A fotografia documental na fluidez contemporânea

(foto documental de capa de jürgen nefzer, Bure, sobre o ativismo antinucelar na França)

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Entre os dias 10, 11 e 12 de maio acontece o Photo Doc, o festival de fotografia documental de Paris. Nesse nosso universo imagético atual, em plena transformação, é interessante (além de extremamente necessário) discutir sobre as novas fronteiras do documental.

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“Anteriormente, a foto documental era uma cautelosa apreensão do outro. Ela hoje percebe o seu poder. Já foi o tempo da fotografia documental como simples observadora humanista de olhar passivo e distanciado”. – Charlotte Flossaut, fundadora do Photo Doc.

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A imagem documental é uma tentativa de nos relacionarmos com a realidade. Em tempos onde as fronteiras estão cada vez mais fluídas, a própria imagem documento passa por um questionamento. Com o digital, o universo virtual, a inteligência artificial, o real está em processo de reformulação. E qual relação queremos ter com essa nova realidade?

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@nathalie lescuyer, I love humanity. Trabalho documental/ pessoal sobre refugiados que a fotógrafa abrigou na casa dela.

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É bem verdade, que o conceito de realidade sempre evoluiu ao longo da história. Pois o real é construção. Temos que nos perguntar hoje, na nossa época, onde está o real? Se existe um real. E sobretudo, quem o detém? A imagem documental pode nos ajudar a responder essas perguntas.

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Com o uso de novas formas e sentidos, a fotografia documental aceita mudar seu olhar sobre o mundo e ganha força nessa transformação. A militância exagerada na imagem documento pode resultar mais facilmente numa imagem rasa, beirando a publicidade. A abertura para a arte, para o uso de imagens de arquivo, da estética, e para inúmeras intervenções, cria diversas camadas que enriquecem a relação entre o documento e o real. E sobretudo, ajudam o fotógrafo documentarista, no seio da história, a criar mais meios de se engajar questionando problemáticas mais profundas e “invisíveis” – a temperatura, a radioatividade, os medos, as ameaças, a ecologia…

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@anaïs tondeur, carbon black. Trabalho com ajuda tecnológica para documentar a poluição ambiental.

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@ulrich lebeuf, alaska, 2008.
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E agora, sem memória, quais as nossas opções?

Não posso deixar de comentar a tragédia que abriu o mês de setembro: o incêndio do Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, na Zona Norte do Rio de Janeiro. A instituição de 200 anos tinha um extenso acervo que continha documentos da realeza, fósseis, múmias, livros de antropologia, itens indígenas… Eram milhões no acervo! Enfim, uma parte de nossa história e da nossa memória devastados!

 

Já faz tempo que o Brasil (e parte do mundo) vem querendo esquecer a história, a cultura, o bom senso, a empatia, a dignidade. E como criar um futuro sem todas essas referências? Infelizmente, agora, apenas com medidas paliativas.

 

Ricardo Moraes, Reuters

 

Em uma tentativa de juntar os cacos, alunos e pesquisadores da UNIRIO estão atrás de imagens do acervo do Museu tiradas pelo público. A materialidade dos objetos e obras se perdeu para sempre. Contudo, a fotografia pode ajudar numa retomada virtual desse acervo. É uma maneira de reparar, de reagir, de repassar para futuras gerações e de relembrar. Não é a melhor maneira, mas agora, depois da tragédia, é a única.

 

Fotografia, documento e história sempre andaram muito junto.

 

No meu post de agosto do Ateliê Oriente, falo justamente das imensas possibilidades de inovação que a fotografia e a tecnologia tem ao se juntarem. A realidade virtual pode explorar os limites da imagem, da arte e da museologia. Novos caminhos podem ser tomados perpassando ideias como um acervo virtual expandido e detalhado. Ou um catálogo virtual mais democrático e de fácil preservação… Oportunidades que expandam a cultura, aumentando e diversificando o acesso. Como digo no post, inúmeras pessoas estão explorando e pensando os novos rumos e possibilidades da tecnologia. Inclusive no Rio de Janeiro, a nova Casa Firjan está discutindo novas oportunidades que perpassam a memória e a história.

