Entre a Bretanha e Floripa

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Em sua terceira edição, o festival BZH PHOTO, criado pela curadora Camille Gajate, se propõe a criar um diálogo entre olhares. A cada ano, um.a fotógrafo.a de alguma região litorânea faz uma residência de 20 dias no norte da Bretanha, na cidade de Loguivy de la mer, na França. O resultado da residência é exposto no porto da cidade, ao ar livre, em pleno diálogo com a paisagem, a cultura local e o público que passa. Aliás, o festival é feito com o público, os moradores da cidade, em um belo exemplo de coletividade. A pequena cidade costeira vira um museu a céu aberto, e a programação ainda conta com projeç˜ões noturnas pela cidade além de aparições em outros festivais.

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Esse ano o festival recebeu a fotógrafa brasileira Fernanda Tafner que trouxe referências da terrinha para criar a série “Songe”. Segunda a curadora e diretora artística do festival Camille Gajate,

“com uma poesia própria, misturando tons de cinza, a fotógrafa distancia seus temas da realidade, estimula nossa imaginação e oferece a todos a possibilidade de reconstruir com ela esse território que nos cerca. Em sua nova série “Songe”, Fernanda nos convida a sonhar”.

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Originária de Florianópolis, Fernanda tem um processo muito sensível de fotografar. Ela se prepara teoricamente antes do ato fotográfico em si, buscando inspiração na poesia, artes plásticas, literatura, desenho, etc. Seus cadernos de anotação são obras em si. Para a residência do BZH PHOTO, Fernanda buscou inspiração em artistas brasileiros que trabalham a arte misturada à vida e à natureza como Helio Oiticica, Ligia Clark e o italiano Giuseppe Penone.

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Fernanda é muito ligada aos detalhes, nos pequenos gestos que abarcam maiores e mais profundos significados. Para o festival, ela trabalhou também os tons – do P&B aos tons azuis e avermelhados – talvez numa relação sensível ao visual de sua estadia na região.

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Tive o prazer de participar do último fim de semana do festival, depois de 2 meses de duração. No meu segundo ano de visitação, continuo maravilhada com a paisagem e com as imagens que se mesclam aos barcos atracados e ao vento que sopra forte na região. O sistema de montagem é todo pensado para haver a maior interação possível entre natureza e arte, inclusive com uma foto exposta dentro da água. E continuo a me espantar, bobamente, como os olhares podem ser tão diferentes. Comparo as imagens de Fernanda com o fotógrafo sueco, Martin Langen, que expôs ano passado, e teço minhas comparações subjetivas. É incrível ver como esses diálogos entre culturas s˜ão interessantes e frutíferos.

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Fotografia e materialidade, sobre o Salon Approche

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Fora de época, por causa da Covid, o Salon Approche 2020 aconteceu finalmente em maio 2021 em 3 galerias parisienses. Criado por duas jovens mulheres, Emilie Genuardi e Elsa Janssen, o salão se define como um lugar dedicado à experimentação da mídia fotográfica. Em sua quarta edição, a crítica de arte e curadora Léa Chauvel-Lévy e o curador Tristan Lund privilegiaram a relação da fotografia com a arte contemporânea e convidaram 17 artistas de vários países e gerações (sempre representados por uma galeria) para exporem.

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Foi muito interessante sair de um período de confinamento e cair no meio das exposições do Approche. Depois de passar mais de ano vendo imagens planas no mundo virtual, foi incrível reiniciar o presencial com trabalhos tão ligados à matéria. Ver texturas, reflexos, jogos de planos e de materiais ao vivo, foi uma experiência quase única. Apesar do meu amor pelo online, não existe relação mais gostosa do que a proximidade com a obra. E com os artistas!

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Um dos trabalhos expostos era a série Zilberbeek (Silver Creek) do jovem fotógrafo belga Lucas Leffler, exposto pela Galerie Intervalle. Uma grande experimentação fotográfica feita a partir da lama deste tal riacho de prata. A história começa em 1927, quando descobrem toneladas de prata descartadas nesse riacho belga por uma fábrica que produzia para Kodak e Fuji. Lucas descobriu um antigo artigo de jornal da época e resolveu visitar o lugar. Além de fotografar o cenário e o entorno do rio, Lucas resolve ele mesmo extrair a lama e imprimir imagens nesse suporte.

