imagem, Mouna retrata a mulher, vítima, de maneira melancólica e poética, mas com o nítido resultado de uma realidade brutal.

 

“Eu me lembro bem, era uma noite fria de dezembro. 3 homens me surpreenderam quando eu estava entrando no meu carro. Eles eram policiais.”

 

“Eu não me lembro a última vez que eu andei sozinha na rua.”

 

Mouna Saboni, O Medo, Egito, 2015

 

Mouna Saboni, O Medo, Egito, 2015
Continue Reading

O que você vê?

Sem querer me estender muito, todos já olharam para o lado e tenho certeza que estão percebendo o aumento de intolerância, medo e racismo, no Brasil e no mundo. Em algumas palavras, Inglaterra que vota sua saída da União Europeia, mais um ataque terrorista na Turquia, na França, atentado de Orlando… Enfim, não vou enumerar aqui todas as últimas manchetes.

Mas essas notícias me lembraram uma palestra no MAR – Museu de Arte do Rio – onde alguém falou uma frase sobre os refugiados (tenho que melhorar meus métodos de anotação, não sei mais quem disse isso) .

 

OS REFUGIADOS SÃO CORPOS, E NÃO-IMAGENS.

 

Hoje em dia, a imagem é totalmente e absolutamente visível, transparente. Mais do que isso, hoje somos “vistos” e representados mais por imagens que por corpos. Online e off-line, somos imagens pornográficas que não escondem nada, sem mistérios. Perfeitas, pensadas, posadas e clicadas.

 

tudo precisa acontecer na tela, sob esse dedicado materialismo da visibilidade do mundo.

 

Corpos são sobras, estatísticas, simbolicamente invisíveis.

 

Voltando a nossa frase de efeito, se os refugiados são corpos e não-imagens, eles perdem seus direitos, sua humanidade, pois sem as imagens não existimos no mundo de hoje.

 

Mas existimos.

 

c2a9-omar-imam-_live-love-refugee_-i-was-afraid-when-its-calm

“I was afraid when it was calm, when they checked to see who had passed away and who was injured. I felt safer in the midst of the shelling. I preferred to sing or listen to music when it was calm.” © Omar Imam

 

 

c2a9-omar-imam-live-love-refugee-my-wife-is-blind-i-tell-her-stories

“My wife is blind… I tell her the stories of her favorite TV series and sometimes change the script to create a better atmosphere for her.” © Omar Imam

 

 

Toda as imagens desse post são do fotógrafo sírio Omar Imam, tiradas de refugiados sírios no Líbano, país que conta com mais de 1 milhão de exilados. O link, as imagens e suas histórias são imperdíveis. http://arabdocphotography.org/project/live-love-refugee

Continue Reading