Harry Shunk e János Kender, fotógrafos de uma época

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Já falamos aqui sobre fotografia e performance. Inclusive, mencionamos os fotógrafos tema do artigo de hoje: Harry Shunk e János Kender. Ativos entre os anos 50 e 80, entre Paris e Nova Yorque, esses dois fotógrafos se especializaram no universo artístico. Trabalharam para inúmeros artistas da época, contratados para documentar performances, happenings, vernissages, além de momentos mais íntimos da criação. Reuniram documentos de toda a efervescência cultural que acontecia nos dois principais polos de arte mundiais. Ao lado de artistas da contra cultura, como Andy Wahrol e Yayoi Kusama, exploraram novas formas de experienciar a arte e participaram de mudanças de pensamento.

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@Shunk -Kender, Yayoi Kusama, 1968

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@Shunk-Kender, Andy Wahrol, 1965

Shunk é alemão e Kender húngaro. Eles se encontram em 1957 na galeria Iris Clert, em Paris. Um ano antes de conhecerem Yves Klein e fotografarem sua primeira performance antropométrica no dia 5 de junho de 1958. Ao longo dos anos muitos outros nomes passaram pelas lentes desses dois fotógrafos: Niki de Saint Phalle, Claes Oldenburg, Jean Tinguely, Merce Cunningham Dance Company, Alan Kaprow, Yves Klein, Robert Rauschenberg e Armam.

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Suas imagens não só participam de um momento de desenvolvimento de novas práticas artísticas, mas também de um momento importante no processo da própria fotografia. Foi uma época onde as fronteiras se abriram, e as diferentes mídias artísticas se misturaram com mais facilidade. A vontade era de fazer uma arte mais viva, liberar o corpo e o gesto artístico. Queriam aproximar o público, a natureza, trabalhar com mais improvisação e de maneira efêmera.

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@Shunk-Kender, Christo e Jeanne-Claude, Wrapped Coast, 1969

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E graças aos dois amigos, Shunk e Kender, essa efemeridade tomou corpo e hoje podemos ver o que lemos nos livros de história. Porém os dois fotógrafos não são apenas documentaristas, eles criam com a originalidade de seus objetos. E participam nos questionamentos, como por exemplo com a fotografia de Yves Klein pulando no vazio. Além das performances, o acervo de Shunk-Kender tem inúmeros retratos e momentos de intimidade de cada artista.

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O centro Pompidou adquiriu 2000 impressões originais do acervo de Shunk-Kender e consacra a primeira retrospectiva dos fotógrafos numa exposição gratuita até 5 de agosto de 2019.

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@Shunk-Kender,Yves Klein, estudo leap into the void, 1960

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@Shunk-Kender,Yves Klein, estudo leap into the void, 1960

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@Shunk-Kender,Yves Klein, estudo leap into the void, 1960

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Ana Mendieta, uma artista plural

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Ana Mendieta foi uma artista cubana enviada aos EUA com 12 anos. Foi através de um programa de exílio da igreja entre 1960 e 1992, chamado “Operação Peter Pan”, que Ana e sua irmã, e mais 14 mil menores cubanos, foram parar nos EUA. Por lá, Ana se formou em artes plásticas e passou pelo então novíssimo departamento de “inter-mídia” da universidade. Em seus poucos anos de vida, ela produziu sem parar, e em vários suportes: fotografia, escultura, performance, pintura e video. Participou do início do land e body art e foi uma importante figura da resistência feminista.

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Seu trabalho é plural, lida com identidade, gênero, conexão e desconexão, relação com o mundo. Separada de sua família muito cedo, tendo que viver no interior Estados Unidos, Ana sempre se sentiu deslocada. Com isso, seus trabalhos perpassam questões que lidam com a representação do eu, da mãe, da mulher, da origem e da casa. Alguns elementos são recorrentes, como o fogo, o corpo ou a silhueta da artista, o negativo e positivo, os elementos da natureza e o sangue.

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Silueta series, 1976

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“Eu decidi que para as imagens terem qualidades mágicas eu tinha que trabalhar diretamente com a natureza. Eu tinha que ir para a fonte da vida, para a mãe terra.” – Ana Mendieta

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Ana Mendieta, ‘Butterfly,’ 1975

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As fotografias de Ana Mendieta documentam suas performances de land art criadas na natureza com o intuito de invocar o espírito da terra e o poder do feminino. Fotografias que se relacionam com imagens primitivas. Além disso, podemos fazer um paralelo de suas performances com a própria fotografia. Ana usava muito uma estética negativo/ positivo. Em vídeos de sua série “Siluetas”, ela usa elementos que transformam seu corpo “negativo” em “positivo” depois do contato com o fogo e a natureza. Além, disso podemos pensar de uma maneira mais filosófica. O corpo se torna positivo quando em contato com a sua origem.

