Fotografia e vida

Li uma reportagem recente na revista Zum que falava, na minha interpretação, de uma fotografia que cria vida. Essas expressões logo me empolgaram pois sempre defendi uma fotografia que não apenas registra e mobiliza o instante mas que, sobretudo, cria e comunica; entorna para além dos limites do visor e do instante.

 

A reportagem fala muito de imagem e tecnologia, imagens que hoje não tem o olhar humano por trás e que criam novos entendimentos, novos caminhos e mundos. Estamos falando das imagens do google, de satélites, de câmeras de segurança, que enquadram o mundo a partir de uma visão totalmente mecânica mas que não por isso deixam de mostrar outros olhares interessantes sobre o mundo, como os fotógrafos.

 

Doug Rickard

 

Não querendo estender essa discussão, a professora Joanna Zylinska debate muito melhor sobre suas ideias na reportagem, fiquei pensando na questão da fotografia criar vida, em oposição aos termos que explicam a fotografia como uma mídia que mata, corta e retira. A fotografia cria, acrescenta e desvela.

 

“Apesar da questão da memória na fotografia ser sem dúvida relevante, eu sinto que alguma coisa se perdeu com essa monumentalização unilateral.” – Joanna Zylinska

 

A vida seria um prolongamento contínuo do passado no presente que penetra no futuro, um fluxo substancial do espírito, uma realidade movente, una e simples. Pulsação. A fotografia é isso. O instante fotográfico é uma miragem pois é impossível retirar um ponto singular do fluxo temporal.

 

Storm in a Teacup, Mark Murphy, 2016

 

O teórico brasileiro e estudioso da linguagem fotográfica Maurício Lissovsky acredita que o instante pode, sim, ser fluxo de vida e tempo. A estética da foto, segundo Lissovsky, está entre o olhar do fotógrafo e o dedo que aperta o botão. É essa brecha – que ele chama de espera – que vai realmente significar a imagem fotográfica. Ou seja, graças a essa espera entre o olhar e o apertar, o fotógrafo retira a imobilidade da foto e a faz imergir no tempo, transformando-a em criação viva e parte ativa dos movimentos do tempo. A fotografia não interrompe a duração e o movimento, como acreditamos, ela não vem de fora, clica a imagem e prende o tempo dentro dela, mumificando-o. Ela vem de dentro, é imanente. Seria a teoria imanente do instante, como pontua o próprio Maurício, onde o instante é algo que nos acontece interiormente e não algo exterior, que rompe e imobiliza.

 

“A fotografia como tal permanece refém da noção de uma instantaneidade artificial que se abate sobre o tempo e a duração como a guilhotina do carrasco arranca a vida do condenado. Nada poderia ser mais enganoso.” – Maurício Lissovsky

 

 

Continue Reading

Fotografia, cinema e seus instantes

A partir da exposição de Arthur Omar, vista e comentada aqui no blog (http://photolimits.com/exposicao/entre-sem-bater/), fiquei pensando nos limites entre fotografia e cinema.

 

O famoso teórico da fotografia, Roland Barthes em seu livro A Câmara Clara, diz que a fotografia não pode negar seu referente, essa é a essência da fotografia. Para Barthes, temos sempre essa certeza fotográfica, daquilo que foi. Porém, ele mesmo diz que o cinema não é a fotografia melhorada. Pelo contrário, apesar de derivar da fotografia, o cinema difere em sua essência. Na foto o referente se pôs diante da câmara e aí permaneceu para sempre, no cinema o referente passou diante da câmara, fechamos os olhos e não o vemos mais, já é outra imagem, outro referente.

 

Barthes diz que a fotografia é imóvel e que fixa o instante. Diria porém que a fotografia mesmo imóvel não tem seu instante fixo e parado.

 

ARLMSC1690

 

Para produzir o filme, todo instante se sucede de modo determinado e orientado. O instantâneo cinematográfico não existe sozinho, ele obrigatoriamente está ligado por outros instantâneos que o precedem e o sucedem. O tempo cinematográfico seria matemático e técnico, ligado à sucessão, à orientação e à irreversibilidade. A fotografia, diferente do cinema, é o instante em si e não uma progressão de fotogramas que se sucedem.

 

O instante fotográfico, é só ele, ligado a um tempo subjetivo e a uma experiência individual. Assim, podemos dizer que, esse instante fotográfico estaria mais ligado ao tempo qualitativo e não mensurável. A fotografia não funciona como um instante qualquer assim como o fotograma, ela refaz a duração dentro dela mesmo, em apenas uma imagem. “Assiste–se a um filme, mergulha–se numa fotografia”, diz o teórico brasileiro e professor da Unicamp, Etienne Samain.

 

CREWD-2001-ed.-10-Untitled-Ophelia-1024x817

A fotografia não se estrutura por um começo, meio e fim, ela é um livre ir e vir.

 

Diferente da imobilidade do fotograma extraído da totalidade móvel do cinema, a fotografia é o seu instante, que apresenta a própria infinitude da duração em seu interior.

Continue Reading