Muitas histórias no encontro das favelas e da fotografia

Antoine Horenbeek

Esse mês teve no MAR, no Rio de Janeiro, o encontro final da primeira edição do Favelas em Foto.

Mas o que é o Favelas em Foto?

 

É uma resistência, é uma vontade, são muitos olhares e muitas histórias. É uma tentativa, acertada, de unir num mesmo espaço a fotografia da periferia e todo o debate e aprendizado que surge dessa ação. Qual o papel dessa produção fotográfica dentro das favelas frente às narrativas tradicionais, generalistas e hegemônicas das grandes mídias e do Estado? Como os fotógrafos da periferia podem quebrar a história única que é preservada por questões políticas e econômicas? E além disso, como preservar esse importante registro documental e social de dentro para fora que cria mais visões e histórias ligadas ao cotidiano e à memória das lutas sociais por direitos.

 

Antoine Horenbeek, Favelas em Foto – Dona Marta

 

É o direito de cada território e movimento social contar sua própria história a memória como um bem comum. – Luiz Baltar, fotógrafo

 

Praticamente, o Favelas em Foto é uma série de encontros de fotógrafos, ativistas, ONGs e amantes da fotografia, em torno dessas questões. Ao longo desse primeiro semestre de 2018, eles se reuniram em 4 comunidades do Rio de Janeiro: Providência, Vila Kennedy, Manguinhos e Santa Marta. O encontro final dessa primeira edição foi no MAR dia 11 de agosto de 2018.

 

E foi muito emocionante!

 

André Mantelli

Entre depoimentos, falas, testemunhos, histórias e trocas, todos naquele auditório perceberam a força do olhar da periferia. Numa fala muito importante, JP Ripper, fundador, em 2004 na comunidade da Maré, da Escola de Fotógrafos Populares (EFP), diz que o olhar da periferia sobre ela mesma tira o sentimento de pena que temos olhando de fora. Ao mostrar sua vida, suas batalhas, sua felicidade, em pé de igualdade com qualquer outro território mundial, revela olhares para além do pré-formatado. E aprendemos a não cair nos clichês e o quanto somos ignorantes visualmente e cheios de ideias falsas. Então chega de pena ou de trocados, é com mais câmeras fotográficas para a periferia poderá continuar a escancarar suas próprias histórias. E que elas alcancem cada vez mais longe.

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Resistência, fotografia, leituras e um lindo jardim

Esse mês de agosto de 2018 inaugurou no Rio de Janeiro o festival FotoRio Resiste e em sua semana forte teremos mais uma edição das leituras de portfólio. Sou muito suspeita para falar das leituras, mas acredito piamente no poder da troca e do diálogo entre fotógrafos e amantes da fotografia. No geral, o ambiente propicia várias coisas positivas: empatia, generosidade, doação, inspiração e abertura.

 

Ano passado o festival instaurou o Prêmio Revelação ao melhor portfólio escolhido pelos leitores dentre pessoas iniciantes que nunca tiveram a chance de expor seus trabalhos em um museu, centro cultural ou galeria. O prêmio é uma exposição na Galeria Oriente no Rio. E o primeiro vencedor foi o fotógrafo Pedro Kuperman com seu ensaio Jardim de Maria.

 

 

 

O trabalho de Pedro, todo em preto e branco, perpassa a vida de um viúvo do Rio Comprido que homenageia sua falecida esposa cuidando de um jardim secreto no meio do caos carioca. Imagens sutis, tímidas, doces, e fortes, que retratam o amor do casal, o lirismo do local e a solidão feliz do senhor em meio ao seu paraíso. Como relata Joaquim Paiva, o curador da exposição, o trabalho perpassa o sentimento do retratado, “não nutre culpa nem luto, sua imersão no Éden não é fuga, e sim evocação.

