A linda exposição de Albert Renger-Patzsch fica em cartaz no Jeu de Paume em Paris até janeiro de 2018. Fotógrafo de nome difícil e olhar suave, o alemão Albert participou do movimento da nova objetividade nos anos 20. Movimento pós guerra, que surgiu na Alemanha como resposta ao Expressionismo e seu subjetivismo, a Nova Objetividade queria trazer de volta um realismo nas artes.
“It’s important to see things the way they are.” (Otto Dix, pintor da Nova Objetividade)
Na fotografia, esse movimento teve uma dimensão anti-pictorialista, querendo trazer a tona a objetividade da mídia fotográfica. Albert foi um grande nome a frente desse movimento, e conseguiu dentro da precisão do meio e suas caraterísticas miméticas, acrescentar um olhar belo as suas imagens. Sua identidade estética testemunha de um rigor técnico e formal que usa a camera para intensificar a nossa visão e consciência de realidade. Ele consegue trabalhar com o fundamental da fotografia para criar. Justamente por isso, por sua simplicidade e sobriedade, em um estilo quase documental, suas imagens são tão fortes.
Sua retrospectiva em Paris, consegue abarcar suas fases e seus diferentes objetos de estudo: como as plantas, as paisagens alemãs, os objetos industrias e a arquitetura. São diferentes temas mas apenas um foco principal: o estudo da fotografia. Em suas pesquisas conceituais, Albert consegue conjugar a potencialidade criativa e artística da fotografia com seu lado técnico e mecânico.
Durante sua vida, lançou vários livros. O que mais me chamou atenção foi seu livro “O mundo é belo” de 1928. Numa representação realista do mundo, através de ângulos de visão criativos e inusitados, Albert nos apresenta monumentos, estruturas industrias, objetos, natureza, paisagens: o mundo de formas que ele descobriu. Um inventário universal e uma bela surpresa para os leitores. Mesmo entre duas guerras, as imagens de Albert parecem extremamente positivas, quase abstratas à realidade intensa daquela época, senão fosse por seu compromisso com a realidade.
Inspirada a pensar sobre arte e física pelo ótimo professor Lucas Sigaud nas aulas do PróSaber, no Rio, sobre arte, educação, filosofia e estética, resolvi escrever algumas considerações.
Ciência e arte são considerados mundos opostos. De um lado a ciência poderia ser definida como uma tentativa de explicar a natureza, e a arte seria mais uma interpretação desse mundo. Porém física e arte vão além, ambas perpassam seus limites e lidam com questões filosóficas da humanidade que acabam aproximando-as. Entre estudos exatos e considerações estéticas importantes, o resultado é: descobertas nas duas áreas que enriquecem a linguagem e a interpretação de ambas e que nos ajudam a lidar com o mundo a nossa volta.
A fotografia, desde o tempo das lanternas mágicas passando pela câmera obscura, estaria mais vinculada à ciência do que outras artes: na engrenagem dos aparelhos de fotografia, no filme colorido, nos jogos óticos das lentes. É uma mídia muito diferente da pintura ou escultura, ela só existe por causa da ciência.
A invenção da fotografia baseia-se num equívoco estranho que tem a ver com sua dupla natureza de arte mecânica: o de ser um instrumento preciso e infalível como uma ciência e, ao mesmo tempo, inexato e falso como a arte. A fotografia encarna uma ”arte exata” e uma ”ciência artística”, o que não tem equivalentes na história. – Francesca Alinov
A fotografia é uma mídia derivada da técnica – lente, foco, distância, fonte de luz, papel de revelação, retoque – e assim, uma foto não é somente a conseqüência de uma impressão do referente na foto, é também uma interpretação das propriedades técnicas da câmera e de seus aparatos. Um filme Kodak vai ter características técnicas diferentes dos filmes Fuji, limitando uma certa leitura sobre as cores, por exemplo. O verde da fotografia de paisagem vai ser um símbolo do verde das matas que vivenciamos, apenas uma leitura técnica inserida no espectro possível de verdes do filme padronizado.
A relação da fotografia e ciência passa pela temática também. A fotografia vai mostrar beleza na ciência, aproximando-a da arte. Muitos artistas aproveitam as descobertas da física para criarem suas obras, como as teorias espaciais que estiveram em alta no século XX. Quando a física mostrou que o universo era muito maior do que imaginávamos, questões existenciais como “qual o nosso papel no universo?” surgiram e se estenderam às artes. Ou os seres microscópios, a eletricidade, as nuvens, o movimento, o som, tudo isso já serviu de tema para a fotografia estreitando os limites entre as duas áreas.
O artista alemão Christoph Keller é um bom exemplo do estreitamento entre arte e ciência. Formado em física, matemática e hidrologia antes de entrar na faculdade de arte, Keller dialoga com as duas áreas, arte e física, e faz isso, inúmeras vezes, através da fotografia.
Em 2011, fez uma exposição no Centre Pompidou chamada “Éter, da cosmologia à consciência”. Seu projeto expunha vídeos, fotografias e textos que lidavam com a questão: o que somos e para quem nos comunicamos? Para o artista o “aether” discute o conceito do desconhecido. Desde Platão, passando por Descartes, Newton, Pointcaré e Kant, o éter sempre apareceu como um conceito elusivo nas ciências e na filosofia.
Na filosofia representa a ausência de ausência, isto é, a impossibilidade de conceber o vazio. Na ciência representa um elemento e um meio, incapaz de mudança e mais sutil do que a luz. O éter é também o quinto elemento, que não tem qualidades e, por definição, nunca poderia ser exatamente concebido nem fisicamente comprovado.
A proposição do “aether” para a exposição é pensada como uma metáfora para o desconhecido. Onde estamos e de onde falamos? Sem dúvida, um dos desafios da arte, e da ciência, hoje é tentar responder essas perguntas. O éter é o vazio, o inominável que está ao nosso redor. – Christoph Keller
Numa exposição artística, o conceito de éter é usado com licença poética para dialogar com o conceito de desconhecido, da comunicação da arte e da posição do homem diante do universo. Entre sua base científica e artística, Keller aproxima os dois universos de maneira ambígua e polissêmica para dialogar, discutir e somar.