Retrospectiva 2018 !

  

Com alguns dias de atraso, é época de retrospectiva! Primeiramente gostaria de agradecer a todos vocês por mais um ano de diálogo, descobertas e aprendizagem. Pelas andanças e novas parcerias do photolimits, percebo o quanto a imagem está sendo discutida, pensada e questionada. Seja em relação a sua história, a sua importância, ou até a sua identidade. Pensar a imagem se torna cada vez mais crucial, em um mundo onde ela ganha mais força a cada dia. Mais do que isso, em um mundo em transformação – tecnológica, política e social – onde fica claro que a imagem já tem outros parâmetros e códigos. 

  

Olhando para o site nesse ano de 2018, percebo novos olhares, novas descobertas entre fotógrafos, artistas contemporâneos e até arquitetos. Em um belo diálogo estético e filosófico é interessante perceber que três discursos perpassam mais os textos de 2018:

  

  • Ao longo do ano vimos a luta das mulheres para re-escrever uma história da fotografia. Nessa atual, escrita pelo homem dominante, elas foram esquecidas. Vimos também que aos poucos instituições abrem as portas para essa retificação, como o Paris Photo, o Paraty em Foco, entre outros. 

  

Paolo Gasparini,  Venezuela, 1967–68 

  

  • A tecnologia também entrou para mudar as regras do jogo, criando o que chamamos de “pós-fotografia“.  A imagem hoje é marcada pela profunda transformação tecnológica, estética e social, em escala global, que acaba colocando em jogo as noções de realidade, documentação e autoria da mídia fotográfica.

  

  • Vimos também como a fotografia é importante para cria pontes, dialogar, mostrar, sem clichês, outras realidades e outras histórias. Nada mais importante do que ser visto nos dias de hoje, e mostrar o seu lado, o seu ponto de vista. Só assim existimos no mundo de hoje. A fotografia tem um papel importante para desenrolar nesse mundo que cria cada vez mais bolhas e mais muros entre a humanidade.

  

Corine Borgnet, « hidden tank », 2018

  

Fotografia é denúncia e resistência

  

Finalmente as parcerias e colaborações aumentaram. Além do ano feminino no blog da Editora Subversos, dialogamos com os colunistas e fotógrafos do Ateliê Oriente e iniciamos os posts em francês aqui e na plataforma cultural Iandé. Desejo um ótimo início de ano para todos e que 2019 venha cheio de inspiração, encontros e boas discussões. Obrigada.

Continue Reading

Shinji Nagabe, a alteridade na imagem.

Falar do trabalho de um amigo é difícil demais. Não sabia até começar esse post. Ainda mais quando esse trabalho é sutilmente elaborado, de maneira forte, eficaz e esteticamente arrebatador. E quando esse tal amigo, chamado Shinji Nagabe, ainda dialoga com duas culturas diferentes. Brasileiro, paulistano de família originária do Japão, Shinji cresceu entre dois pilares culturais.

 

Eu o conheci na época do Prêmio Gávea de Fotografia, em 2016, quando ele ganhou na categoria “imersão fotográfica”. O prêmio consistia em passar 10 dias viajando por Alagoas com o curador Marcelo Campos. Foram 5 cidades visitadas e 750km percorridos pelo estado, onde Shinji desenvolvendo uma nova série. Essa série, Imersão, colocava em cena o desenvolvimento do estado e seu crescimento sócio- econômico ligado ao açúcar. Também desvelava suas paisagens. Mas o foco principal sempre foi sobretudo o ser humano. Mesmo sem mostrar o olhar das pessoas, Shinji representa o humano e toda sua complexidade identitária cultural. Em seu trabalho, Shinji não precisa escancarar os rostos para perpassar a história daquela pessoa, ou daquele povo. Ele o faz de forma sutil mas não menos imponente.

 

Shinji Nagabe, Pescador Dourado, Imersão, 2016

 

Shinji Nagabe, Mulher chora açucar, Imersão, 2016

 

Contra uma crença bastante difundida, a fotografia não é um meio transparente de ver. Configura diferentes pontos de vista envolvidos no mundo.