 

Museu do Índio no Google Arts & Culture

Um exemplo interessante, é o próprio Google arts & Culture que disponibiliza acervos de museus do mundo todo. Além do acervo, ainda existe a possibilidade de ver detalhes da obra, ler sobre o autor, relacionar com outras obras da mesma época… Nesse momento minha dor estaria um pouco mais apaziguada se o acervo do Museu Nacional fizesse parte desse projeto.  Mais uma vez digo, não é a solução. Mas é uma alternativa interessante, que abre novos caminhos que ainda estamos explorando e descobrindo.

 

Porém, nada disso é viável com a mentalidade atual de corte de gastos com a tecnologia, a cultura e a ciência. Mas vamos imaginar, e lutar, por um futuro diferente.

 

MET, 1988, Elliott Erwitt | Magnum Photos

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Venha conferir a fotografia e a realidade virtual em Arles

Pois é meus queridos, esses encontros de Arles deram pano para manga… Num festival de fotografia desse porte, é interessante notar as discussões em torno dos limites da imagem. O festival quer pensar para além do papel, apresentando instalações de arte contemporânea, vídeos e um pequeno festival de realidade virtual.

 

A realidade virtual cresceu muito desde o início da internet e sua propagação se deu nos anos 90. Mais conhecida quando ligada aos jogos de video-game, no festival de fotografia de Arles, a realidade virtual (RV) é usada pelos artistas dentro de possibilidades expressivas voltadas para imersão e sensação artística. Em Arles é a galeria francesa Fisheye que organiza o mini-festival de RV em um antigo convento, e conta, esse ano de 2018, com 21 “filmes” competindo – entre documentários, ficções e experiências interativas. São artistas do mundo todo – americanos, alemães, africanos, gregos, franceses… – numa tentativa de alargar as perspectivas, gerar poesia e pensar a imagem em outras dimensões. O resultado é bastante variado nas histórias e aproximações, mas todos nos catapultam para realidades aumentadas. Não podemos deixar de mencionar a participação ativa de uma enorme tecnologia que por vezes ajuda e nos surpreende com odores, toques e sons incríveis. Mas outras vezes se fazem muito presentes e limitantes.

 

Marshmallow Laser Feast, Treehugger: Wawona

 

 

A realidade virtual é uma linguagem imagética, assim como a fotografia.

 

Esse ano o ganhador do festival de RV de Arles foi o coletivo londrino Marshmallow Laser Feast com a obra Treehugger: Wawon, onde o visitante se torna um com uma árvore. As sensações se espalham das raízes até o topo através da experiência da chuva: uma gota de água que entra na terra, o sopro do vento e o farfalhar das folhas, a fotossíntese de uma sequóia gigante… O coletivo quis apostar numa obra que tenta mostrar o invisível e criar um outro olhar em relação à natureza. Oriundos da fotografia, o grupo relata que a RV tem a vantagem de surpreender mais o espectador que se deixa levar mais facilmente e menos indiferente em novas perspectivas e momentos pouco habituais.

 

A obra Treehugger: Wawona tem uma vertente interessante de arquivo do mundo real. Trabalhando em florestas do mundo todo, junto a cientistas e biólogos e com espécies de árvores em extinção, o coletivo Marshmallow Laser Feast iniciou uma campanha de preservação real e virtual dessas árvores, além de guardar esses dados virtuais de importância ecológica.

 

Marshmallow Laser Feast, Treehugger: Wawona

 

Mais do que o lado artístico das obras, que rapidamente se esgotam nas delimitações tecnológicas da RV, a curiosidade maior é descobrir, quase por acaso, as outras inúmeras possibilidades. Arquivos reais, ciber-arqueólogos, experiências meditativas, museus online, esses são alguns exemplos de possibilidades de uso da RV, para além da artística.

 

*o festival de realidade virtual dos Encontros de Arles vai até dia 26 de agosto de 2018

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