Fotografia e a estética do renascimento

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Muitos fotógrafos contemporâneos adotam uma estética renascentista em suas imagens. O uso de um pano de fundo escuro e simples, uma iluminação discreta e dramática, o efeito “chiaroscuro” são alguns dos efeitos usados para passar a sensação desse período. Além disso, as vestimentas e as cores sobres são usadas para criar uma conexão aos pintores renascentistas holandeses e italianos do século 17.

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A fotógrafa holandesa Suzanne Jongmans é um bom exemplo. A beleza tradicional de suas imagens dramáticas dão lugar, ao observador mais atento, à feiúra da contemporaneidade. Suzanne constrói ela mesma os vestidos e acessórios de seus modelos a partir do nosso lixo cotidiano. Imitando as formas e cores de outrora, até os detalhes do chão, Suzanne transforma suas cenas em momentos irreais. Seu surrealismo imagético nos obriga a confrontar as incoerências do nosso cotidiano .

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@Suzanne Jongmans , kindred spirits

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@Suzanne Jongmans , kindred spirits

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A alemã Rebecca Rütten anda pela mesma temática de Suzanne. Suas naturezas mortas de “fast-foods” nos transportam para os antigos quadros da renascença. Como antes, a fotógrafa contemporânea retrata os hábitos alimentares de sua época. Suas imagens cheias de humor nos alertam justamente para essa enorme diferença.

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@Rebecca Rütten,Contemporary Pieces

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@Rebecca Rütten,Contemporary Pieces

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Termino o texto falando da fotógrafa dinamarquesa Trine Sondergaard. Ligada a cultura de seu país, Trine utiliza verdadeiros bonés de época costurados por mulheres dinamarquesas. Esses bonés eram símbolo de status, uma maneira de independência da mulher e claro, um acessório estético de meados dos anos de 1800. Esses bonés dourados ganham uma nova significação quando fotografados em mulheres contemporâneas. A fotógrafa cria uma ponte entre épocas diferentes, nos colocando face a um estranhamento. Lidamos com a ausência e a inexorabilidade do tempo. Lidamos com a imagem da mulher e seus significados antes e hoje. Apesar da luz e da pose sutil, em homenagem ao renascimento, esse boné hoje não tem mais nem a importância social, nem estética de antigamente, mas nos remete a outras simbologias.

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@ Trine Sondergaard, Guldnakke

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David Hockney e a fotografia

O artista inglês David Hockney comemora seus 80 anos esse ano e vários museus pelo mundo estão celebrando sua vida e sua obra, incluindo o Pompidou em Paris que produziu uma retrospectiva com 160 obras, incluindo suas séries fotográficas.

Hockney sempre se interessou pela tecnologia da imagem, através da câmera fotográfica, celular, ipad e afins, ele experimenta inúmeros caminhos pelo universo visual que tanto o fascina. Como tema, ele se interessa pelo cotidiano e o simples – familiares, amantes, colecionadores, paisagens ao redor, objetos da casa – sem hesitar em homenagear, brincar e pegar emprestado estilos como o cubismo, o fauvismo, e elementos de artistas que ele admira como Matisse, Bacon, Picasso… Hockney desenvolve seu trabalho num estreito diálogo entre tecnologia, técnica, pintura e história da arte.

 

Eu acho que a fotografia também nos causou alguns danos. Nos fez ver tudo de uma maneira similarmente chata. Vivemos numa época em que um vasto número de imagens produzidas não se proclamam arte. Elas declaram algo muito mais dúbio. Elas se declaram reais.  – David Hockney

 

 

Nos anos 70, ele começa sua série fotográfica de colagem chamada joiners (marceneiros), primeiro usando impressões de polaroid e depois negativo 35 mm, chegando até impressões a cores comerciais. Usando várias impressões de fotos de diferentes ângulos e momentos de um único assunto, Hockney organiza uma colcha de retalhos para criar uma única imagem final. 

