A cor na fotografia

A cor tem muitos significados, ainda mais para um fotógrafo. “Bater o branco”, escala de cinza na imagem, inúmeros são os códigos coloridos para o sucesso da imagem e sua paleta de cor.

 

Porém a fotógrafa brasileira Angélica Dass quando pensa em cor, vai além. Mulher, negra, Angélica vem de uma família de múltiplas cores, de múltiplas origens que nunca se limitou às poucas denominações de cores e seus rótulos: branco, negro, mulato… Nós humanos somos uma mistura muito mais complexa e diversa. Seu projeto Humanae trabalha com a variedade da escala de cores pantone para provar, de maneira simples e direta, que não existe etiquetas possíveis para a raça humana. Qualquer tentativa é simplória, burra e racista. A verdadeira cor não é branca ou preta, mas escalas de narrativas, origens, migrações, histórias, revoluções…

 

 

Porque a cor é tão importante?

 

O projeto começou em 2012, como um monólogo com a própria história da artista. Aos poucos a ponte foi sendo feita do pessoal ao global. De uma história particular, toda o passado escravocrata do nosso país pode ser pensado, todo o racismo que ainda existe hoje por causa da cor. Angélica fotografou mais de 3000 pessoas em 15 países diferentes. Ela utiliza as  normas tradicionais da fotografia antropológica e do retrato legal: enquadramento frontal do busto para cima, pose e iluminação direta. O mesmo tipo de retrato que é usado tantas vezes para nos “enquadrar”.

 

Eu entendo a fotografia como um jogo em que os códigos pessoais e sociais estão ali para serem reinventados, uma ponte entre máscaras e identidades. Por isso, uso meu trabalho como ferramenta de questionamento e busca de identidade, para mim e para os outros. – Angelica Dass

 

E porque ainda é tão difícil quebrar com a ideia do preto e branco? Como vemos nas imagens de Angélica, essas paletas nem existem no rosto humano. Esses rótulos vão além da cor da pele. São uma questão cultural, política e econômica. Nosso país, que foi o último a abolir a escravatura, no papel, trava uma luta diária e constante, na imagem, na fala e na ação, para desconstruir os estereótipos. O trabalho de Angélica é importante pois ilustra de maneira óbvia e simples os problemas sociais que enfrentamos e que muitos tentam não enxergar ou não entender. Ela questiona as noções de disparidade e raça com desembaraço, imparcialidade e um rigor quase científico. Seus retratos já são usados por ONG’S, escolas, sociólogos e ativistas para continuar essa importante reflexão sobre a igualdade étnica.

 

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Vamos falar sobre mulheres e a imagem?

Durante o mês de junho, o Centro Cultural Correios, no Rio de Janeiro, está com uma programação bem interessante de debates sobre as mulheres e a imagem. Mais do que interessante, uma discussão necessária!

Já rolaram três mesas até a publicação desse post. Dentre elas, uma sobre o processo de criação e identidade da YVY- mulheres da imagem, em que fui mediadora. Não sou uma pessoa muito politizada, ou melhor, sou muito politizada, mas nunca consegui sentir o lado mais espiritual da política. Sinto na arte, e na fotografia, e acredito que com a arte podemos melhorar o mundo, e ajudar a democratização.

 

Nova logo – YvY, mulheres da imagem

 

A mesa que participei foi bastante interessante, por vários motivos. Normalmente, em debates ouvimos mais sobre o resultado e menos sobre o processo. Essa mesa foi muito cativante pois focou no processo de criação, de organização, nos propósitos em discussão, as dificuldades e os anseios em pauta. Através de inúmeros depoimentos de mulheres presentes me surpreendi e me envolvi na busca por algo maior, por um sonho ideal e coletivo de igualdade e justiça. Pela primeira vez, entendi a política como um caminho também espiritual.

 

Um sonho? Sim. Mas que elas estão trabalhando muito para tornar uma prática. Vamos nos juntar?

