Li uma reportagem recente na revista Zum que falava, na minha interpretação, de uma fotografia que cria vida. Essas expressões logo me empolgaram pois sempre defendi uma fotografia que não apenas registra e mobiliza o instante mas que, sobretudo, cria e comunica; entorna para além dos limites do visor e do instante.
A reportagem fala muito de imagem e tecnologia, imagens que hoje não tem o olhar humano por trás e que criam novos entendimentos, novos caminhos e mundos. Estamos falando das imagens do google, de satélites, de câmeras de segurança, que enquadram o mundo a partir de uma visão totalmente mecânica mas que não por isso deixam de mostrar outros olhares interessantes sobre o mundo, como os fotógrafos.
Não querendo estender essa discussão, a professora Joanna Zylinska debate muito melhor sobre suas ideias na reportagem, fiquei pensando na questão da fotografia criar vida, em oposição aos termos que explicam a fotografia como uma mídia que mata, corta e retira. A fotografia cria, acrescenta e desvela.
“Apesar da questão da memória na fotografia ser sem dúvida relevante, eu sinto que alguma coisa se perdeu com essa monumentalização unilateral.” – Joanna Zylinska
A vida seria um prolongamento contínuo do passado no presente que penetra no futuro, um fluxo substancial do espírito, uma realidade movente, una e simples. Pulsação. A fotografia é isso. O instante fotográfico é uma miragem pois é impossível retirar um ponto singular do fluxo temporal.
O teórico brasileiro e estudioso da linguagem fotográfica Maurício Lissovsky acredita que o instante pode, sim, ser fluxo de vida e tempo. A estética da foto, segundo Lissovsky, está entre o olhar do fotógrafo e o dedo que aperta o botão. É essa brecha – que ele chama de espera – que vai realmente significar a imagem fotográfica. Ou seja, graças a essa espera entre o olhar e o apertar, o fotógrafo retira a imobilidade da foto e a faz imergir no tempo, transformando-a em criação viva e parte ativa dos movimentos do tempo. A fotografia não interrompe a duração e o movimento, como acreditamos, ela não vem de fora, clica a imagem e prende o tempo dentro dela, mumificando-o. Ela vem de dentro, é imanente. Seria a teoria imanente do instante, como pontua o próprio Maurício, onde o instante é algo que nos acontece interiormente e não algo exterior, que rompe e imobiliza.
“A fotografia como tal permanece refém da noção de uma instantaneidade artificial que se abate sobre o tempo e a duração como a guilhotina do carrasco arranca a vida do condenado. Nada poderia ser mais enganoso.” – Maurício Lissovsky