O que significa ser uma artista imigrante?

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Esse mês de abril começou com a Art Paris Art Fair, (mais) uma feira de arte contemporânea que me interessou pois colocou a América Latina no holofote. Resultado, mais artistas do continente expostos na feira, sobretudo mulheres, e muitos eventos paralelos sobre a arte do outro lado do oceano.

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Um dos bons eventos foi uma palestra sobre mulheres artistas imigrantes, na Maison de l’Amérique Latine (que para quem não conhece, vale a visita). Com a participação da mexicana Carmen Mariscal e da equatoriana Estefanía Peñafiel, o bate papo falou de inúmeras questões pessoais e artísticas que perpassam os artistas que escolheram mudar de país. Como já falei aqui algumas vezes, a psicologia diz que é somente diante do outro que reconhecemos nossa identidade. É diante do outro, e de todos os outros, que nos reconhecemos ocupando o nosso lugar (único) no mundo.

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© Claudia Andujar, Roraima, 1974

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Não me alastro no tema psicológico por não sou nem um pouco especialista. Mas entendo um pouco de ser uma artista imigrante. Aqui no site mesmo, falamos de outros artistas imigrantes como Shinji Nagabe e Hiroshi Sugimoto. Artistas que por causa de sua condição problematizaram de outra maneira, tentando encontrar seu lugar no mundo.

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Mas aqui o assunto é um pouco diferente, sobre a imigração de artistas mulheres latino americanas para Europa. Aqui o buraco é mais embaixo: artistas, da América latina, mulheres e em Paris, cidade berço das artes. São muitos obstáculos a ultrapassar.

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Ser uma artista imigrante muda muito a abordagem artística?

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Diante de outra cultura fazemos a experiência da alteridade e acabamos nos voltando para dentro. Nessa jornada reforçamos nossa identidade pessoal, mas também a nossa identidade cultural: o que significa ser latino-americana? brasileira, colombiana, mexicana… Qual a nossa história pessoal e enquanto povo? Teríamos diferenças e semelhanças? O que nos aproxima? Jovens artistas imigrantes trabalham esses questionamentos em temas como a colonização, a “etiqueta” de terceiro mundo e os pré-conceitos de serem mulheres latino americanas diante do olhar europeu. Também dialogam sobre a história recente da América Latina se comparada a Europa, a liberdade e a democracia, entre outros assuntos.

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@carmen mariscal, a esposa

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E nesse processo interior nos individualizamos ao mesmo tempo que procuramos por comunidades. O alicerce de outras pessoas que já também não são o que eram e que compartilham de algum código parecido. Nesse processo nascem as associações de artistas latino americanos, as casas artísticas de cada país, indo até a Maison de l’Amérique Latine. Espaços onde é mais fácil expor, trocar e criar.

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É um intenso caminho de se entender, de rever as bases e assimilar a nova cultura. Bastante próximo ao movimento antropofágico que o Brasil já viveu no início do século XX de comer o outro. Mas depois de assimilar o outro, como regurgita -lo? Criando obras que existem justamente porque os códigos se alargam, porque sou de um lugar e agora estou em outro. Fazendo um trabalho no país do outro, que agora é seu, sobre o outro e você mesmo, quebrando os limites e as fronteiras, que na arte nunca deveriam existir.

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© 2002-2016 estefanía peñafiel, “eu ser um outro”


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Retrospectiva 2018 !

  

Com alguns dias de atraso, é época de retrospectiva! Primeiramente gostaria de agradecer a todos vocês por mais um ano de diálogo, descobertas e aprendizagem. Pelas andanças e novas parcerias do photolimits, percebo o quanto a imagem está sendo discutida, pensada e questionada. Seja em relação a sua história, a sua importância, ou até a sua identidade. Pensar a imagem se torna cada vez mais crucial, em um mundo onde ela ganha mais força a cada dia. Mais do que isso, em um mundo em transformação – tecnológica, política e social – onde fica claro que a imagem já tem outros parâmetros e códigos. 