 

Os três pontos que mais me chamaram atenção foram:

  1. uma organização horizontal. Diferente da organização vertical tão difundida na sociedade patriarcal, porque não tentar uma outra alternativa mais igualitária e criativa.
  2. o discurso pela representatividade. Apesar da mesa em questão não ter muita representatividade, o projeto quer e procura mais representatividade de mulheres, e pessoas que se identificam enquanto mulheres, de todo o Brasil.
  3. A arte como arma de luta coletiva através da melhor arma que temos: a imagem.

 

Mais informações sobre ações e encontros da YVY – mulheres da imagem no facebook.

Abaixo a programação completa do ciclo de debates do FotoRio, Mulher em Foto:

Cada mesa acontece de 17 às 19h, no Centro Cultural dos Correios, Rio de Janeiro.

 08/06: Fotógrafas brasileiras na foto de 6 Nov 2016 – com Andreas Farias, Bruna Prado, Luciana Macedo, Simone Marinho e Wania Corredo – Mediação: Marcella Marer.

09/06: YVY – Mulheres da Imagem – Organização: Marizilda Cruppe, com Bárbara Cunha (PE), Claudia Ferreira (RJ), Flávia Correia (AL), Isabella Lanave (PR) e Maíra Cabral (MG) – Mediação: Ioana Mello.

10/06 – Débora 70 – “Trajetória” e Fernanda Chemale – “Rastros d’Eus” – projeção com debate – Mediação: Cristina Zappa.

13/06: Fotógrafas Pretas – com Fernanda Dias, Lita Cerqueira e Valda Nogueira (Imagens do Povo) – Mediação: Thaís Rocha.

20/06: Mulher, fotografia e história – com Maria do Carmo Rainho, Thereza Bandeira de Mello e Mariana Muaze – Mediação: Silvana Louzada.

22/06: Fotografia pública e as mulheres – Ana Maria Mauad (LABHOI / UFF)

27/06: Fotógrafa: Rua, Polícia e Comunidade – com Jussara Paixão (fotógrafa da Polícia Civil), Márcia Foletto (O Globo), Thaís Alvarenga (Coletivo Negras[fotos]grafias) – Mediação: Silvana Louzada.

29/06: Relato de Experiência com Claudia Ferreira – fotógrafa, autora dos livros: Mulheres em Movimento e Marcha das Margaridas.

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A representação do negro ao longo da história da fotografia

Essa foto de Tinko Czetwertynski apareceu no meu feed por acaso, como acontece normalmente no incrível mundo do facebook. Mas diferente de tantas besteiras que aparecem, essa imagem me fez parar e pensar: como a fotografia vem representando o negro ao longo dos anos?

 

Pelas lentes de dois fotógrafos europeus, Augusto Stahl e Henrique Klumb, que vieram para o Brasil com a família real, encontramos imagens de negros datadas de 1865. São imagens mais antigas que o ato histórico da abolição da escravidão em 13 de maio de 1888.

 

Antes deles, pintores, desenhistas e cientistas, também europeus, como Debret e Louis Agassiz,  já haviam retratados os negros, mas de uma maneira ora ligada à proporção dos corpos e feições físicas, ora ligada ao exotismo e romantismo do olhar colonial.

 

Nesta trajetória do negro enquanto modelo de representação, pôde-se constatar que estamos diante de cenas construídas onde o negro se viu embelezado por uns e animalizado por outros. -Boris Kossoy

 

Os dois fotojornalistas seriam os primeiros que tentaram sair dessa visão curiosa de colonizador. Com uma visão mais objetiva e ligada ao presente histórico, os dois iriam retratar mais realisticamente e criticamente a situação de opressão e miséria vivida pelo negro escravo. Em meados do século XIX, seria uma primeira tentativa de se interrogar sobre os problemas sociais e econômicos do Brasil escravocrata.

