Tenho uma grande amiga que inicia sua trajetória no mestrado de ciências políticas na França. Como sabemos, a atualidade nessa área são os refugiados e as inúmeras questões econômicas, políticas e sociais que seguem. O poder de observação da minha tal amiga, e suas longas horas de estudo, a fazem querer escrever sobre a palavra. Ou a falta dela. Ou seja, sua dissertação seria sobre a falta de diálogo, de conexão e proximidade com as verdadeiras vítimas dessa tragédia.
Resumidamente, a imagem do refugiado é moldada de acordo com inúmeros interesses. Interesses esses que levam ONG’s, governos e grupos ativistas a se preocuparem pouco com o próprio refugiado. Resultado: a pessoa mais consternada com os fatos, que deveria ser ouvida, é a que menos tem lugar de escuta e diálogo.
Com isso em mente, volta ao meu pensamento uma exposição com nome esquisito, “Um tênis como Jay Z”, esquecida entre grandes nomes no festival Rencontres D’Arles. Um projeto social e fotográfico iniciado em 2017 por quatro assistentes sociais voluntários e dois fotógrafos franceses junto ao primeiro Centro de Acolhimento de refugiados de Paris. Como funciona? Os refugiados são recebidos no centro e podem escolher roupas e calçados doados, numa espécie de loja onde tudo é gratuito. Frédéric Delangle e Ambroise Tézenas resolveram dialogar com esses migrantes, recém chegados na França, sobre o papel da vestimenta em suas “novas vidas”.
O que significa para cada uma daquelas pessoas os acessórios escolhidos?
Apesar de serem roupas usadas, como elas funcionam para cada um deles: o que trazem, o que mascaram? Como criam esperança e protegem (e não apenas do frio e da chuva)? Cada fotografado escolheu uma roupa no vestiário e explicou o porquê. Esse discurso aparece ao lado de cada imagem com o nome do fotografado, e atinge de maneira direta o espectador. Somos unidos em nossa humanidade. E nos reconhecemos prontamente, com nossos medos e máscaras perpassados em nossos hábitos vestimentares.
A roupa não é mero luxo, é também criação de identidade, individualidade, acolhimento psicológico. Esse projeto conseguiu fugir da imagem clichê do refugiado e criar uma oportunidade de escuta e diálogo. “Um tênis como Jay Z” coloca tudo isso em jogo e aumenta nossa conexão com pessoas que num primeiro olhar parecem virem de realidades tão distantes.
O vídeo com a explicação do projeto: (em francês com legenda em inglês)