  

Olhando para o site nesse ano de 2018, percebo novos olhares, novas descobertas entre fotógrafos, artistas contemporâneos e até arquitetos. Em um belo diálogo estético e filosófico é interessante perceber que três discursos perpassam mais os textos de 2018:

  

  • Ao longo do ano vimos a luta das mulheres para re-escrever uma história da fotografia. Nessa atual, escrita pelo homem dominante, elas foram esquecidas. Vimos também que aos poucos instituições abrem as portas para essa retificação, como o Paris Photo, o Paraty em Foco, entre outros. 

  

Paolo Gasparini,  Venezuela, 1967–68 

  

  • A tecnologia também entrou para mudar as regras do jogo, criando o que chamamos de “pós-fotografia“.  A imagem hoje é marcada pela profunda transformação tecnológica, estética e social, em escala global, que acaba colocando em jogo as noções de realidade, documentação e autoria da mídia fotográfica.

  

  • Vimos também como a fotografia é importante para cria pontes, dialogar, mostrar, sem clichês, outras realidades e outras histórias. Nada mais importante do que ser visto nos dias de hoje, e mostrar o seu lado, o seu ponto de vista. Só assim existimos no mundo de hoje. A fotografia tem um papel importante para desenrolar nesse mundo que cria cada vez mais bolhas e mais muros entre a humanidade.

  

Corine Borgnet, « hidden tank », 2018

  

Fotografia é denúncia e resistência

  

Finalmente as parcerias e colaborações aumentaram. Além do ano feminino no blog da Editora Subversos, dialogamos com os colunistas e fotógrafos do Ateliê Oriente e iniciamos os posts em francês aqui e na plataforma cultural Iandé. Desejo um ótimo início de ano para todos e que 2019 venha cheio de inspiração, encontros e boas discussões. Obrigada.

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A incrível jornada de mais um Paris Photo

E mais uma vez, sobrevivemos à loucura da maior feira de fotografia, Paris Photo, e todos os seus eventos paralelos. Foram dias de encontros, trocas, olhares e discussões, sempre em torno da imagem. Mil exposições, palestras, mesas redondas, performances, livros com fotógrafos do mundo todo. Aliás, muitos brasileiros participaram, de diferentes gerações, e os diálogos foram muito importantes e enriquecedores.

 

Neste ano o Paris Photo realçou a presença da mulher e sua representatividade ao longo da história da fotografia. A organização começou escolhendo a fotógrafa norte americana Mickalene Thomas para ilustrar a capa e os cartazes da feira. Além de mulher, Mickalene é negra e trabalha exatamente sobre o feminismo e o lugar da mulher e do corpo negro na imagem. Além disso, um dia inteiro, com o tema “Mulheres, uma exceção?”, foi dedicado a conversas com e sobre mulheres. Entre vários eventos, manifestos foram lidos, discussões sobre identidade e visibilidade foram feitas, além de entrevistas com fotógrafas árabes.

 

La leçon d’amour, 2008, Mickalene Thomas.

 

Para terminar, um percurso imagético, Elles x Paris Photo, foi feito ao longo da feira através de trabalhos femininos. A curadora Fanny Escoulen escolheu uma centena de imagens para traçar o fio de uma história da fotografia sob o prisma do olhar feminino. Uma travessia importante e urgente pelas galerias e editores presentes na feira. Contudo, porém, quando olhamos de perto, o total de trabalhos apresentados na feira por mulheres fotógrafas foi de apenas 21%. Ou seja, um discurso bonito na teoria mas que ainda precisa ser levado mais a sério na prática. Nós não podemos deixar que se resuma apenas como uma questão de “moda do momento”.

 

Paris Photo foi a primeira feira internacional dedicada à fotografia e criada em 1997.

