Sobre Mulheres fotógrafas na história

Já faz alguns anos – mais sistematicamente há uns 30 anos, eu diria, e mais popularmente nos últimos 10 anos – que museus, instituições e pessoas físicas remexem na história da fotografia para pesquisar, relembrar e resgatar o trabalho de fotógrafas mulheres. Existe um consenso que o marco desse questionamento de paridade de gênero nas artes começou com um artigo de Linda Nochlin (1971), Why there been no greatest women artists, no qual a autora indagava-se sobre as causas da aparente inexistência das mulheres artistas na história. E demonstrava que tais lacunas em nada derivariam da ausência “natural” de talentos, mas sim da exclusão feminina das principais instâncias de formação de carreiras artísticas ao longo dos séculos 18 e 19 – como as academias de arte. A autora tentou um importante deslocamento explicativo, inaugurando o que se pode denominar como uma perspectiva feminista na história da arte.

O panteão da fotografia é ainda essencialmente masculino, com nomes que vão de Daguerre (1839) e Fox Talbot (1841), Nadar e Nièpce e passam por Eugene Smith, Edward Muybridge, Robert Capa, Robert Doisneau, Cartier Bresson, Richard Avedon, Sebastião Salgado, citando apenas alguns. Algumas figuras femininas conseguiram seu lugar na história, mas ainda são bem menos conhecidas do grande público, como Dorothea Lange, Diane Arbus, Berenice Abbott, Vivian Meier e Cindy Sherman.

Anna Atkins (Inglaterra, 1799-1871)
Photographs of British Algae: Cyanotype Impressions

Minimizadas, colocadas em papéis de coadjuvantes ou musas, ou meras executoras, as mulheres foram menos citadas e menos publicadas, mesmo que, graças a luta constante, isso tenha melhorado muito nos últimos anos.

Mas qual a causa de apagamento das mulheres?

Julia Margaret Cameron (1815 – 1879) , Ellen Terry 1864

Em parte porque a história foi construída por homens, para eles próprios. Muitas vezes, essas mulheres tiveram seus trabalhos reconhecidos em suas épocas, mas sistematicamente desapareceram das narrativas históricas.

A questão da esfera privada também entra. Banidas (oficialmente ou socialmente) de clubes, sociedades, ateliês, escolas, etc, elas (mulheres da alta sociedade) eram obrigadas a fotografar como “hobby” suas família, outras mulheres, a natureza morta, o jardim –flores e plantas, auto retratos… Com isso, esses temas foram durante muito tempo depreciados no mercado fotográfico – associados a meros hobbies femininos.

A publicidade nunca ajudou, representando uma mulher quase sempre associada à fotografia fácil e mecânica: desde Naguerre que dizia que a facilidade da revelação irá agradar às mulheres em 1838, passando pela Kodak em 1888 com sua “Kodak girl” até a Polaroid em 1972 que mostrava uma linda mulher dizendo que era realmente fácil usar a polaroid.

Fica aqui alguns pontos sobre mulheres e nossa história na fotografia!

Claude Cahun (1894- 1954) e Marcel Moore (1892- 1972) – Me as Cahun holding a mask of my face, 1927
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Série – 15:30 de Isís Medeiros

*ce texte a été écrit pour l’open call Iandé/photodoc 2021

Isis Medeiros est une jeune photographe brésilienne originaire de l’état de Minas Gerais, au sud-est du pays. Elle se décrit comme photographe populaire et activiste. Pour ma part, j’ajouterais qu’elle est aussi une documentariste de l’écoute, qui crée des connexions avec les images, les gens, les situations.

L’état de Minas se distingue par ses villes coloniales, à l’instar de Mariana et de Ouro Preto, surgies au XVIIIe siècle sur la route de l’or. Et aujourd’hui encore, la région, qui compte quelques uns des plus beaux parcs du pays, est au cœur des intérêts économiques et politiques en raison de son sol, propice à l’extraction du fer et d’autres ressources minières : manganèse, or, nickel, niobium, zinc, quartz, soufre, phosphate, bauxite, pierres semi-précieuses.

C’est en 2015, qu’Isis décide de partir pour Mariana afin de documenter ce qui serait le plus grand crime socio-environnemental brésilien causé par la société Samarco/ Vale. A l’époque, la rupture du barrage Fundão, en déversant plus de 62 millions de mètres cubes de résidus de minéraux, avait anéanti l’ensemble des villages et espaces verts autour du bassin du Rio Doce. 5 ans après, de nouveaux barrages ont cédés, avec les mêmes conséquences. Les populations locales, elles, n’ont jamais eu leur mot à dire quant aux dédommagements prévus. Une partie de l’argent s’est même « envolé », sous l’impulsion de politiques peu scrupuleux, pour payer certains projets immobiliers et d’infrastructures de l’Etat.

Isis continue, encore à ce jour, son dialogue, photographique et humain, avec les populations locales. Ce qui ne devait être qu’un projet ponctuel, lié à l’actualité, est devenu, une quête, personnelle, autour de sa propre identité. L’exploitation de la région et de ses habitants, depuis des siècles, fait partie intégrante de son histoire. L’histoire de ceux qui ont tout perdu – maison, famille, amis, c’est, aussi, notre histoire, à nous tous, Brésiliens.