 

O fotógrafo não explora, não agride, não toma nada, retrata com uma enorme sensibilidade e poética uma forma de sobrevivência em nosso mundo cão. Foram 3 anos dedicados ao projeto e à relação pessoal ao tema e objeto. O preto e branco acrescenta ao jogo de luz e sombra, ao mistério, ao imaginário e também quebra com o verde intenso do jardim.

 

 

Maria, aquele sorriso

em foto amarelecida

hoje sozinho reviso

como encantou minha vida. – Trova para Maria do Jardim de Maria

 

*A exposição Jardim de Maria fica em cartaz até dia 01 de setembro na Galeria Oriente, Rua do Russel, 300 / 401, Glória.

*O fotógrafo Pedro Kuperman trabalha num projeto sensacional de fotografia social junto ao povo indígena Ashaninka, para conhecer melhor clique aqui.

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Festival de Fotografia de Arles, França

Semana passada estive num dos maiores festivais de fotografia, os Encontros de Arles, no sul da França. Não conhecia essa região, que por si só já vale uma visita, com suas ruínas romanas, seu centro antigo murado e sua cultura que mistura influências espanholas, romanas…

 

O festival de Arles existe desde 1969.

 

São exposições, debates, assinaturas de livros, projeções, entrevistas, workshops, enfim mil e uma atividades numa cidade que se dá a volta toda, à pé, em no máximo meia hora. Um regalo! Não há tempo perdido em trânsito ou outras besteiras, tudo é voltado para a mídia fotográfica! Igrejas são usadas como espaço expositivo, antigas casas, ruínas romanas projetam imagens contemporâneas, claustros acolhem projeções e festas eletrônicas. Se vê e se ouve sobre fotografia 24 horas por dia. Somos estimulados a novos olhares e novas ideias. Entre os passantes se escuta de tudo: árabe, inglês, português, alemão, dinamarquês… Todos estão acessíveis para uma troca e um bate papo, até os fotógrafos mais demandados, como o franco-americano William Klein.

 

Paul Graham, Arles 2018

 

The hobbyist, Arles 2018

 

Fiquei em êxtase!

 

Mas agora, que a poeira baixou, me pergunto, até que ponto essas trocas não foram rasas? No alvoroço dos inúmeros eventos, não há tempo a perder: toma o meu cartão e bora para o próximo encontro incrível. É muita informação disponível, muito ruído em volta, pouca calma e pouco silêncio. Todos ficam no plano de um discurso superficial. Sim, eu sabia que seria assim, a primeira semana do festival é a semana dos eventos: “the place to be”. Quem vai é para ver e ser visto, é a hora de encontrar pessoas, aumentar o networking, conhecer as novidades. Quem quer mais silêncio e foco, melhor deixar para ir depois. Porque o festival dura quase três meses, de julho a setembro, e depois desta primeira semana apenas as exposições ficam (além do sol e dos sorvetes).

 

Assim como Cannes está para o cinema, Arles está para a fotografia. Com isso, inúmeras pressões se debatem, num jogo político e econômico enorme. E isso é visível. O festival segue uma cartilha para agradar público, patrocinador e política local. Sai pouco do óbvio, inovando dentro de um limite claro e consistente. Abre até certo ponto para ideias novas e diálogos profundos para além do pequeno mercado fotográfico de Paris. No fim, o que me marcou é que o festival de Arles é feito por parisienses para parisienses.

 

 

 

Mas dito tudo isso, o festival vale muito a pena. Se descobre muita coisa interessante, muitos nomes novos, e alguns contatos conseguem se aprofundar. Semana que vem comentaremos mais sobre as melhores exposições de Arles e alguns fotógrafos acolhidos.

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Paisagens imaginárias reais

Noémie Goudal é uma fotógrafa francesa baseada em Londres que constrói paisagens imaginárias e as fotografa. Como assim? São diferentes séries que trabalham o mesmo conceito de real e imaginário e quais os limites entre eles. Tudo parece ser extremamente real em seus cliques. E algumas imagens são, como as fotos dos bunkers abandonados nas praias francesas após a segunda guerra mundial. Outras são construções feitas em papelão, que ela dobra, cola e monta. Outras ainda, são construções digitais de várias imagens que formam um único complexo arquitetônico. Em última instância, ela quer desafiar o espectador a procurar onde está a realidade: onde ela para e onde a construção começa.