 

De seus rostos escondidos, sufocados até pela realidade, pela história, pelo cultura, transparecem cenas imaginárias. Além disso, com a ajuda de acessórios ele cria fantasias: chuva de açúcar, guerreiros de capa dourada ou máscara prateada, lanças de cana de açúcar… Porém, para mim, esse primeiro olhar imaginário logo é suplantado pela realidade nua e crua que escancara, em suas imagens, a história humana. Uma história cheia de angústias, frustrações e sonhos. Na série “Imersão” vemos a história dos povoados de Alagoas, sua colonização através do açúcar e seu caminho ao esquecimento. Surgem questionamentos ao redor da construção de identidade dessas pessoas, suas raízes, sua cultura comum e sua realidade. Contudo, são retratos pensados de maneira discreta, doce e lúdica. Talvez à maneira japonesa.

 

Suas cores fortes, e os detalhes pensados junto com as pessoas de cada região, são mais obviamente ligados à cultura brasileira. Vemos dourados que refletem a luz do sol, ou a água dos rios, laranjas, flores fluorescentes, paredes coloridas. Os retratos de Shinji, e seus adereços, abrem um diálogo para além do retratado. Falam tanto do fotografado quanto do artista e sua origem bi-cultural. E falam também do observador, perpassando conceitos, histórias, relações e tempo.

 

Shinji Nagabe, Elevacão, 2015

 

Talvez por causa de sua bagagem oriental, talvez por suas influências ocidentais, sua trajetória pessoal, ou um pouco de tudo isso junto, Shinji problematize no seu trabalho fotográfico inúmeras questões que vão além da fotografia. Permeando a filosofia, a realidade, a religiosidade, a história, a identidade, ele nos leva a explorar outros alicerces da imagem fotográfica. A fotografia é uma linguagem e como tal constrói representações e comunica, transformando a realidade e sendo por ela transformada. O olhar fotográfico, a partir de Shinji, pode nos levar a novas possibilidades de pensar e perceber a nós mesmos.

 

“Não é, em última instância, uma imagem de algo, mas é antes uma fotografia impossível – a fotografia de uma idéia”. – Kerry Brougher 

 

Hoje Shinji vive na Europa, sendo um estrangeiro inserido em outra cultura. Dizem na psicologia que é somente diante do outro que reconhecemos nossa identidade. Talvez esse seja o processo pelo qual Shinji passou e passa. Foi preciso para ele se perder no outro, para então se voltar para si e procurar entender a sua origem. E sua origem nos perpassa.

 

Shinji Nagabe, Purificação, 2016

Shinji Nagabe, Respiração, 2016

 

*A exposição do prêmio Maison Blanche, ganho por Shinji Nagabe este ano de 2018, acaba dia 09 de novembro em Marseille. Endereço: 150 Boulevard Paul Claudel, Marseille.

Continue Reading

A fotografia e algumas representações de mães

Essa semana começou com o dia das mães. Em homenagem, gostaria de falar de dois fotógrafos brasileiros que registraram mães e ganharam o prêmio de fotografia da Aliança Francesa do ano de 2017, do qual fiz parte do júri.

 

Gustavo Minas é mais conhecido como fotógrafo de rua. Tem um belo ensaio sobre sua cidade natal de Cássia, em Minas, além de outros, conhecidos, como um sobre a rodoviária de Brasília ou outro sobre Havana. Talvez por ter esse olhar mais urbano, gráfico e atento aos detalhes que aparecem (e desaparecem) rapidamente na cidade, o ensaio de Gustavo, “O Parto”, sobre o nascimento de sua primeira filha, seja tão original. Sendo o pai, Gustavo é parte integrante de seu próprio tema, porém ele consegue mostrar beleza e amor sem cair no clichê das imagens tradicionais de parto. Sua iluminação natural é suave, com reflexos que aumentam as nuanças e valorizam o tema com mais naturalidade.