A travers son travail, Isis explore l’ensemble des enjeux sur cette question, au-delà des discours officiels et médiatiques. Elle va à la rencontre des familles sans-abris, des commerçants, des mineurs. Elle enquête sur les répercussions écologiques et sociales pour les villages situés au bord de la rivière. Elle interroge les indigènes, les enfants, les scientifiques… Le résultat photographique, pour cette artiste personnellement impliquée dans cette catastrophe, est souvent marqué par la frustration, l’indignation et la tristesse. Mais, en racontant cette histoire, collectivement, l’artiste arrive ainsi à rendre compte des altérités sociales et du poids particulièrement pesant du deuil dans cette tragédie.

Aujourd’hui, l’objectif d’Isis Medeiros est de continuer à porter le regard des peuples exploités de Minas, d’en être la mémoire, pour eux, pour elle-même, et pour le Brésil, mais aussi, peut-être, pour permettre une prise de conscience sur les changements à mener.

©Isis Medeiros
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Entre a Bretanha e Floripa

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Em sua terceira edição, o festival BZH PHOTO, criado pela curadora Camille Gajate, se propõe a criar um diálogo entre olhares. A cada ano, um.a fotógrafo.a de alguma região litorânea faz uma residência de 20 dias no norte da Bretanha, na cidade de Loguivy de la mer, na França. O resultado da residência é exposto no porto da cidade, ao ar livre, em pleno diálogo com a paisagem, a cultura local e o público que passa. Aliás, o festival é feito com o público, os moradores da cidade, em um belo exemplo de coletividade. A pequena cidade costeira vira um museu a céu aberto, e a programação ainda conta com projeç˜ões noturnas pela cidade além de aparições em outros festivais.

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Esse ano o festival recebeu a fotógrafa brasileira Fernanda Tafner que trouxe referências da terrinha para criar a série “Songe”. Segunda a curadora e diretora artística do festival Camille Gajate,

“com uma poesia própria, misturando tons de cinza, a fotógrafa distancia seus temas da realidade, estimula nossa imaginação e oferece a todos a possibilidade de reconstruir com ela esse território que nos cerca. Em sua nova série “Songe”, Fernanda nos convida a sonhar”.

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Originária de Florianópolis, Fernanda tem um processo muito sensível de fotografar. Ela se prepara teoricamente antes do ato fotográfico em si, buscando inspiração na poesia, artes plásticas, literatura, desenho, etc. Seus cadernos de anotação são obras em si. Para a residência do BZH PHOTO, Fernanda buscou inspiração em artistas brasileiros que trabalham a arte misturada à vida e à natureza como Helio Oiticica, Ligia Clark e o italiano Giuseppe Penone.

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Fernanda é muito ligada aos detalhes, nos pequenos gestos que abarcam maiores e mais profundos significados. Para o festival, ela trabalhou também os tons – do P&B aos tons azuis e avermelhados – talvez numa relação sensível ao visual de sua estadia na região.

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Tive o prazer de participar do último fim de semana do festival, depois de 2 meses de duração. No meu segundo ano de visitação, continuo maravilhada com a paisagem e com as imagens que se mesclam aos barcos atracados e ao vento que sopra forte na região. O sistema de montagem é todo pensado para haver a maior interação possível entre natureza e arte, inclusive com uma foto exposta dentro da água. E continuo a me espantar, bobamente, como os olhares podem ser tão diferentes. Comparo as imagens de Fernanda com o fotógrafo sueco, Martin Langen, que expôs ano passado, e teço minhas comparações subjetivas. É incrível ver como esses diálogos entre culturas s˜ão interessantes e frutíferos.

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O avesso da história da fotografia

Republican Militiawoman on a beach, Barcelona, Spain, August 1936 Gerda Taro & Robert Capa © International Center of Photography

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Ultimamente tenho pesquisado muito sobre mulheres fotógrafas ao longo da história da fotografia. E tenho compartilhado na minha conta do insta. Como já cantou minha querida Mangueira em 2019, “deixa eu te contar a história que a história não conta, o avesso do mesmo lugar, na luta é que a gente se encontra”. As mulheres foram deliberadamente apagadas da história da fotografia. Enquanto os homens são lembrados constantemente, quem sabe que Anna Atkins foi a primeira pessoa a produzir um livro de fotografia em 1841? Um não, ela fez à mão, em cianotipia, durante 10 anos, em torno de 400 exemplares do livro British Algae : Cyanotype Impressions.

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Aqui o papo já é comum mas não custa lembrar: obviamente que muitas mulheres contribuíram consistentemente para história fotografia. No entanto, apesar de sua presença significativa, as mulheres ocupam um lugar relativamente pequeno entre os principais premiados, nas editoras de destaque, nas exposições de sucesso e entre os heróis da fotografia, em comparação com seus colegas do sexo masculino.

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Qual a história da fotografia que queremos escrever?