 

Espero que minhas fotos ofereçam um espaço em que possamos falar sobre a paisagem e sobre a relação entre ela e o homem. – Noémie Goudal

 

Tower I, Noémie Goudal, 2015

 

Noémie engana o senso de percepção do espectador e sugere edifícios ou paisagens dentro de outras paisagens. Camadas infinitas para aos poucos irmos vislumbrando nosso próprio imaginário e perspectiva. Ficamos entre a alucinação e o fato, numa longa dúvida. E entendendo, ou sem entender a construção da foto, nos perdemos nessa imagem onírica e passamos mais tempo nela.

 

A fotografia é um jogo. Um título, um enquadramento, tudo pode enganar. Se encontrarmos o ângulo certo, o espectador é sempre confundido. – Noémie Goudal

 

Mas isso seria um problema? Não, pelo contrário, acredito que Noémie coloque como uma solução. O truque fotográfico vem para aguçar os reflexos, os pensamentos, os sentimentos e os questionamentos. Diferente do “instante decisivo” de Cartier-Bresson, Noémie cria uma instalação fotográfica, com diferentes camadas na imagem, que por isso se alonga. Suas fotografias são como um palco onde vários momentos se juntam e o espectador pode visitar e revisitar, contando cada vez uma história diferente. Não é um lugar que você captura por um segundo, é um lugar onde você pode ficar.

 

Station I, “Southern Light Stations”, Noémie Goudal, 2015

 

Satellite II, 2013, Noémie Goudal

 

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Jogo dos sete erros

Paris ou China?

 

 

 

Qual delas é a verdadeira Torre Eiffel?

 

 

Essa é a brincadeira da série Síndrome de Paris (2017), do fotógrafo François Prost, que viajou para Tianducheng, uma réplica ideal de Paris, nos subúrbios da cidade chinesa de Hangzhou. A construtora Sky City desenvolveu essa cidade há dez anos, projetada a 200 km de Shangai, que compreende uma torre eiffel menor do que a original, uma réplica do jardim de Versalhes e 31 quilômetros quadrados de prédios haussmanianos.

 

Apropriação cultural é um conceito bastante interessante, e muito praticado por todos, sobretudo pelos chineses. A série vai além do humor inicial se indagando justamente sobre os significados desta representação chinesa da capital francesa. Nesse caso fica claro como a réplica é desajeitada, acentuando falhas, imperfeições e uma falta de naturalidade características da apropriação cultural. Além disso, mostra o que os chineses admiram do velho continente europeu: seus monumentos históricos, sua arquitetura antiga, enfim todos os detalhes exagerados de antiga história ocidental. Peculiar, visto que a China é um país de enorme história e tradição antiga.

 

A fotografia também pode ser vista como uma réplica estranha e anti-natural. Aliás durante seus primeiros anos muitos intelectuais acreditavam nessa idéia sobre a mídia fotográfica. O paralelo aqui é interessante. Mais do que um simulacro, a cidade de Tianducheng se torna uma nova realidade, com novos parâmetros, novos significados e novas interpretações.

 

Em sua série Síndrome de Paris, assim como na fotografia em si, estamos diante de um mecanismo em direta relação com a realidade mas ao mesmo tempo em conflito. Tanto a réplica de Paris, quanto a mídia fotográfica, são capazes de apresentar-se como um “outro real”, criando uma dualidade com a origem da imagem e atuando – concomitantemente – como igual, similar e rival. Elas perpassam suas referências e ganham novas aberturas.

 

 

*todas as imagens são tiradas do site de François Prost, as da esquerda são na China e as da direita na França.

 

 

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