Juventude, liberdade e falta de consciência fotográfica

A fotografia mudou muito depois do sucesso das mídias sociais. Sobretudo com o instagram, inúmeros jovens e movimentos fotográficos – como o #pornfood ou o #pornruin – surgiram e se expandiram graças a força de propaganda desses meios de comunicação.

 

Mais do que a camera digital, o celular e a mídia social democratizaram a fotografia e a tornaram tão popular que quase qualquer um pode captar uma boa foto com tantas opções de câmeras a todos os preços e para todos os gostos e capacidades. Democratizaram também a exposição, com acesso rápido e mundial ao alcance de todos. É uma enorme sensação de liberdade. Isso tem um lado obviamente maravilhoso de acesso à cultura imagética e de voz e visão a muito mais pessoas, mas também causa algumas anomalias, como criar grupos fechados que monologam entre si.

 

Estive mês passado na abertura da exposição Swin at your own Risk do fotógrafo francês Thibault Lévêque na galeria Fisheye, em Paris. Me surpreendi com a uniformidade do público do evento (que em outras aberturas era mais heterogêneo): jovens, tatuados, fashion, elegantes – o que há de mais trendy. Me surpreendi também como artista e público se pareciam a ponto de se replicarem.

 

Thibault Lévêque

 

Thibault faz parte de um grupo de fotógrafos iniciantes franceses que conseguiu traduzir os modismos e expectativas dessa nova geração fotográfica “instagram”. Jovens, dinâmicos, com imagens simples, cotidianas, de fundo natural, onde todos podem se encontrar e se reconhecer, Thibault Lévêque, Théo Gosselin e Sidi Omar Alami, entre outros, se assemelham do vasto público que digere suas fotos cotidianamente através de curtidas e comentários. Com essa plataforma global, que a nova geração sabe usar tão bem, ganharam livros, exposições, comandas e espaço nas mídias impressas. Mas passando de uma conta instagram para outra, o que vemos são poucas diferenças entre os fotógrafos: temos sempre a mesma luz, a mesma busca por uma sensação de liberdade, de saúde e de beleza fácil demais.

 

Thibault Lévêque

São imagens de amigos, namoradas, viagens, detalhes de uma vida glamurosa e invejável, de um ideal de juventude e liberdade que mais parece um conto de fadas contemporâneo. Uma vida inatingível para a maioria de seus seguidores, eu diria que quase para os próprios fotógrafos, e por isso mesmo tão seguida nas mídias sociais. Uma fuga, fútil, sem embasamento, um modismo passageiro e bonito que tenta ser diferente e original, mas que não passa de um álbum digital de amigos brancos. Tentam ser apenas felizes, sem consequências, para além do sistema, mas não percebem, ou não querem perceber, que endossam cada modismo consumista do capitalismo selvagem. Mais do que isso, endossam preconceitos e regalias.

Aqui o exemplo é de um grupo de fotógrafos franceses, mas eles podiam ser americanos ou brasileiros, existe esse mesmo tipo de grupo, com os mesmos preceitos e ideais que se espalham por toda parte.

 

Théo Gosselin

 

Sidi Omar Alami
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Cindy Sherman e o instagram

Já falamos da Cindy Sherman aqui no blog. Fotógrafa americana que iniciou a carreira nos anos 70 e ainda está em atividade, Sherman é mais conhecida por seus auto-retratos conceituais extremamente críticos da sociedade, que chamam atenção para o papel da mulher na mídia, e da mulher diante do olhar masculino. Ela tem séries ícones como suas representações de still de cinema, onde ela se retrata sozinha em estúdio, quase irreconhecível maquiada e fantasiada, como uma estrela de alguma cena de cinema em preto e branco.

 

Cindy Sherman, Untitled Film still #81, 1980

 

Apontando a câmera para si mesma, Cindy Sherman assume o papel da mocinha de Hollywood e com isso tenta chamar a atenção do público para inúmeras questões, como a poderosa maquinaria da fantasia e da maquiagem que esconde as imagens que circulam em nossa insana cultura de massa do “conectado”. Ou ainda, o desejo sexual e a dominação, a modelagem de uma auto-identidade de acordo com a cultura de massa, essas são algumas críticas da extensa série de autorretratos de Sherman. O trabalho de Sherman é uma conversa direta com a nossa sociedade de consumo intenso e de proliferação da imagem.

 

Sendo assim, nada mais óbvio do que encontrarmos essa fotógrafa na nova mídia social de predileção do mercado de arte: o instagram. Diferente de seu extenso cuidado com as fotos em estúdio, o instagram de Sherman é mais simples, com imagens do dia a dia, banais, e muitos efeitos dos aplicativos de celular Facetune e Perfect365. Usando de muito exagero, Sherman afirma em sua conta online que nunca somos nós em nossos selfies. Os papéis, os personagens e as aparências que tomamos nas mídias sociais somos nós mesmos que impomos e realizamos, nos transformando. Mas a maior ironia disso tudo é que nem percebemos. E os disfarces mais perigosos são os sorrisos forçados, as bocas falsificadas que agora proliferam nas mídias sociais, muitas vezes aumentadas em cirurgias exageradamente reais. 