 

A fotografia de rua é um campo solitário, de observação e paciência. Visto que o parto de sua filha Violeta durou quase 20 horas, e foi em casa, Gustavo achou através da fotografia um lugar para viver esse momento tão feminino e o seu papel de pai, que na hora do parto acaba sendo secundário e um tanto solitário. A camera o permitiu ultrapassar a ansiedade da espera e se fazer presente.

 

“A fotografia é indispensável, como uma forma de meditação”. – Gustavo Minas

 

Gustavo Minas, O Parto

 

Gustavo Minas, O Parto

 

Gustavo Minas, O Parto

 

Ana Sabiá é uma fotógrafa do sul do Brasil, ganhadora do segundo lugar do prêmio Web Photo 2017 com a série sobre mães posando com seus filhos, “Madonnas Contemporâneas”. Estudante de doutorado, suas imagens trabalham lado a lado à uma reflexão filosófica sobre a maternidade e seus símbolos. Independente do contexto intelectual das imagens, e para além dele, Ana representa suas mães e filhos em ambientes familiares, emoldurados com um varal de roupas, e banhados com uma luz suave e complacente. Suas madonas são mulheres atuais, com roupas do dia -a -dia, sem grandes produções, que de uma certa maneira nos remetem aos quadros antigos que retratavam a Madona bíblica. Mas, nós sabemos que, desde “Like a Virgin”, as madonas não são mais virgens, mas mulheres reais, numa luta diária de descobrimento. Meu adendo a esta série é a falta de diversidade. Feita em 2012/13, ela tinha tudo para se expandir para além do universo familiar da artista e mostrar outras madonas do sul ao norte do Brasil.

 

A Madonna – como símbolo artístico de mãe perfeita e amor incondicional – é justificada como uma impossibilidade concreta na vivência cotidiana. – Ana Sabiá

 

Ana Sabiá, Madonnas Contemporâneas, 2012-13

 

Ana Sabiá, Madonnas Contemporâneas, 2012-13

Continue Reading

O dia do índio e a fotografia humanista entre Rio de Janeiro, Amazônia e Montevidéu

Fui me aproximando, através de vários textos lidos nos últimos dias, da fotografia, e escola, humanista que o fotógrafo João Roberto Ripper iniciou no Rio de Janeiro. Já comentei um pouco sobre ele aqui, contando sobre seu pioneirismo e importância na formação de inúmeros fotógrafos na Escola de Fotógrafos Populares (EFP), fundada em 2004 na comunidade da Maré. Mais ainda, sua relevância em destacar o olhar de dentro para fora da comunidade: um olhar pensado, estudado, independente e poderoso. O fotógrafo Luiz Baltar, antigo aluno de Ripper, conta aqui como a EFP estruturou toda uma geração de fotógrafos e aumentou suas vozes e seus limites para além das comunidades, trazendo a possibilidade de um outro discurso diferente do propagado pelas grandes mídias.

 

Paralelamente, dia 19 de abril foi o dia do índio e Ana Mendes, uma antiga colega de trabalho, abriu sua exposição no Centro de Fotografia de Montevidéu . O que isso tudo tem haver? Bom Ana Mendes foi aluna e trabalhou com o Ripper durante muito tempo, e sua exposição recém inaugurada, Mantenho o que disse, trás sessenta fotografias dela e do uruguaio Pablo Albarenga sobre os indígenas Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul. Ana documenta há três anos os conflitos que existem na região, inclusive participando de vários documentários como O massacre de Caarapó, Pés de Anta, as cineastas Munduruku e Foi Veneno sobre a dispersão criminosa de agrotóxicos por fazendeiros nas terras indígenas.

 

Eu fotografo um indígena do mesmo jeito que fotografo minha família, com amor. – Ana Mendes

 

Ana Mendes, Caarapó

 

Mantenho o que disse é uma exposição humanista que denuncia e cria empatia ao mostrar um olhar próximo do objeto fotografado. Os indígenas não são meros temas polêmicos usados para criarem um alvoroço midiático. Aqui os fotógrafos se relacionam com seus pares, olham com cuidado e carinho. Sem contudo deixarem de fazer uma (ótima) fotografia documental de denúncia social, na pegada do mestre João Roberto Ripper que tem uma atuação nesse campo extremamente relevante. Ripper retratou a realidade diversa brasileira fotografando quilombolas, pescadores, indígenas… Com Ana Mendes trabalhou pelo interior de Minas e do Maranhão no projeto Fotografando povos tradicionais sobre os habitantes da margem direita do Rio São Francisco.