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imagens do site de Lucas Leffler
imagens do site de Lucas Leffler

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“Lucas Leffler amplia suas possibilidades plásticas indo além da fotografia plana. Ele experimenta como uma tentativa de reativar uma materialidade perdida, de restabelecer um processo de trabalho físico em torno da imagem fotográfica ou de criar relações entre sistemas de reprodução analógica e digital e entre a fotografia e a pintura. O artista, aliás, produz imagens únicas, não reproduzíveis”, relata o curador belga François de Cuninck.

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Para o querido fotógrafo Luiz Baltar, o trabalho de Lucas se desdobra em outras questões, como a dos acúmulos e apagamentos na paisagem contemporânea. Eu gosto da ideia de ter uma imagem contemporânea impressa em um tanto de lama artesanal, que carrega acúmulos naturais e também da própria história da fotografia.

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Cultura e Pandemia

Como ficará a cultura depois dessa pandemia?

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Não me atrevo a responder essa pergunta, com certeza mudaremos muito. Mas tenho feito algumas observações sobre cultura em tempos de pandemia. Pequenos pensamentos que senti vontade de colocar por escrito.

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Urbe, José Roberto Bassul

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Primeiramente, a fotografia e a cultura são mais do que meu trabalho e ganha pão, são as minhas paixões na vida. Ver exposições, descobrir novos trabalhos fotográficos, abrir um livro de fotografia me dá energia. E vai além, me equilibra e me acalma. Mas e agora, José, o que fazer durante essa pandemia? Ficou tão mais difícil achar meios e caminhos para se energizar.

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Algumas galerias, de vez em quando, conseguem uma brecha e permanecem abertas, resultando em pequenas ilhas de acolhimento em meio a tanto isolamento social. Os livros de fotografia também, a duras penas, conseguem viajar mais do que a gente e aterrissam direto na minha mesa de cabeceira. Aí é quase como vacina: uma espécie de cura em dose única.

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Livro de fotografia “Deus também descansa” de Bruno Bou Haya

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A parte financeira também está difícil. Menos trabalho para os fotógrafos, menos possibilidades de sair na rua, montar equipe… e menos opções de curadoria também! Como alavancar projetos e patrocínios nesse momento que festivais são cancelados, exposições fecham, feiras acontecem online e o dinheiro é escasso? A instabilidade é muito grande.

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Mas tenho visto muito gente aproveitando essa pausa (ou falta de: dinheiro e opção) para rever arquivos, retomar antigos projetos, reeditar livros e zines, criar cursos e diálogos online. O virtual decididamente não é tão bom quanto o presencial mas abre o leque de oportunidades pelo mundo e nos possibilita estar juntos de alguma maneira, resistindo. E no fim, tenho visto muito trabalho novo super interessante e conheci muita gente boa. A leitura de portfólio do FotoRio mesmo, feita virtualmente, acabou criando uma troca única com 40 leitores dos 4 cantos do mundo e com fotógrafos de diversas partes do Brasil.

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Série “Confinados” Iandé com Ana Sábia – “Jogo de paciência”

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Continuemos, juntos, nos inspirando, resistindo, respirando, e com esperança na fotografia e na arte.

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Campanha solidária Fotos Pró Rio. Participe você também!

(*foto de capa Nair Benedicto e texto original no site do Iandé aqui)

“Fotos Pró Rio” é o nome da ação solidária criada por grandes nomes da fotografia carioca: o festival de fotografia FotoRio, os espaços culturais Ateliê Oriente, Retrato Espaço Cultural e Galeria Aymoré. Essas instituições se uniram para lançar esse projeto de vendas de fotografias para a cidade do Rio de Janeiro. Além de ajudar os fotógrafos participantes, vítimas latentes dessa pandemia sanitária e política, a campanha também ajudará 3 ONG’S cariocas: Jongo da Serrinha, Solar Meninos de Luz e Redes da Maré.

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Junte-se a essa campanha solidária e linda!
 