 

Além disso, a outra novidade foi a nova ala erótica da feira, Curiosa, pensada pela curadora Martha Kirszenbaum. No fim da feira, com limite de idade para entrar, 14 galerias expuseram artistas que trabalham com a fotografia sensual. Movimento importante na fotografia do século XX em diante, as imagens desses fotógrafos pensam sobre o corpo e o sexo, desafiando nosso olhar em cima da fantasia e do fetiche. E a seleção artística perpassa gênero, tempo e espaço, com nomes como Daido Moriyama, Robert Mapplethorpe, Antoine D’agata e Jo Ann Callis, Renate Bertlmann e Natalia LL.

 

Amy Friend, Jack’s Cat, 2016

 

Para terminar, gostaria de ressaltar a participação brasileira. Primeiramente, a editora Madalena que esteve mais uma vez presente misturando gerações de fotógrafos. Num diálogo enriquecedor, lançou livros de fotógrafos consagrados como Cássio Vasconcelos e João Farkas e jovens artistas promissores, como Henrique Carneiro e Rodrigo Pinheiro. Além disso, os fotógrafos Caio Reisewitz e Pedro Motta foram apresentados em galerias internacionais. E, finalmente, a galeria Lume, de São Paulo, veio com o status de primeira galeria brasileira a participar da feira. E trouxe o trabalho histórico e político da artista Ana Vitória Mussi. Aliás, um acerto dentro de uma feira com um viés mais estético vintage do que engajado e ativo.

Negativos, 1974-2006, Ana Vitória Mussi

 

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É preciso falar, mesmo que palavras não sejam ditas

Quando o assunto é estupro, palavras podem ser duras ou difíceis. Tanto pelo lado da vítima, quando pelo lado cultural, muitas vezes não achamos força e expressão para falar sobre a agressão sexual. Os sentimentos fortes, os tabus, os clichês nos calam. Ainda bem que aos poucos os movimentos femininos estão acolhendo as histórias, as lembranças, as denúncias, mas bem aos poucos. A opinião pública no geral ainda ameaça e agride.

 

E o problema é mundial, e atinge milhões de mulheres, vítimas de uma história machista. Não há como ficarmos caladas para sempre, somos muitas, pelo mundo. Temos que quebrar o silêncio, gritar em alto e bom som, pois esse silêncio perpetua a cultura do estupro. É difícil, é doído se expor dessa maneira, para olhares julgadores. Mas podemos fazer isso com imagens também.  Nesses momentos a fotografia é uma boa aliada.

 

“Tem coisas que vimos na infância e adolescência que não conseguimos falar. E no momento que traduzimos essas lembranças no trabalho fotográfico, é como se estivéssemos nos liberando de tudo que guardamos calado dentro de nós”. – Thandiwe Msebenzi

 

Thandiwe Msebenzi, 2017

 

Thandiwe Msebenzi, 2017

 

Thandiwe Msebenzi é uma fotógrafa sul africana que depois de sofrer um estupro iniciou uma catarse pessoal se retratando na série “Você não me vê”. Escondida por um jaqueta masculina – símbolo de seu agressor – não vemos a mulher; mas nessa sociedade machista que tentamos denunciar, em que momento vemos essa mulher? Aos poucos, em contato com outras mulheres e outras histórias, Thandiwe começou a retratar a ferida de cada vítima. E com isso a curar. Imagens sutis que falam muito, como a foto das armas que sua avó guardava embaixo da cama para se proteger.

 

Mouna Saboni é uma fotógrafa franco-marroquina que decidiu agir depois de ler um relatório da Anistia Internacional dizendo que 99% das mulheres egípcias foram vítimas de agressão sexual em 2015. Esse fato aberrante, comumente silenciado pela sociedade que não quer lidar e prefere manter tabu, fez Mouna dar voz e rosto a esses números exemplificados pela ONG. Mesclando texto e imagem, Mouna retrata a mulher, vítima, de maneira melancólica e poética, mas com o nítido resultado de uma realidade brutal.

 

“Eu me lembro bem, era uma noite fria de dezembro. 3 homens me surpreenderam quando eu estava entrando no meu carro. Eles eram policiais.”