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Outro paralelo pode ser feito com seu vídeo com fogos de artifício. Vemos a luz dos fogos criando uma imagem: a silhueta da artista. É através da luz que percebemos seu corpo tomando forma. Das trevas à luz, da sombra ao claro, da morte à vida. Relações que dialogam facilmente com a mídia fotográfica.

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Anima, Slueta de Cohetes (fireworks Piece), 1976

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Ana viveu pouco, morrendo tragicamente com 36 anos. Colaborou com grandes artistas e produziu uma extensa obra artística. Porém pouco se escuta falar dela nos livros de história da arte. Cubana, mulher, feminista, seu trabalho foi deliberadamente esquecido pelos contadores da história. Mesmo sem muito alarde, o Jeu de Paume em Paris retoma alguns trabalhos desta grande artista e a expõe até dia 27 de janeiro de 2019. Imperdível!

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Uma arte latino americana que perpassa a fotografia e a ecologia

Nicolas Garcia Uriburu é um arquiteto, ecologista e artista argentino que trabalha com performance, arte conceitual e land art. Foi um dos primeiros a usar a arte como meio de chamar a atenção para a ecologia e os problemas naturais que vivemos.

 

Em 1968, muito antes de falarmos sobre as questões ecológicas, Uriburu pintou o Grande Canal de Veneza na época de sua bienal. Mas como assim pintou um canal de Veneza? Então, em protesto contra a poluição das águas, ele usou uma substância química chamada fluoresceína para tingir de um verde artificial as águas da grande cidade da arte contemporânea. A fluoresceína é usada pela NASA para localização de artefatos e pelos oftalmologistas como ferramenta de diagnóstico. Como uma fotografia colorida, seu processo químico no canal revelava para todos problemas ecológicos de ordem mundial.

 

Gostaria de sugerir expandirmos os limites da fotografia e pensarmos que os gestos de Uriburu, em colorir a água, têm uma enorme ligação com a fotografia e seus fundamentos. Suas colorações em defesa do mundo natural oferecem diferentes percepções para o mundo fotográfico. A transformação da fluoresceína se relaciona com a transformação química do quarto escuro para criar um efeito visual. Existe um momento, assim como na captação da máquina fotográfica e da química dos sais de prata, onde a mão do artista não tem controle.

 

 

 

 

Hidrocomias, 1970

 

Depois de Veneza Uriburu tingiu pelo mundo: Nova Iorque, a Riviera Francesa em Nice, o Sena em Paris, o Reno na Alemanha, os chafarizes do Louvre e do Trafalgar Square e do Hara Museu de Tóquio, entre outros. Foi aclamado por muitos pois abriu uma discussão antes do seu tempo participando inclusive de atos com a ONG Greenpeace. Falece em Buenos Aires em 2016.

 

Para retratar o seu trabalho fugidio e manter um registro, primeiramente, as imagens das colorações são feitas de maneira documental. Transcrições imagéticas de seus gestos que mostram o artista e sua ação. Aos poucos Uriburu desenvolve suas tinturas e com isso as imagens que seguem esses atos. São imagens que irão perpassar apenas o documento e trabalhar também o intuito do artista, seus conceitos, e filosofia política e vontade ecológica inseridos na efemeridade de seu trabalho.

 

Nos anos 70, ele cria as Hidrocomias (neologismo de coloração aquática), mesclando fotografia e pastel para realçar as colorações e dar um tom mais estético. Em 1973, novos desenvolvimentos, ele cria em silkscreen o Portfolio Manifesto, uma combinação de mapas e imagens transformados e inseridos no que para ele é a essência das colorações: arte e natureza. Num determinado momento, ele também se colore: pênis, cabelos e pele. Uriburu durante sua carreira transita pela fotografia documental, de paisagem, chegando no retrato. Uma espécie de microcosmo da história da fotografia.

 

Hidrocromia, 1970

 

A arte não tem mais lugar fora da natureza. Seu lugar é na natureza.” Manifesto, 1973 – Nicolas Uriburu

 

 

Uriburu questiona questões clássicas da fotografia: profundidade de campo, ponto de vista, tempo, realidade. Ele trabalha um novo tipo de fotografia, sem camera, que engloba os debates éticos, técnicos e históricos da mídia e os relaciona poderosamente com a vida e questão crucial do futuro: a ecologia.

 

 

 

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Fotografia e performance

A performance tem sua origem nos atos futuristas e dadaístas do início do século XX. Nos anos 50, se mistura ao action painting: quando os artistas começam a ter uma liberdade de ação na criação. Jason Pollock, Kasuo Shiraga, Yves Klein e Nikki de Saint-Phale, por exemplo, demonstram seu processo criativo através de performances. Existe um anseio de sair das salas apertadas do museu e criar um laço mais próximo com o público. Essas primeiras performances ainda eram voltadas para um resultado final específico: a pintura em si.

