Pós Fotografia

Essa semana participei de um diálogo muito frutífero com os fotógrafos César Barreto e Thiago Barros sobre pós fotografia. Como estávamos na programação oficial da Casa Firjan e da Art-Rio, o debate foi todo pensado dentro do contexto de inovação e futurismo da Casa com as interações artísticas da feira. Coloco aqui parte da minha fala sobre pós fotografia, sempre aberta ao diálogo.

 

A pós-fotografia foi impulsionada pelo vasto poder das tecnologias computacionais, mas de uma maneira que precisa ser entendida em relação à história da própria fotografia. Como cunhou o artista espanhol Joan Fontcuberta na Bienal de Montreal em 2015, “a condição da pós fotografia” é marcada pela profunda transformação tecnológica, estética e social, em escala global, pondo em jogo as noções de realidade, documentação e autoria da midia fotográfica.

 

A fotografia, desde suas primeiras invenções nos anos de 1830, até sua invenção oficial em 1839, e como a conhecemos hoje, dependeu não somente de seu uso social, mas também de inúmeras inovações tecnológicas. Desde o tempo das lanternas mágicas passando pela câmera obscura, a fotografia sempre esteve muito vinculada à tecnologia, mais do que outras artes : na engrenagem dos aparelhos óticos, nos jogos óticos das lentes, etc.

 

Eadweard Muybridge, Cavalo, 1877

 

Aos poucos, com suas inovações, a fotografia estende os limites do visível, desvelando o mundo.

 

A relação da fotografia com a tecnologia vai passar muito por seu valor documental: a suposta veracidadeda imagem como uma ferramenta de pesquisa. Na antropologia, na botânica, na medicina, na psiquiatria, na biologia, na física, na geologia, entre tantas áreas cientificas, a fotografia foi por muito tempo percebida como uma espécie de prova à teoria. Charles Darwin, por exemplo, fotografou para desenvolver suas concepções evolutivas e estudar a expressão das emoções do homem e dos animais (no primeiro livro científico ilustrado lançado em 1871).

 

As imagens da cidade do Rio de Janeiro do fotógrafo César Barreto acompanham uma tradição de documentação da cidade. Como grandes fotógrafos, pioneiros da fotografia, Agusto Malta (1864-1957) e Marc Ferrez (1843- 1923), César documenta o eterno tecido urbano em transformação. As belas paisagens, e antigos monumentos, do Rio de Janeiro de César, assim como as imagens de Marc Ferrez e Augusto Malta, só poderão ser perpassadas através de imagens. Vivemos em uma cidade gigantesca, que engloba monumentos, natureza e nós, em constante transformação e interação.

 

César Barreto, Rio Pitoresco

 

As imagens de César nos ajudam a indagar sobre a nossa própria identidade e nossa interação com o espaço vital.

 

Mas vale lembrar, que lente, foco, distância, fonte de luz, papel de revelação, retoque… todas essas tecnologias atreladas à fotografia resultam que uma foto não é somente a consequência de uma impressão do objeto na imagem, é também uma interpretação das propriedades técnicas da câmera e de seus aparatos. O verde da fotografia de paisagem vai ser um símbolo do verde das florestas, uma leitura técnica inserida no espectro possível de verdes do filme padronizado. Além disso, temos o olhar subjetivo do fotógrafo e sua edição. As imagens de César Barreto, por exemplo, são pensadas esteticamente e editadas segundo o olhar do fotógrafo. Por diferentes caminhos vemos que a fotografia, desde sempre não é uma representação fiel da realidade.

 

Deve haver um enorme cuidado com essa confiança cega que temos na mídia fotográfica.

 

“A invenção da fotografia baseia-se num equívoco estranho que tem a ver com sua dupla natureza de arte mecânica: o de ser um instrumento preciso e infalível como uma ciência e, ao mesmo tempo, inexato e falso como a arte.” – Francesca Alinov

 

Thiago Barros, Jardins, 2018

 

Hoje passamos do grão ao pixel, da superfície fotossensível ao código binário. Como pensarmos a imagem diante dessa onipresença digital? Qual o futuro dessa imagem e de nossa relação com ela? Qual o futuro da própria fotografia e de seu entorno? Passamos da mentalidade de “tirar uma foto” para a de “coletar dados” e isso implica mudanças, tanto na circulação das imagens, como na recepção dessas imagens por nós, espectadores.

 

Pensem nas novas tecnologias em desenvolvimento e o potencial surpreendente e jogo: como a Realidade Virtual (VR),a inteligência artificial (AI), as lentes líquidas, a tecnologia LIDAR, sensores curvos, apenas para citar alguns… Tecnologias que muitas vezes não vem nem através do mercado fotográfico mas pelas mãos de engenheiros, matemáticos… Vários festivais de fotografia já não delimitam tanto suas fronteiras, como o Arselectronica na Austria que reúne artistas, cientistas, engenheiros, designers, ativistas, empreendedores, futuristas. Ou o próprio Festival de Arles na França com uma sessão só para projetos de realidade virtual. Ou seja, mudanças que estão incorporadas ao universo imagético com resultados futuros ainda inimagináveis.

 

 

Essas mudanças, e avanços tecnológicos, colocam em jogo a definição clássica de “representação” e nos obrigam a reavaliar a ideia de “manipulação” na imagem fotográfica. Inúmeras implicações surgem desses novos dispositivos imagéticos: sociais, políticas, econômicas e culturais. Nossa identidade e interação com o espaço está mudando; as fronteiras do real, da cidade, do documento estão mais fluídas, ou abrangentes.

 

Não existe mais uma única realidade e uma só verdade.

 

E para onde caminha a fotografia? Como ela será no futuro? Vamos responder juntos a essas perguntas.

 

 

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