Fotografia e magia

A fotografia tem uma mística e um caráter mágico até hoje, mesmo com toda a banalização da imagem dos últimos tempos. É notório o fácil acesso e difusão da fotografia, com qualquer um que pode tirar uma foto com o celular e em segundos repassar para o mundo e o enorme número de imagens que vemos em todos os lugares e em todos os momentos. Mas a fotografia tem sua magia. Uma foto testemunha uma sensibilidade especial diante do real. O fotógrafo procura sempre pelo mistério.

 

Como já falamos algumas vezes por aqui, a relação entre fotografia e real nunca foi simples e inocente. A fotografia foi inventada por causa de um desejo ancestral de mimesis. E como podemos interpretar dos filósofos gregos, a imitação é uma tentativa de copiar o mundo das ideias, ou em outras palavras, uma tentativa de representar um lado mágico da natureza.

 

E os feitiços da fotografia? Para o escritor francês Honoré de Balzac, a câmara fotográfica não atingiria os corpos, mas a alma, retirando uma camada do espírito humano a cada clique. Tribos indígenas também acreditavam nessas bruxarias fotográficas e tinham medo de serem fotografadas.

 

Quais seriam os feitiços metafóricos da fotografia hoje?

O teórico Vilem Flusser dizia que o espaço-tempo construído a partir da fotografia é próprio da magia. Como já falamos aqui, a fotografia se caracteriza por uma espera dentro do tempo e do espaço, onde tudo se repete em diferentes camadas de tempo, dentro de uma duração e não de um instante linear. O mundo da magia é estruturalmente diferente do mundo da linearidade, onde tudo é um efeito e causa. Por exemplo, no mundo linear, o pôr do sol é a causa da chegada da lua. No mundo mágico, o pôr do sol significa amor ou solidão… As imagens têm um significado mágico.

 

A fotografia identifica o verdadeiro caráter do mundo mágico.

 

 

Zé Barretta, Pigmento Ancestral

 

A fotografia significa tanto um fim quanto um começo para a representação. Pierre Taminiaux, The Paradox of Photography (2009)

 

Me deparei há poucos dias com o ensaio “Pigmento Ancestral” de Zé Barretta. O fotógrafo, a partir de imagens documentais da região da Serra da Capivara, recriou um universo particular. Apenas com seu recorte, luz e olhar, ele questionou o real, o que nos é dado e mais do que isso, inventou um universo mágico. Cada um coloca suas próprias referências. Esse ensaio propicia um diálogo sobre a ambigüidade entre o real e o imaginário, e também, uma reflexão sobre o que se espera das imagens fotográficas, e mais ainda, um questionamento sobre a imagem fotográfica em si. O que é real, o que é ilusão, espaço, tempo, memória, como se dá nossa percepção.

 

Dialogando com a própria essência da fotografia e seu caráter indicial, as pinturas rupestres nas paredes da caverna são indíces, referentes de algo passado que ficou para nós no momento presente. Pode ser uma linguagem, uma representação, não sabemos hoje. Mas como indaga o próprio fotógrafo, e se esses símbolos não fossem nem referentes, nem linguagem, mas apenas uma forma de conectar-se com a natureza e transformá-la. E a partir dessa indagação, ele pensa a fotografia e fotografa criando o mágico.

 

Zé Barretta, Pigmento Ancestral

 

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Alguns pontos de uma longa discussão sobre a teatralidade na fotografia

Henry Cartier-Bresson falava do “instante decisivo” na fotografia. Esse instante seria a captura de um momento único no mundo sempre em movimento (ótima idéia para um futuro post pois poderíamos discorrer um bom tempo sobre isso). Diferente de um momento que aconteceu diante da câmera, a teatralidade na fotografia traz o conceito de uma maior construção da imagem.

 

Quando falo de teatralidade na imagem, penso em encenação e performance. Em uma imagem ligada ao teatro. Como a imagem de Marcel Duchamp travestido em Rose Sélavy feita por Man Ray em 1920.

 

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Mas em que sentido ligada ao teatro? A arte do teatro pode ser exemplificada como uma interpretação de uma história para uma plateia, com capacidade de iludir e criar simulacros. O espectador sabe que está vendo algo falso mas é envolvido e se deixa enganar. Como de uma certa maneira também acontece no cinema e na televisão. O fotógrafo Jeff Wall diz que o cinema é extremamente poderoso em iludir o espectador, é um meio sonâmbulo dele se aproximar da utopia.

 

O teórico modernista Michael Fried, ao criticar as obras minimalistas, protesta contra o que ele chama de teatralidade das obras, pois, para ele, os minimalistas transformavam o observar da obra em um espetáculo onde tudo já era dado e desvendado previamente. Ele defende uma imagem desprovida de artifícios.

 

Imagens rebuscadas, cores vivas ou detalhes teatrais apelativos, esses artifícios da imagem teatral seriam capaz de envolver o olhar do espectador numa mentira, num jogo onde a ilusão vira realidade. Mais do que isso, a encenação substitui o real, levando o espectador ao engano no espaço da vida (social, político…).

 

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Inserido em uma história da arte, alguns fotógrafos, segundo Fried, escapam da teatralidade nefasta e dialogam com as problemáticas do simulacro (cinematográfico, no caso). Artistas como Hiroshi Sugimoto, Cindy Sherman e Jeff Wall. Sherman, por exemplo, imita as fotografias stills do cinema com um grande cuidado em manter uma total neutralidade. Ela não quer retratar emoções fortes, como normalmente vemos em fotos de bastidores de filmagens. Ela imita os stills na técnica e nas cenas que ela reproduz, porém faz questão de resistir ao teatral mantendo grandes distâncias do objeto, ou fazendo um enquadramento de perfil. Sempre há uma atenção de sua parte de não explicitar uma comunicação entre o público e o objeto, de manter uma distância e de sobretudo não dramatizar.

 

Sugimoto, em sua série “Theaters”, quebra com a ilusão, pois retira de seus cinemas, além do próprio filme, os espectadores, e de seus drive – in os carros. Ele desmistifica o cinema, retira toda dramaticidade e teatralidade e deixa o espectador da fotografia livre para poder entrar no seu cinema e olhar consciente e criticamente esses templos de ilusão.

 

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Mas podemos defender que uma obra de arte é teatral por excelência porque terá sempre uma relação com o espectador, a obra não existe sem o olhar (alguns filósofos defendem que sim, que a obra existe por si só). Assim, a teatralidade se daria na fotografia quando essa seduz o espectador numa experiência espaço-temporal, confundindo-se com o real, apelando para vários sentidos do espectador e transformando-o.

 

Como mostra Catarina Vaz em sua dissertação de mestrado, a teatralidade pode ser pensada bem mais positivamente que Michael Fried supõe. Pois seria “a capacidade de absorver o espectador através de um jogo, criando duplos, que o faz transgredir e anular-se para se colocar na obra”. A obra, em sua teatralidade, comove, mexe, transforma o espectador. Estabelece um jogo com os sentidos criando comunicação.

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