Fotografia e música

Recentemente comecei a me interessar pelos diálogos possíveis entre a música e a fotografia. Os diferentes planos, a organização espacial e temporal, o dentro e o fora de campo, repercussão, permanência, repetição… – esses são alguns conceitos que se confundem nos dois campos e que dão asas à imaginação nas possibilidades de aproximação e discussão.

 

Dentro da minha pesquisa acabei esbarrando com a exposição do projeto a 4 mãos Saturnium, da fotógrafa SMITH com o músico Hoang. O projeto fala de um elemento químico inventado -Saturnium – que teria sido encontrado por Marie Curie e que teria a propriedade de modificar o espaço-tempo. A partir dessa narrativa, os dois artistas exploram, pela música e pela imagem, as possibilidades da catástrofe e do apocalypse nas produções contemporâneas e também na filosofia. Saturnium alavancaria os sonhos, a revolução, a força com o intuito de acordar o espectador para o que o excede.

 

 

Ele chamou os animais de “o pó que anda”, e os homens de “a terra que fala” … A terra que fala, porque somos da terra … A zona atrai … Eu digo a vocês. Quem foi lá … é atraído.

                    – Svetlana Alexievich, A súplica, JC Lattès, 1997.

 

 

 

 

Eu achei o projeto mais interessante na teoria do que na prática, mas fiquei extremamente interessada nesse diálogo entre imagem e som, e com essa enorme viagem dos sentidos e do pensamento. Tive uma grata surpresa ao descobrir que o projeto foi financiado e desenvolvido graças a um Prêmio bienal da Swiss Life que está em sua segunda edição. Pensado especificamente para promover as conexões entre música e fotografia, achei esse prêmio revolucionário. Em sua primeira edição, o projeto premiado se intitulava Bobba, e consistia em uma ópera de câmara, imagética, que perpassava o universo do artista Marc Chagall. Concebido pelo fotógrafo Julien Taylor e pelo compositor Arthur Lavandier, as imagens de Bobba fazem a imaginação voar ainda mais alto acompanhada pelos instrumentos e sons da narrativa.

 

Esse prêmio é ainda mais rico pois permite que esses projetos se expandam para uma nova troca: com a literatura. Após a exposição de cada um, eles são publicados em formato de livro impresso, dialogando com o texto e a palavra e acrescentando mais ainda a essa viagem dos sentidos.

 

Bobba, 2014

 

Termino o post fazendo um pedido, se alguém conhecer outros projetos ou pessoas que trabalhem com essa ponte entre som e imagem, estou muito interessada em conhecer e divulgar.

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Diálogos: literatura e fotografia

Ando com vontade de dialogar. Acho que o entorno tem favorecido a esse anseio. Com isso, propus a uma grande escritora, e também blogueira do Chez Maiato, um diálogo entre campos artísticos: literatura e fotografia. A proposta funcionou da seguinte maneira: a partir do tema REAL a escritora Renata Maiato escreveu o texto Despedida e com esse tema em mente, e suas palavras, eu tive que pensar em imagens que acrescentassem. Me inspirei no olhar do fotógrafo Julio Bittencourt para entrar nessa discussão.

 

Julio Bittencourt, Numa janela do edifício Prestes Maia, 911, 2006

 

Despedida

Aqui, do meu lugar, posso falar das coisas que eu sei. Do que vivi e que busquei, de todas as coisas que aprendi e o que você me ensinou. Sei da chuva que secamos, e da felicidade maior, sei que ela existe. Olho para sua imagem talhada no altar e vejo a vida, meu passado e meu futuro, meu presente escancarado, tudo aquilo que me brota.

Desde que voltei sinto diariamente os efeitos daquele lugar. Com dificuldade ando pra frente, porém com o olhar curvo, buscando uma página anterior. Quase não me reconheço aqui, onde foram parar tantos medos? A verdade é que ainda me sinto só. Ninguém jamais vai saber ou entender o que mudou do lado de dentro. É como se meu desejo de abrir o coração finalmente tivesse acontecido e agora está tudo muito concreto, muito certo, muito real.

 

Real demais.

 

Despeço-me de quem fui sem dor, como histórias de cristal que se quebram facilmente. A separação se faz, assim, do inimaginável. Da necessidade de correr, da vontade de viver, da vontade de morrer, assim, de tanta vida. É tudo tão raso, papéis, funções, egos; o que sangrava mesmo por dentro? Despeço-me de minhas dores abafadas pelo êxtase, tenho amores e incertezas agarrados nas entranhas. Não entendo do caminho das almas, mas sei que as nossas andam juntas.

O olhar sereno confessa minha fraqueza. Porque você representa tudo o que me assusta; amor, sossego, uma noite tranquila. Sou dada aos grandes saltos, enxergo melhor no escuro, busco o incerto. Acostumei-me com a inquietude, estranho a calma dos seres e dos tempos. Inventei enredos, desenhei histórias, teci labirintos em todo verso para enfim achar o que sempre esteve aqui. É que viver sã estava lírico demais.

 

A realidade me arrebatou.

 

Deitada em seu colo, adormeço. É estranho e deliciosamente leve viver em paz.

 

Julio Bittencourt, Ramos, 2008

 

Julio Bittencourt, Daidokoro, 2013

 

Julio Bittencourt, Algumas coisas são perdidas para jamais serem encontradas, 2011

 

Julio Bittencourt, Citizen X, 2009

 

Julio Bittencourt é paulista, já ganhou vários prêmios, publicou alguns livros e tem trabalhos clicados entre o Japão, EUA e Brasil, dentre eles Daidokoro, Citizen X, Numa Janela do Edifício Prestes Maia, 911 e Ramos. Seus trabalhos retratam ruínas e abandono, tanto de um ponto de vista material, quanto humano. Suas imagens falam de despedidas, afetos e memórias que ficaram para trás. Resquícios de uma realidade real demais.

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