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Como a incrível Gerda Taro (Gerta Pohorylle, 1910 – 1937). Judia e alemã, Gerda foi uma ativista anti nazismo e fascismo. Em 1933, com 23 anos, após a chegada do Partido Nazista ao poder, Gerda é presa e detida por distribuir propaganda contra o governo. Ela foge para Paris logo depois. Em Paris ela conhece o o fotógrafo húngaro de origem judaica, Endre Friedman. Eles se apaixonam e ele a ensina a fotografar. Ela começa sua carreira de fotógrafa como assistente da Alliance Photo, agência criada por Maria Eisner, Pierre Verger et Pierre Boucher. Em 1936, Gerda recebe sua credencial de fotojornalista.

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Para escapar do anti-semitismo crescente na Europa, e vender melhor suas imagens, Gerda cria um personagem fictício chamado Robert Capa: um fotógrafo americano contemporâneo de sucesso. Seu companheiro endossa perfeitamente o personagem, e ela acaba criando um nome para ela também.

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Logo depois o casal resolve documentar o início da Guerra Civil Espanhola. Taro e Capa acompanham as batalhas das Brigadas Internacionais ao lado de combatentes republicanos, como fotógrafos de guerra. Ela é reconhecida como a primeira fotógrafa de guerra. Enquanto eles assinam suas fotos com seus dois nomes, Capa ganha bem mais reconhecimento mundial enquanto o trabalho de Taro permanece na sombra. Ela decide então partir sozinha para cobrir o bombardeio de Valência e vender seu trabalho apenas com seu nome.

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Ela morre em plena guerra aos 26 anos, em 1937.

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No dia 1 de agosto de 1937, dia de seu aniversário de 27 anos, um pouco depois de sua morte, mais de 10 mil pessoas se reúnem no cemitério Père Lachaise para celebrar a figura de Gerda. Estão presentes Pablo Neruda, Louis Aragon, Endre Friedman/ Robert Capa, Alberto Giacommenti (que esculpiu sua tumba) e tantos outros. Me digam, como essa mulher pode ser esquecida ?

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Seu grande amor, com a ajuda de seu irmão mais novo, foram decisivos no apagamento de Gerda Taro da história. Seus negativos foram todos vendidos como sendo de Robert Capa. Como ela não tinha nem família, nem herdeiros, ninguém reclamou. Ela só ressurge na linha do tempo em 2007, quando uma mala do laboratorista de Capa, com mais de 4500 negativos, é encontrada no México. Dentre tantos negativos, 800 são delas, devidamente assinados. O mundo descobre assim, através destas fotografias inéditas (e depois da morte de seu companheiro) uma mulher corajosa, mas acima de tudo uma grande fotógrafa.

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Fica a minha pergunta, em que universo, essa história fantástica de Gerda seria esquecida se ela se chamasse Hans? No nosso universo ao avesso.

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Cultura e Pandemia

Como ficará a cultura depois dessa pandemia?

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Não me atrevo a responder essa pergunta, com certeza mudaremos muito. Mas tenho feito algumas observações sobre cultura em tempos de pandemia. Pequenos pensamentos que senti vontade de colocar por escrito.

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Urbe, José Roberto Bassul

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Primeiramente, a fotografia e a cultura são mais do que meu trabalho e ganha pão, são as minhas paixões na vida. Ver exposições, descobrir novos trabalhos fotográficos, abrir um livro de fotografia me dá energia. E vai além, me equilibra e me acalma. Mas e agora, José, o que fazer durante essa pandemia? Ficou tão mais difícil achar meios e caminhos para se energizar.

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Algumas galerias, de vez em quando, conseguem uma brecha e permanecem abertas, resultando em pequenas ilhas de acolhimento em meio a tanto isolamento social. Os livros de fotografia também, a duras penas, conseguem viajar mais do que a gente e aterrissam direto na minha mesa de cabeceira. Aí é quase como vacina: uma espécie de cura em dose única.

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Livro de fotografia “Deus também descansa” de Bruno Bou Haya

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A parte financeira também está difícil. Menos trabalho para os fotógrafos, menos possibilidades de sair na rua, montar equipe… e menos opções de curadoria também! Como alavancar projetos e patrocínios nesse momento que festivais são cancelados, exposições fecham, feiras acontecem online e o dinheiro é escasso? A instabilidade é muito grande.

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Mas tenho visto muito gente aproveitando essa pausa (ou falta de: dinheiro e opção) para rever arquivos, retomar antigos projetos, reeditar livros e zines, criar cursos e diálogos online. O virtual decididamente não é tão bom quanto o presencial mas abre o leque de oportunidades pelo mundo e nos possibilita estar juntos de alguma maneira, resistindo. E no fim, tenho visto muito trabalho novo super interessante e conheci muita gente boa. A leitura de portfólio do FotoRio mesmo, feita virtualmente, acabou criando uma troca única com 40 leitores dos 4 cantos do mundo e com fotógrafos de diversas partes do Brasil.

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Série “Confinados” Iandé com Ana Sábia – “Jogo de paciência”

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Continuemos, juntos, nos inspirando, resistindo, respirando, e com esperança na fotografia e na arte.

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