 

Cindy Sherman, Instagram, 2017

 

As imagens são brincadeiras com a própria mídia, com sua rapidez e praticidade, sendo assim não tem a mesma dedicação que seus trabalhos anteriores. Nem sei se podemos chamar a conta do instagram de Sherman de trabalhos, talvez de estudos, ou performances. Como toda mídia social, ela também posta obras de exposições que visita, ambientes aleatórios, enfim, toques de sua vida pessoal. (o instagram me) “Parece tão vulgar”, disse Sherman em uma entrevista. De uma certa maneira, diria que ela mudou de idéia, porém, por outro lado, algo de seu julgamento inicial perdura em seus selfies distorcidos e grotescos.

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Outros discursos: imagens de dentro da Coréia do Norte

Já comentei em alguns posts anteriores dos perigos de uma história única. Inclusive, já compartilhei o link da palestra TED da escritora Chimamanda Ngozi Adichie sobre a importância de se dar voz a outras culturas, outros povos, outros cotidianos, outras histórias. Só assim poderemos conhecer o outro e ver que não somos tão diferentes, possibilitando uma certa empatia e aproximação. E com isso, diminuindo a ignorância e o medo.

 

A fotografia, com imagens do cotidiano do mundo, pode ser uma ferramenta incrível de aproximação e divulgação de outras histórias. Sobretudo quando feita de dentro, sem clichês e estereótipos.

 

Nesse contexto, descobri através da revista Zum, o trabalho do fotógrafo David Guttenfelder. Fotojornalista, ganhador de vários prêmios como o World Press Photo Award e o ICP Infinity Prize, partidário da fotografia captada pelos celulares e mídias socias, David criou um projeto para aproximar a Coréia do Norte do resto do mundo. Através da conta instagram Everyday DPRK, fotógrafos locais e estrangeiros com acesso ao fechado país da Coréia do Norte podem divulgar o cotidiano e a cultura de um lugar longínquo e quase mítico para a maioria das pessoas.  

 

 

São diferentes pratos de comida, colegiais indo estudar, uma sala de estar, um jovem frente ao computador, passantes, carros, detalhes de um cotidiano banal, mas interessante, de um país extremamente censurado ao leste da Ásia. A Coréia do Norte é oficialmente socialista, porém é mais conhecida por ser uni-partidária, extremamente militarizada, isolada, totalitarista, governada por políticos ditatoriais severos. Ou seja, um país de pouco acesso à maioria, tanto fisicamente, quanto por imagens e textos.

 

Everyday DPRK abre uma fresta para podermos observar pela porta de entrada e olhar outras verdades sobre a Coréia do Norte, outros discursos, outras histórias. É uma abertura na história única, oficial e muitas vezes censurada de um país trancado. É uma fenda para nos aproximarmos.

 

 

*todas as fotos do post são tiradas da conta instagram Everyday DPRK

 

 

 

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Fotografia de comida, #Pornfood

Comer não é um hábito solitário. Muito pelo contrário, comer, na nossa sociedade, une as pessoas. O fogo, quando descoberto, propiciou a socialização, e hoje, ao redor da mesa, continuamos socializando. Em todo tipo de evento, dividimos as refeições.

 

A comida sempre esteve muito ligada a cerimônias religiosas, rituais de passagem, onde valores culturais são transmitidos e relações afetivas reforçadas. A comida é mais do que apenas um alimento para sobreviver, a comida é também um abraço, um carinho, um conforto, um prazer. Comemos para celebrar, chorar, fechar um negócio…

 

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As representações da comida, ao longo da história, sempre abrangeram um conjunto de interpretações, ideias, símbolos e comportamentos de diferentes grupos e pessoas.

 

A comida gera significado cultural e social.

 

No mundo online de hoje, nada mais normal que a representação da comida seja popular entre todos os usuários da internet. Comer tem uma representação simbólica que todos querem transmitir. Além disso, comida é meio de prazer e desejo. Ou seja, as fotos de comida no web estão muito relacionadas a uma transmissão dessas emoções, e também, claro, de status, sucesso, riqueza e exotismo.

 

Mas há quem torça o nariz.

 

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Desde as grandes pinturas renascentistas, no século XV, os grandes banquetes e seus pratos já eram representados na mídia disponível da época, a pintura. E todos com “filtros” de luz e cor para dar um ar mais apetitoso. Um estudo feito pela universidade de Cornell – 500 anos de #pornfood – mostra que em 500 anos de representação gastronômica sempre foi a comida mais cara e mais exótica a mais retratada. São o aspagos, a lagosta, o camarão, o abacaxi (fruta exótica para as terras europeias da Renascença) que se aglomeravam nos pratos pintados de nossos antepassados. Nada da comida rotineira do cidadão comum, como o frango e a batata, mas refeições que transmitiam símbolos sociais e status econômico. Muito parecido com as fotos e # do nosso atual instagram. Entre os pratos do alex attala ou as fotos de frutos do mar e drinks extravagantes na praia, não estamos tão distantes dos pintores renascentistas.

 

Não somos mais narcisistas, fúteis ou extremistas. A representação da comida, e toda a simbologia que a acompanha faz parte da nossa história.

 

 

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