 

Se distanciando da perspectiva clássica induzida pelo olhar da câmera, Hockney experimenta com outras visões espaciais e temporais, dialogando com o movimento, com os diferentes pontos de vistas do cubismo e com a filosofia bergsoniana. A fotografia ganha uma dimensão mais alargada, se expande de tal forma que permite ao espectador uma percepção de uma realidade múltipla que nos é apresentada como resultante de diversos instantes. Cada pequena imagem que compõe o joiner surge um novo olhar, uma nova realidade.

Como dizia o filósofo francês Henry Bergson, nós não apreendemos a vida de maneira sucessiva e instantânea, mas ao contrário, em fluxo contínuo.  Com suas inúmeras imagens que compõe uma imagem única, Hockney torna o tempo visível, ou seja, ele mostra ao espectador as mudanças, o fluxo do tempo. Ele nos tira da sucessão de instantes cortados, para com a profusão deles, nos colocar dentro de diferentes momentos de espaço e tempo. Nossa percepção clássica do espaço exterior é quebrada e o movimento de seus joiners nos envolve com o movimento dos elementos em cena, incluindo tempo e espaço. 

 

E aqui estamos dialogando com a fotografia e não com o cinema, pois o referente se coloca diante da câmera, sem atravessa-la. E em cada imagem, nossa visão é forçada a perceber cada detalhe, num movimento de acumulação contínua da totalidade do tempo, desvendando o que Bergson chamava de duração.

 

 

*a exposição David Hockney – une retrospective fica em cartaz no Centre Pompidou em Paris até dia 23 de outubro de 2017.

 

 

 

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Ambiente tropical, relaxante e divertido

Andrea Chung é uma artista americana que trabalha com fotografia, vídeo, pintura e ilustração. Em cartaz no Museu de arte contemporânea de San Diego, com a exposição “Você dividiu o oceano ao meio para estar aqui” (You broke the ocean in half to be here), o trabalho de Andrea retira antigas imagens de seu contexto anterior para coloca-las em novos contextos que invariavelmente discutem o colonialismo e imperialismo. Com família originária das ilhas do Caribe, Andrea reflete muito sobre a representação de ilhas como a Jamaica e Trinidade e Tobago diante dos países do primeiro mundo, como o próprio EUA.

 

Em seu trabalho “Sandálias de dedo: experimente o luxo incluído” (Thongs: experience the luxury included), Andrea retira a imagem do trabalhador braçal deixando apenas a imagem de seu trabalho físico, rastros de pequenas tropicalidades que discutem especificamente sobre como os turistas estrangeiros percebem a (falsa) realidade paradisíaca dos destinos de férias nas ilhas. A artista explora as percepções entre essas diferentes culturas, economicamente desiguais, onde sempre há um jogo de poder.

 

Andrea Chung, Sandálias: experimente o luxo incluído (você já imaginou um lugar completamente imaculado pelos efeitos do tempo?), 2010

 

Em seu trabalho “Volte para Jamaíca” (Come back to Jamaica), onde ela utiliza um vídeo original feito para atrair turistas no final da década de 90, podemos ver de novo seu claro diálogo entre trabalho, turismo, dinheiro e poder: tudo dentro de um contexto dos regimes coloniais e pós coloniais. Ao manipular imagens reais e antigas, Andrea revela o sonho imagético, e irreal, vendido para o “gringo” através de um mundo pitoresco e fantasioso.

 

Com humor, e muita sensibilidade, de maneira elegante, subjetiva e sutil, Andrea nos alerta para os perigos dos clichês e das representações de poder entre os países economicamente diferentes. Em outras palavras, mais densas e conflitantes, é um chamado ao consciente, olhar para além da imagem, de seus códigos e truques. Navegar para um lado mais real e menos pitoresco.

 

 

*A exposição de Andrea Chung fica em cartaz até dia 20 de agosto, MCASD Downtown, 1100 & 1001 Kettner Boulevard, San Diego.


			
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