Já escrevi aqui sobre o trabalho do fotógrafo italiano Alessandro Grassani que clica imagens dos muros que construimos entre nós, ao redor do mundo. Hoje temos em torno de 63 muros fronteiriços, diz ele. Nosso momento brasileiro (e mundial) atual me fez relembrar esse trabalho, que se chama A wall in between. Claramente percebemos nossa sociedade fechada entre muros que escancaram ódios, medos e deixam de fora empatia e diálogo.
Paralelamente, a Galeria da Gávea, no Rio de Janeiro, está com a instigante exposição “OS MUROS”, em cartaz até dia 26 de outubro. No primeiro andar vemos a vídeo instalação “Arquitetura Distópica” de Lula Buarque de Holanda. O trabalho, que ocupa a grandeza da sala principal, mostra tomadas aéreas de Brasília. E o que vemos é um muro construído no meio da Esplanada dos Ministérios durante o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Uma parede de aço montada para separar ideologias. Mas justamente nessa grande esplanada, pensada utopicamente como lugar de comunhão. O que Lula nos mostra é separação: de um lado quem era contra e do outro quem era a favor.
Continuando, no andar de baixo da galeria, podemos ver as imagens e frases do “Urbanismo Utópico” do artista Marlos Bakker. Morando em um grande condomínio paulista, Marlos retrata sua vida em relação a de seus vizinhos de uma vila pobre ao lado. Um muro existe entre dois, segregando e criando pré-conceitos. Marlos tenta retirar a barreira que existe entre esses dois mundos. O que lhe interessa é criar empatia, proximidade e diminuir as diferenças sociais. Ou seja, Marlos que quebrar a parede entre os dois vizinhos. Nas tonalidades das imagens, nas cores democráticas do P&B, nos personagens e nas palavras, Marlos apaga as fronteiras impostas e confunde as duas realidades.
Tudo é arte, tudo é política. – Ai WeiWei
Nossa sociedade contemporânea tem mais muros hoje do que na época da queda do Muro de Berlim. (1989) A conclusão é que construimos para separar. Israel e Palestina, EUA e México, Irlanda, Rio de Janeiro, muitos são os exemplos. Porém, hoje, ainda temos os “novos” muros: digitais. E o que fazer desses outros muros menos tangíveis? Através dos filtros computacionais e algoritmos, criamos separações que nos segregam em barreiras invisíveis. Assim sendo, permanecemos em bolhas junto a nossos pares. E do outro lado do muro, os outros, que tanto nos ameaçam. Quem é esse outro? Qualquer um, ou nenhum. O importante é excluí-lo junto ao diálogo e à empatia. E assim, aumentamos a dor e o ódio. Vivemos em comunidades imaginárias do medo, exageradas pelos muros digitais.
E me pergunto muito onde tudo isso irá acabar? O medo é guloso e se reproduz rápido (com uma gigante máquina de fazer dinheiro por trás). Os monstros só são vencidos quando acendemos as luzes e saímos da escuridão. Melhor abrir uma porta nesses muros, deixar entrar a luz e a comunicação entre os lados. Não existe “o outro”. Somos todos iguais, com medo e desconfiança, dos mesmos problemas.
“Há muros que separam nações, há muros que dividem pobres e ricos, mas não há hoje, no mundo um muro, que separe os que têm medo dos que não têm medo.
“”Os que trabalham têm medo de perder o trabalho; os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho; quando não têm medo da fome têm medo da comida; os civis têm medo dos militares; os militares têm medo da falta de armas e as armas têm medo da falta de guerras””.
E, se calhar, acrescento agora eu: há quem tenha medo que o medo acabe”.- Mia Couto, 2011