 

É apenas nos anos 60, a partir da arte conceitual, que a performance ganha notoriedade. Ela vai discutir importantes conceitos como os limites do corpo e da mente, a interação da arte e artista com as pessoas, a reação do público… A performance passa pela improvisação, interação, ação e reação, espaço e tempo da arte e do mundo. É uma nova mídia que permite experimentar com o corpo, o movimento, o som, o espaço e o tempo. E sobretudo interagir sem a quarta parede do teatro ou as amarras da pintura e do cubo branco da galeria e do museu.

 

Mas como vender o invendável por natureza, o imaterial, visto que a performance é para ser efêmera?

 

A fotografia foi uma maneira de documentar o trabalho performático e vender para colecionadores algo material e que trouxesse o conceito de raridade: com certificado, qualidade técnica e edição limitada. Mas as fronteiras se mesclam entre as artes e vão além da pura documentação. Alguns artistas performáticos, por exemplo, trabalharam anos com o mesmo fotógrafo, como Gina Pane e a fotógrafa Françoise Masson. Aqui a relação acaba sendo tão próxima entre os artistas que as duas mídias, através de seus caminhos específicos, resultam em uma representação sensível.

 

Gina Pane - Françoise Masson, Azione Sentimentale (1973)
Gina Pane – Françoise Masson, Azione Sentimentale (1973)

 

Ou ainda, de uma outra maneira, fotógrafos como Harry Shunk e János Kender que entre os anos 50 e 70 fotografaram imagens intensas do desenvolvimento da arte performática na Europa e EUA. Eles trabalharam com Niki de Saint Phalle, Claes Oldenburg, Jean Tinguely, Merce Cunningham Dance Company, Alan Kaprow, Yayoi Kusama, Robert Rauschenberg e Andy Warhol. Aqui é a fotografia que escolhe como tema a performance.

 

Yayoi Kusama, the Anatomic Explosion, Brooklyn Bridge, NY, 1968- Shunk-Kender

 

Arman, Conscious Vandalism Series, 1975- Shunk-Kender

 

Mas a relação entre fotografia e performance consegue se estreitar ainda mais quando o fotógrafo vira performer e usa a imagem como meio de auto-representação. Nesse processo, o artista encena uma ação cujo resultado é dado a conhecer ao público apenas pelo meio fotográfico. Um caso bem conhecido são os falsos stills de Cindy Sherman. A fotógrafa se fantasia para representar modelos femininos associados à cultura contemporânea capitalista: estrelas de cinema, donas de casa… Ela performatiza experiências comuns entre as mulheres ocidentais.

 

Untitled film stills, Cindy Sherman, 1977

 

A fotografia, com sua estreita relação ao real, é também uma mídia interessante para brincar com a interação do público, a improvisação, o espaço e tempo da arte e do mundo. A fotografia possibilita reinventar papéis e narrativas, além de verdades.

 

Brigida Baltar, Torre, 1996

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Tudo junto e misturado

Hoje em dia vamos em uma exposição e muitas vezes não sabemos para o que olhamos, seria uma fotografia, uma performance, uma documentação? Tentamos inserir o trabalho artístico em alguma casinha mas muitas vezes é simplesmente impossível.

 

Em torno de 1960, as “verdades” fotográficas foram duramente postas em questão. As vanguardas artísticas históricas quebraram com o formalismo e o purismo da fotografia moderna e a inseriram na contemporaneidade. O vernaculismo da fotografia dá lugar a uma maior experimentação, uma linguagem menos direta e menos rebuscada. Esses questionamentos acontecem menos através dos fotógrafos e mais por artistas do campo das belas artes. Andy Warhol e Yves Klein, entre vários outros, fundem a fotografia com outras mídias e descobrem novas percepções além da testemunhal. Com isso a fotografia entra no mundo da arte contemporânea onde não existe uma hierarquia pré estabelecida dos papeis de cada mídia, e onde todas as artes se misturam em diversas narrativas.

 

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Andy Warhol, 6 fotografias costuradas, sem título, 1976

 

Aos poucos os fotógrafos vão misturar as mídias e os diferentes conceitos estéticos e artísticos em seus trabalhos. Vai ficando cada vez mais perceptível uma hibridez entre vídeo, foto, instalação, digital, performance, escultura, pintura, etc. Com isso, surge uma série de questões que nos faz pensar sobre os limites que o próprio mercado impõe às artes. Como catalogar obra e artista, para qual departamento do museu a obra deve ser adquirida, em qual nicho de mercado vender o trabalho, qual nomenclatura dar ao artista…?  Será que no fim das contas importa. Para a arte com certeza não, mas para o mercado e suas instituições é outra história. E como um não anda sem o outro…

 

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