 

“Eu não me lembro a última vez que eu andei sozinha na rua.”

 

Mouna Saboni, O Medo, Egito, 2015

 

Mouna Saboni, O Medo, Egito, 2015

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Vamos falar sobre mulheres e a imagem?

Durante o mês de junho, o Centro Cultural Correios, no Rio de Janeiro, está com uma programação bem interessante de debates sobre as mulheres e a imagem. Mais do que interessante, uma discussão necessária!

Já rolaram três mesas até a publicação desse post. Dentre elas, uma sobre o processo de criação e identidade da YVY- mulheres da imagem, em que fui mediadora. Não sou uma pessoa muito politizada, ou melhor, sou muito politizada, mas nunca consegui sentir o lado mais espiritual da política. Sinto na arte, e na fotografia, e acredito que com a arte podemos melhorar o mundo, e ajudar a democratização.

 

Nova logo – YvY, mulheres da imagem

 

A mesa que participei foi bastante interessante, por vários motivos. Normalmente, em debates ouvimos mais sobre o resultado e menos sobre o processo. Essa mesa foi muito cativante pois focou no processo de criação, de organização, nos propósitos em discussão, as dificuldades e os anseios em pauta. Através de inúmeros depoimentos de mulheres presentes me surpreendi e me envolvi na busca por algo maior, por um sonho ideal e coletivo de igualdade e justiça. Pela primeira vez, entendi a política como um caminho também espiritual.

 

Um sonho? Sim. Mas que elas estão trabalhando muito para tornar uma prática. Vamos nos juntar?

 

Os três pontos que mais me chamaram atenção foram:

  1. uma organização horizontal. Diferente da organização vertical tão difundida na sociedade patriarcal, porque não tentar uma outra alternativa mais igualitária e criativa.
  2. o discurso pela representatividade. Apesar da mesa em questão não ter muita representatividade, o projeto quer e procura mais representatividade de mulheres, e pessoas que se identificam enquanto mulheres, de todo o Brasil.
  3. A arte como arma de luta coletiva através da melhor arma que temos: a imagem.

 

Mais informações sobre ações e encontros da YVY – mulheres da imagem no facebook.

Abaixo a programação completa do ciclo de debates do FotoRio, Mulher em Foto:

Cada mesa acontece de 17 às 19h, no Centro Cultural dos Correios, Rio de Janeiro.

 08/06: Fotógrafas brasileiras na foto de 6 Nov 2016 – com Andreas Farias, Bruna Prado, Luciana Macedo, Simone Marinho e Wania Corredo – Mediação: Marcella Marer.

09/06: YVY – Mulheres da Imagem – Organização: Marizilda Cruppe, com Bárbara Cunha (PE), Claudia Ferreira (RJ), Flávia Correia (AL), Isabella Lanave (PR) e Maíra Cabral (MG) – Mediação: Ioana Mello.

10/06 – Débora 70 – “Trajetória” e Fernanda Chemale – “Rastros d’Eus” – projeção com debate – Mediação: Cristina Zappa.

13/06: Fotógrafas Pretas – com Fernanda Dias, Lita Cerqueira e Valda Nogueira (Imagens do Povo) – Mediação: Thaís Rocha.

20/06: Mulher, fotografia e história – com Maria do Carmo Rainho, Thereza Bandeira de Mello e Mariana Muaze – Mediação: Silvana Louzada.

22/06: Fotografia pública e as mulheres – Ana Maria Mauad (LABHOI / UFF)

27/06: Fotógrafa: Rua, Polícia e Comunidade – com Jussara Paixão (fotógrafa da Polícia Civil), Márcia Foletto (O Globo), Thaís Alvarenga (Coletivo Negras[fotos]grafias) – Mediação: Silvana Louzada.

29/06: Relato de Experiência com Claudia Ferreira – fotógrafa, autora dos livros: Mulheres em Movimento e Marcha das Margaridas.

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