 O fim do mundo para os indígenas começou em 1500. – Eduardo Viveiro de Castro

 

Dentro dessa enorme documentação, que continua em andamento, diz Ana em uma entrevista, a exposição decide confrontar imagem e palavra. Mais detalhadamente, imagens dos conflitos e do dia-a-dia dos indígenas e palavras ditas e veiculadas na mídia por políticos brasileiros. É um confronto ainda maior e mais brutal: entre os que tem vozes e poder e os que quase nada tem. Os fotógrafos denunciam o racismo, o pouco caso, o preconceito e a discriminação que os indígenas sofrem e lidam em nossa sociedade. Pois cada frase dita é espalhada em toda a população. Mostram também como a mídia independente é um espaço importante de diálogo: para se debater ideias e políticas com mais respeito e igualdade.

 

Ana Mendes

 

Ganhará o direito à mineração aquele que pagar mais à comunidade indígena. Haverá uma licitação. – Romero Jucá, Congresso Nacional, 2012

 

Pablo Albarenga, massacre de Caarapó

*Mantenho o que disse de Ana Mendes e Pablo Albarenga fica em cartaz até junho de 2018 no CDF em Montevidéu.

Continue Reading

Entre visão e cegueira nos dias de hoje

A fotografia é a arte do olhar. Como o olho humano, a câmera fotográfica trabalha fundamentalmente da mesma maneira, ou seja, como uma câmara escura que apreende a energia luminosa, de acordo com algumas características técnicas, formando em seu interior uma imagem. O olho humano possui exatamente a mesma função, formando imagens a partir da luz e transmitindo-as através de impulsos ao cérebro. Por outro lado, assim como a fotografia, o olho humano recorta do mundo a sua visão pessoal e escolhe mostrar a sua edição subjetiva.

 

Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara – José Saramago

 

Fazendo um paralelo, a fotografia pode nos ensinar muito sobre a visão; essa que é um dos cinco sentidos do ser humano responsável por aprimorar a nossa percepção do mundo. Entre semelhanças e diferenças, o olhar fotográfico também pode nos levar a novas possibilidades de pensar e perceber o mundo, e a nós mesmos. Mas temos que olhar. Não basta querer enxergar com o olho esquerdo ou o direito, tem que abrir bem os dois olhos e observar ao redor.

 

O filósofo francês Gilles Deleuze considerava a nossa sociedade como a “civilização do clichê”, por um lado, porque as imagens em excesso produzidas hoje provocam uma banalização do que vemos e com isso não enxergamos mais e, por outro lado, pelo interesse político e econômico do poder constituído em distorcer o corpo imagético propagado. Nesses casos, a imagem deixa de ser visão para se transformar em instrumento de cegueira.

 

De repente, a realidade tornou-se indiferenciada a sua volta. – José Saramago

 

Mas arte não é cegueira. Fotografia é liberdade e reconciliação. É superar medos e abrir caminhos. A fotografia nos ajuda a tirar os óculos escuros e enxergar. É uma maneira de resistir, mostrando outros caminhos possíveis, outras realidades, e assim abrindo paradigmas. A arte coloca o dedo na ferida, questiona, faz mal, mas indica como podemos ser melhores do que somos hoje. Acredito que a fotografia orienta nosso olhar para quem não está nas redes sociais, para quem não tem espaço ou possa se retratar. A fotografia pode indicar a mudança, pode esclarecer a empatia, pode resistir e lutar.

 

O medo cega, disse a rapariga de óculos escuros. São palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegamos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos. – José Saramago

 

Paulo Marcos Lima, 2018

 

Ana Carolina Fernandes, 2018

 

Ana Carolina Fernandes, 2018

 

Nana Moraes, 2018

 

Continue Reading