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O projeto foi inspirado em outras campanhas solidárias que foram feitas pelo Brasil e pelo mundo (em Bergamo na Itália, por exemplo) para ajudar o combate ao COVID 19. Só para listar algumas campanhas, no Brasil tivemos o “150 fotos por São Paulo”, “150 fotos pela Bahia”, “Fotos por Minas”, POA 150 fotos”, “96 Awery – povos indígenas BA” e ainda em andamento temos “Fotografias pelo Ceará”, “Olhar Potiguar”, “Fotografia que mandaver- AL”, entre tantas outras.  O diferencial do “Fotos Pró Rio” é que os convidados são os curadores e não os artistas. Foram chamados 82 curadores que por sua vez chamaram até 5 artistas cada, totalizando mais de 450 artistas participantes. Cada curador cria sua linha curatorial, convida os artistas, que só podem participar de uma curadoria.

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O lançamento foi feito através de uma live no instagram do projeto, no dia internacional da fotografia, dia 19 de agosto. A live, comandada pela Gabriela Davies, passou pelos diversos organizadores que explicaram todos os detalhes da campanha. Foi mencionada a importância da ação e a beleza em ver juntos mais de 500 curadores, artistas e fotógrafos de várias geracões, culturas e tempo de carreira em prol de uma bela ação. A campanha vai até dia 18 de outubro e conta com a participação de nomes fortes da arte e fotografia brasileira além de novos artistas brasileiros e internacionais como Rosangela Rennó, Ana Bella Geiger, Cabelo, Evandro Teixeira, Walter Firmo, Bob Wolfenson, entre muitos e muitos outros.
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Fernanda Tafner, curadoria Ioana Mello

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Pessoalmente, fico muito feliz de ter sido chamada como curadora e criar uma curadoria que vá de encontro com o trabalho que faço: um diálogo entre culturas. Os artistas que convidei, e que tão gentilmente aceitaram, são Fernada Tafner, Elsa Leydier, Benjamin Travade, Julio Villani e Shinji Nagabe. A sensação é de tentar agir em meio ao caos, reunindo boa arte, novos olhares e uma ação solidária frente a difícil e atual situação. Espero que todos entrem nessa roda solidária ou ciranda de afetos, como disse a fotógrafa Nana Moraes.  *Mais informações e a lista de curadores, artistas e imagens no site fotosprorio.com

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Paris Photo 2019

.Depois de uma longa pausa, estamos de volta. Entre projetos mil, férias necessárias e problemas técnicos, foram mais de 5 meses fora do ar. Mas voltamos com a programação habitual, agora quinzenal, de dicas, histórias, imagens e elocubrações.

© Pierre BULTEZ

.Aproveitando o grande evento da última semana em Paris, nada melhor que retomarmos falando do Paris Photo. Maior feira de fotografia, a edição 23 do Paris Photo trouxe 200 galerias para o Grand Palais. Fora toda a programação off que acontece em volta. Além do setor principal, o Paris Photo apresentou mais 4 setores: filmes, curiosa, prismas e fotolivros. Fora as conversas com artistas durante os 4 dias de feira.

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Conversa com a fotógrafa Alice Quaresma

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Uma feira é sempre uma feira, com stands visando imagens já certeiras que possam responder financeiramente ao grande investimento feito. Mas visto o tamanho da feira sempre tem espaço para algumas surpresas. Para a segunda edição do setor curiosa o curador anglo-ganês Osei Bonsu escolheu trabalhos contemporâneos que dialogassem com antigas técnicas fotográficas. O espaço ficou um pouco pequeno para tanta obra, mas tinha muito artista interessante: Elsa Leydier, Andrés Denegri, David Meskhi, Morvarid K., Roman Moriceau, entre outros.

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Nate Lewis, Transparent Memory, 2018, Hand-sculpted paper inkjet print, Fridman Gallery, New York.

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A fotógrafa oficial do convite do Paris Photo 2019 foi a sul africana Zanele Muholi, ativista visual contra a violência da comunidade LGBT. Junto a ela, sua galeria, Stenvenson, trouxe mais algumas fotógrafas sul africanas como Viviane Sassen e Mame-Diarra Niang. Nomes fortes, trabalhos diferentes. Também tivemos a participação da galeria brasileira Lume com as obras “Ramos” de Julio Bittencourt. O stand estava original e saiu dos fotógrafos e trabalhos óbvios, apostando.

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Madame Victoire, 2019, Viviane Sassen. Courtesy of Stevenson

Conversa com a artista francesa radicada no Brasil, Elsa Leydier
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