Ana Mendieta, uma artista plural

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Ana Mendieta foi uma artista cubana enviada aos EUA com 12 anos. Foi através de um programa de exílio da igreja entre 1960 e 1992, chamado “Operação Peter Pan”, que Ana e sua irmã, e mais 14 mil menores cubanos, foram parar nos EUA. Por lá, Ana se formou em artes plásticas e passou pelo então novíssimo departamento de “inter-mídia” da universidade. Em seus poucos anos de vida, ela produziu sem parar, e em vários suportes: fotografia, escultura, performance, pintura e video. Participou do início do land e body art e foi uma importante figura da resistência feminista.

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Seu trabalho é plural, lida com identidade, gênero, conexão e desconexão, relação com o mundo. Separada de sua família muito cedo, tendo que viver no interior Estados Unidos, Ana sempre se sentiu deslocada. Com isso, seus trabalhos perpassam questões que lidam com a representação do eu, da mãe, da mulher, da origem e da casa. Alguns elementos são recorrentes, como o fogo, o corpo ou a silhueta da artista, o negativo e positivo, os elementos da natureza e o sangue.

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Silueta series, 1976

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“Eu decidi que para as imagens terem qualidades mágicas eu tinha que trabalhar diretamente com a natureza. Eu tinha que ir para a fonte da vida, para a mãe terra.” – Ana Mendieta

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Ana Mendieta, ‘Butterfly,’ 1975

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As fotografias de Ana Mendieta documentam suas performances de land art criadas na natureza com o intuito de invocar o espírito da terra e o poder do feminino. Fotografias que se relacionam com imagens primitivas. Além disso, podemos fazer um paralelo de suas performances com a própria fotografia. Ana usava muito uma estética negativo/ positivo. Em vídeos de sua série “Siluetas”, ela usa elementos que transformam seu corpo “negativo” em “positivo” depois do contato com o fogo e a natureza. Além, disso podemos pensar de uma maneira mais filosófica. O corpo se torna positivo quando em contato com a sua origem.

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Outro paralelo pode ser feito com seu vídeo com fogos de artifício. Vemos a luz dos fogos criando uma imagem: a silhueta da artista. É através da luz que percebemos seu corpo tomando forma. Das trevas à luz, da sombra ao claro, da morte à vida. Relações que dialogam facilmente com a mídia fotográfica.

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Anima, Slueta de Cohetes (fireworks Piece), 1976

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Ana viveu pouco, morrendo tragicamente com 36 anos. Colaborou com grandes artistas e produziu uma extensa obra artística. Porém pouco se escuta falar dela nos livros de história da arte. Cubana, mulher, feminista, seu trabalho foi deliberadamente esquecido pelos contadores da história. Mesmo sem muito alarde, o Jeu de Paume em Paris retoma alguns trabalhos desta grande artista e a expõe até dia 27 de janeiro de 2019. Imperdível!

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Uma arte latino americana que perpassa a fotografia e a ecologia

Nicolas Garcia Uriburu é um arquiteto, ecologista e artista argentino que trabalha com performance, arte conceitual e land art. Foi um dos primeiros a usar a arte como meio de chamar a atenção para a ecologia e os problemas naturais que vivemos.

 

Em 1968, muito antes de falarmos sobre as questões ecológicas, Uriburu pintou o Grande Canal de Veneza na época de sua bienal. Mas como assim pintou um canal de Veneza? Então, em protesto contra a poluição das águas, ele usou uma substância química chamada fluoresceína para tingir de um verde artificial as águas da grande cidade da arte contemporânea. A fluoresceína é usada pela NASA para localização de artefatos e pelos oftalmologistas como ferramenta de diagnóstico. Como uma fotografia colorida, seu processo químico no canal revelava para todos problemas ecológicos de ordem mundial.

 

Gostaria de sugerir expandirmos os limites da fotografia e pensarmos que os gestos de Uriburu, em colorir a água, têm uma enorme ligação com a fotografia e seus fundamentos. Suas colorações em defesa do mundo natural oferecem diferentes percepções para o mundo fotográfico. A transformação da fluoresceína se relaciona com a transformação química do quarto escuro para criar um efeito visual. Existe um momento, assim como na captação da máquina fotográfica e da química dos sais de prata, onde a mão do artista não tem controle.

 

 

 

 

Hidrocomias, 1970

 

Depois de Veneza Uriburu tingiu pelo mundo: Nova Iorque, a Riviera Francesa em Nice, o Sena em Paris, o Reno na Alemanha, os chafarizes do Louvre e do Trafalgar Square e do Hara Museu de Tóquio, entre outros. Foi aclamado por muitos pois abriu uma discussão antes do seu tempo participando inclusive de atos com a ONG Greenpeace. Falece em Buenos Aires em 2016.

 

Para retratar o seu trabalho fugidio e manter um registro, primeiramente, as imagens das colorações são feitas de maneira documental. Transcrições imagéticas de seus gestos que mostram o artista e sua ação. Aos poucos Uriburu desenvolve suas tinturas e com isso as imagens que seguem esses atos. São imagens que irão perpassar apenas o documento e trabalhar também o intuito do artista, seus conceitos, e filosofia política e vontade ecológica inseridos na efemeridade de seu trabalho.

 

Nos anos 70, ele cria as Hidrocomias (neologismo de coloração aquática), mesclando fotografia e pastel para realçar as colorações e dar um tom mais estético. Em 1973, novos desenvolvimentos, ele cria em silkscreen o Portfolio Manifesto, uma combinação de mapas e imagens transformados e inseridos no que para ele é a essência das colorações: arte e natureza. Num determinado momento, ele também se colore: pênis, cabelos e pele. Uriburu durante sua carreira transita pela fotografia documental, de paisagem, chegando no retrato. Uma espécie de microcosmo da história da fotografia.

 

Hidrocromia, 1970

 

A arte não tem mais lugar fora da natureza. Seu lugar é na natureza.” Manifesto, 1973 – Nicolas Uriburu

 

 

Uriburu questiona questões clássicas da fotografia: profundidade de campo, ponto de vista, tempo, realidade. Ele trabalha um novo tipo de fotografia, sem camera, que engloba os debates éticos, técnicos e históricos da mídia e os relaciona poderosamente com a vida e questão crucial do futuro: a ecologia.

 

 

 

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