Ainda sobre a pós fotografia e o “in game photography”

Comecei a falar aqui sobre pós fotografia e as gigantes inovações e mudanças de parâmetros que ela vem trazendo para pensarmos a imagem. Continuo hoje com a referência do “in game photography”.

 

Será que ainda podemos falar de uma separação clara entre virtual e real? No final dos anos 90 e início dos anos 2000, experimentamos isso mais formalmente com, por exemplo, a separação nítida entre os avatares e o nosso verdadeiro eu. Mas agora parece cada vez mais difícil imaginar um limite. O mesmo vale para a imagem fotográfica. O que vemos são avanços tecnológicos que mudam o pensar a imagem, sua circulação e recepção. E que também acarretam uma transformação na própria sociedade.

 

 

Passo a passo, as mudanças se tornam mais profundas, e estruturais e nos encontramos hoje em um mundo em que a imagem digital é quase infinitamente flexível, um receptáculo imensurável de volume de informação, operando em múltiplas dimensões e integrada a aplicativos e tecnologias com objetivos ainda a serem imaginados.

 

A fotografia nunca teve a veracidade que sempre cunhamos a ela.

 

Um exemplo interessante e impensável há alguns anos é o “in game photography”. Esse termo compreende uma variedade de práticas – desde tirar fotos da realidade virtual de um jogo, até interpretar o personagem de um fotógrafo no jogo, desde hiper realismos fotográficos nos cenários dos jogos, até modos fotográficos desenvolvidos por estúdios de jogos. O artista britânico Gareth Damian Martin fotografa paisagens urbanas de cidades. Em seu livro “Cidade Contínua”, lançado este ano, Gareth fotografa cidades de jogos de videogames. Numa clara referência à fotografia e sua história, Gareth fotografa com uma câmera analógica 35mm. Ele projeta o jogo por meio de um projetor e depois fotografa a imagem usando um filme preto e branco de alto ISO. As imagens produzidas granuladas caminham entre o real e o surreal.

 

 

Para ele o “in game photography” e a fotografia compartilham uma qualidade particular: são imagens de espaços, ao invés de espaços em si mesmos. Com isso, se relacionam com o espaço e a arquitetura de maneira aproximada, através da virtualidade e da ilusão. Suas imagens brincam com os limites de conceitos caros à fotografia: realidade, documentação, manipulação, representação, autoria. Ao usar sua câmera analógica, ele confere uma suposta “realidade” aos espaços virtuais do jogo numa espécie de conexão passageira com o real. A conexão dos dois, analógico e virtual, embaralham ainda mais as fronteiras da mídia fotográfica, e nossos julgamentos.

 

Um caminho para os padrões fotográficos já bem mais abrangente, para além do espectro visível.

 

Outros exemplos de novas dinâmicas “fotográficas”: o grupo ““Generative Photography” que ganhou o segundo prêmio bienal de pós –fotografia do Museu de Foto de Winterhur na Suiça com a Fundação Julius Baer. Em seu protótipo, Adam Brown, Tabea Iseli e Alan Warburton desenvolveram uma imagem, com foco em uma visão conceitual e especulativa da fotografia, produzida totalmente através de algoritmos. A grande questão para eles é o próprio ato de ver. O artista japonês Ryoji Ikeda também tem um trabalho bem interessante. Ele traduz os impalpáveis códigos binários (para se ter uma ideia, a IBM produz 2,5 trilhões de octetos de dados diários) em instalações imagéticas monumentais em preto e branco. Imagens, “pós-fotografias”, de uma realidade virtual. 

 

 

Ryoji Ikeda

Será que a pós fotografia mudou tanto a ontologia da fotografia? Apesar de sua ligação com o objeto exterior, a fotografia nunca foi uma cópia fiel da realidade. Sempre houve algum grau de interpretação. A linguagem fotográfica não faz apenas referências externas sem ter a capacidade, por exemplo, de comunicar algum conteúdo fora das imagens. A imagem fotográfica pode adquirir vários outros significados pois ela é uma interpretação do mundo. Hoje o mundo se expandiu, e com isso a linguagem fotográfica. Estamos presenciando uma pesquisa prática ao redor das novas fronteiras. Uma exploração das novas possibilidades da imagem, uma reavaliação. 

 

A pós fotografia estendeu ideias e conceitos que já perpassavam a fotografia.

 

E para onde irá a fotografia? Não faço ideia, mas imagino um contínuo de inovações e surpresas. Já estamos sendo obrigados a repensar novos parâmetros para a leitura de imagens com oportunidades enriquecedoras de expressar informações, ideias e emoções. Acredito que abarcaremos uma realidade maior para o olhar e para a mente.

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Hollywood: Criando mitos

No início os filmes nem sequer citavam os nomes dos atores, o público reconhecia os rostos familiares como sendo a Biograph ou a Vitagraph Girl (produtoras de cinema da época). Em 1911, a revista Motion Picture World pediu para os produtores de Hollywood colocarem na tela o nome de seus principais intérpretes. Os tipos iam se fixando no imaginário do público – certos atores eram vilões, algumas atrizes eram vamps. Alguns executivos dos estúdios eram particularmente habilidosos na manipulação do Star System, L. B. Mayer lançou as duplas Greta Garbo – John Gilbert, Mickey Rooney – Judy Garland, Clark Gable – Jean Harlow, Spencer Tracy – Katherine Hepburn.

 

Foi uma das grandes jogadas da indústria cinematográfica. Por meio da imagem das revistas especializadas, colunas de fofocas em jornais, escândalos, inventados ou não, criavam-se estrelas da noite para o dia. O público passa a se identificar com seus astros prediletos, e a partir daí consome tudo aquilo que tem alguma ligação com a estrela em questão.

 

A estrela era laboriosamente construída, para formar a imagem e produto ideal, aquele que todos querem consumir. Com isso, muitos atores que na época foram considerados verdadeiros galãs, que faziam as filas das estréias lotarem, muitos casais considerados perfeitos, que faziam as mocinhas torcerem para o difícil final feliz, e muitas vedetes consideradas virginais e ingênuas não passaram de imagens inventadas, criadas para satisfazer os anseios do público.

 

Cecil Beaton, Marilyn Imortal, 1956.

 

E o star system continua atualíssimo, em Hollywood, na Globo ou no SBT. A “fotografia de fofoca” continua sempre em alta.

 

Mas, o que nos leva a simpatizar com galãs falsos e histórias mal contadas? Todo relacionamento entre nós e o ator, inclusive a opinião que temos acerca de seu trabalho, tem que ser transmitido afetivamente, através de uma conexão inconsciente, um vínculo tácito.

 
 

A fotografia é a prova, uma das mais firmes, da existência de um fato.

 

 

Cecil Beaton, Rudolf Nureyev, 1960

 

A imagem tem uma forma intrínseca e natural de manipular, ela tem na sua essência o poder da verdade, afirmando uma realidade que passa a ser a verdadeira, e portanto hegemônica. Quando uma foto nos toma por completo, os fatos que sabemos falsos podem nos levar a uma realidade superior, mais forte, mais penetrante, e decisivamente mais real do que a própria realidade. Somos guiados por artifícios e transportados na ilusão. E gostamos.

 

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