 

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Auguste Stahl – 1865

 

 

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São imagens que mostram o olhar triste, as cicatrizes, a crueldade no trato com o escravo. Stahl e Klumb retratam o cotidiano e o trabalho duro da cidade em imagens roubadas, não pousadas e sem a presença da fauna e flora brasileiras  (tão características do ambiente exótico, romântico e montado em que eram retratados anteriormente os escravos). As imagens dos dois fotojornalistas são feitas para criticar a sociedade branca, materializar o cotidiano do negro e possibilitar uma visão mais realista do trabalhador oprimido e de sua sociedade escravocrata.

 

 

Por um outro lado, a fotografia também demorou no plano tecnológico a dar espaço à representação negra. Lorna Roth explica em seu artigo na revista Zum que até a década de 1990 os laboratórios de fotoprocessamento da Kodak não tinham uma boa calibragem (nem instruções) para a impressão colorida de peles mais escuras. O padrão de balanceamento de cores para impressão era medido a partir de mulheres brancas, os cartões Shirley, numa espécie de racismo tecnológico.

 

As Shirleys atravessaram décadas e continentes, definindo e balizando de maneira estreita as tonalidades de cor de pele nas imagens fotográficas, e transmitindo uma mensagem social e psicológica sutil sobre a dominância da pele branca. Representam, ademais, uma beleza e uma estética de gênero euro-ocidental que correspondia, na época em que foram criadas, à noção popular masculina da aparência feminina ideal. -Lorna Roth

 

Os anos passaram, e em 2016, vejo a foto inicial de Tinko, e penso que ainda não estamos muito longe do século XIX. Não, não somos mais escravocratas, sim, avançamos muito nos diretos raciais e na tecnologia, mas uma foto como esta ainda causa um certo estranhamento, evidenciando os presentes problemas sociais e econômicos do Brasil.

Simbolicamente, vale ressaltar que a modelo branca vestida de servente no meio da foto é um membro da família real brasileira.

 

 

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O que você vê?

Sem querer me estender muito, todos já olharam para o lado e tenho certeza que estão percebendo o aumento de intolerância, medo e racismo, no Brasil e no mundo. Em algumas palavras, Inglaterra que vota sua saída da União Europeia, mais um ataque terrorista na Turquia, na França, atentado de Orlando… Enfim, não vou enumerar aqui todas as últimas manchetes.

Mas essas notícias me lembraram uma palestra no MAR – Museu de Arte do Rio – onde alguém falou uma frase sobre os refugiados (tenho que melhorar meus métodos de anotação, não sei mais quem disse isso) .

 

OS REFUGIADOS SÃO CORPOS, E NÃO-IMAGENS.

 

Hoje em dia, a imagem é totalmente e absolutamente visível, transparente. Mais do que isso, hoje somos “vistos” e representados mais por imagens que por corpos. Online e off-line, somos imagens pornográficas que não escondem nada, sem mistérios. Perfeitas, pensadas, posadas e clicadas.

 

tudo precisa acontecer na tela, sob esse dedicado materialismo da visibilidade do mundo.

 

Corpos são sobras, estatísticas, simbolicamente invisíveis.

 

Voltando a nossa frase de efeito, se os refugiados são corpos e não-imagens, eles perdem seus direitos, sua humanidade, pois sem as imagens não existimos no mundo de hoje.

 

Mas existimos.

 

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“I was afraid when it was calm, when they checked to see who had passed away and who was injured. I felt safer in the midst of the shelling. I preferred to sing or listen to music when it was calm.” © Omar Imam

 

 

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“My wife is blind… I tell her the stories of her favorite TV series and sometimes change the script to create a better atmosphere for her.” © Omar Imam

 

 

Toda as imagens desse post são do fotógrafo sírio Omar Imam, tiradas de refugiados sírios no Líbano, país que conta com mais de 1 milhão de exilados. O link, as imagens e suas histórias são imperdíveis. http://arabdocphotography.org/project/live-love-refugee

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