Fotografia e o Sublime

Immanuel Kant foi um filósofo alemão do século XVIII, considerado um dos pais do pensamento moderno. Em resumo, Kant trabalhou pensando entre o empirismo e o racionalismo. Discutiu metafísica, política, e também a sensibilidade da homem, ou a estética. Dentro disso, ele discorre muito sobre o belo e o sublime. Segundo ele, a experiência do belo é uma experiência de conformação de mundo, que lida com a forma dentro dos seus limites. Diferentemente do belo, a experiência do sublime é o momento onde a imaginação, atordoada por um excesso de grandeza ou poder, falha em “compreender” e exalta.

 

Kant, em toda sua análise, não entra muito no mérito do sublime nas artes, muito menos na arte fotográfica. Nada impede que tratemos agora desta questão, mais precisamente do sublime na fotografia.

 

Thomas Ruff, 1989

 

O que poderia aproximar a fotografia da experiência do sublime? A sua relação com o referente.

 

A fotografia está ligada ao real, e com isso tem uma reflexão diferente de outras formas de arte. A pintura pode imaginar o referente, pinto uma casa sem tê-la visto. A fotografia não apenas relembra o passado, ela trás uma suposta comprovação do passado, atesta que o que vejo agora na foto, de fato existiu. A fotografia coincide com seu o status de documentação, certamente mais que qualquer outra arte, e com isso nos coloca numa presença imediata do mundo, de ordem quase metafísica.

 

Cada foto vem nos abalar, nos lembrar da nossa própria existência e assim, da nossa própria morte, fazendo com que tudo mais se torne pequeno, sem sentido e sem importância. A fotografia nos cria um abalo interno, uma angustia, um prazer e um desprazer diante da foto, uma experiência do sublime. Excedemos nossa capacidade de esquematização, damos asa a nossa imaginação e quebramos as amarras. A fotografia nos provoca a experiência de algo de outra ordem, ou seja, passamos a ser capazes de conceber algo maior, ou mais poderoso: algo sublime.

 

The Tetons and the Snake River, Wyoming, 1942, Ansel Adams

 

*mais considerações sobre a fotografia e o sublime aqui.

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Fotografia e magia

A fotografia tem uma mística e um caráter mágico até hoje, mesmo com toda a banalização da imagem dos últimos tempos. É notório o fácil acesso e difusão da fotografia, com qualquer um que pode tirar uma foto com o celular e em segundos repassar para o mundo e o enorme número de imagens que vemos em todos os lugares e em todos os momentos. Mas a fotografia tem sua magia. Uma foto testemunha uma sensibilidade especial diante do real. O fotógrafo procura sempre pelo mistério.

 

Como já falamos algumas vezes por aqui, a relação entre fotografia e real nunca foi simples e inocente. A fotografia foi inventada por causa de um desejo ancestral de mimesis. E como podemos interpretar dos filósofos gregos, a imitação é uma tentativa de copiar o mundo das ideias, ou em outras palavras, uma tentativa de representar um lado mágico da natureza.

 

E os feitiços da fotografia? Para o escritor francês Honoré de Balzac, a câmara fotográfica não atingiria os corpos, mas a alma, retirando uma camada do espírito humano a cada clique. Tribos indígenas também acreditavam nessas bruxarias fotográficas e tinham medo de serem fotografadas.

 

Quais seriam os feitiços metafóricos da fotografia hoje?

O teórico Vilem Flusser dizia que o espaço-tempo construído a partir da fotografia é próprio da magia. Como já falamos aqui, a fotografia se caracteriza por uma espera dentro do tempo e do espaço, onde tudo se repete em diferentes camadas de tempo, dentro de uma duração e não de um instante linear. O mundo da magia é estruturalmente diferente do mundo da linearidade, onde tudo é um efeito e causa. Por exemplo, no mundo linear, o pôr do sol é a causa da chegada da lua. No mundo mágico, o pôr do sol significa amor ou solidão… As imagens têm um significado mágico.

 

A fotografia identifica o verdadeiro caráter do mundo mágico.

 

 

Zé Barretta, Pigmento Ancestral

 

A fotografia significa tanto um fim quanto um começo para a representação. Pierre Taminiaux, The Paradox of Photography (2009)

 

Me deparei há poucos dias com o ensaio “Pigmento Ancestral” de Zé Barretta. O fotógrafo, a partir de imagens documentais da região da Serra da Capivara, recriou um universo particular. Apenas com seu recorte, luz e olhar, ele questionou o real, o que nos é dado e mais do que isso, inventou um universo mágico. Cada um coloca suas próprias referências. Esse ensaio propicia um diálogo sobre a ambigüidade entre o real e o imaginário, e também, uma reflexão sobre o que se espera das imagens fotográficas, e mais ainda, um questionamento sobre a imagem fotográfica em si. O que é real, o que é ilusão, espaço, tempo, memória, como se dá nossa percepção.

 

Dialogando com a própria essência da fotografia e seu caráter indicial, as pinturas rupestres nas paredes da caverna são indíces, referentes de algo passado que ficou para nós no momento presente. Pode ser uma linguagem, uma representação, não sabemos hoje. Mas como indaga o próprio fotógrafo, e se esses símbolos não fossem nem referentes, nem linguagem, mas apenas uma forma de conectar-se com a natureza e transformá-la. E a partir dessa indagação, ele pensa a fotografia e fotografa criando o mágico.

 

Zé Barretta, Pigmento Ancestral

 

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