Fotografia e Poder

Em época de dificuldades políticas, rixas ideológicas, ódio nas redes, onde cada lado acredita plenamente na sua opinião, proclamando-a verdade absoluta, devemos ter cuidado com o que lemos e vemos. Somos bombardeados em ritmo frenético por opiniões prontas, fotografias enquadradas, reportagens direcionadas e responsabilidades emolduradas. Os meios de comunicação nos passam, muitas vezes, verdades generalizadas que perigosamente criam estereótipos e manipulam os fatos para uma história única, uma história que interessa diretamente os detentores do poder.

 

Como demonstra a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi em seu ted sobre “O perigo da história única”.

 

Em termos gerais, é difícil definirmos o poder, pois ele não é palpável, se personifica de diferentes maneiras e se perpetua através das relações humanas. O que podemos tentar compreender é de que forma este poder é perpassado entre os homens. Todas as relações são, em maior ou menor grau, um jogo de poder e, onde houver poder, ele se exercerá sobre alguém.
De um lado temos os detentores do poder que trazem em si o argumento ético, e do outro os subjugados. As pessoas sempre exercem o poder por possuir “algo” que não temos através dos mais diversos argumentos: conhecimento e saber, força física, dinheiro, beleza… Isso os transforma em uma autoridade de difícil questionamento; é como se estivessem em um nível até então inatingível para os subjugados.

 

NÃO PODEMOS QUESTIONAR O QUE NÃO TEMOS OU AQUILO QUE NÃO SABEMOS.

 

O exercício do poder torna se mais grave ao percebemos que só aqueles que detêm o poder podem manipular os acontecimentos, criando uma única história e uma única verdade. É aí que mora o perigo! E este poder se torna tanto mais eficaz quanto menos for perceptível às nossas consciências. Os meios mediáticos são uma ótima forma de manipular pois implantam sorrateiramente seus interesses. A imagem, como um deles, é um eficiente veículo criador de desejos e sentimentos em prol de interesses ideológicos, políticos e econômicos.

 

Ao longo da nossa história, nacional e mundial, diversas fotografias foram usadas para apoiar um lado, uma suposta verdade. Como diz o filósofo e fundador da “School of Life”, Alain de Botton, no seu livro “Notícias: manual do usuário”, as mídias tem o “poder de ditar qual será a ideia que teremos das outras pessoas”.

 

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NÃO EXISTE UMA ÚNICA VERDADE.

Existe uma lenda indiana que conta a história de cinco cegos que de tanto ouvirem falar do majestoso elefante do príncipe Rajá, resolvem ir pessoalmente conhecê-lo. Um dos cegos ao segurar uma das presas do animal descreve a como uma lança. Outro pegando a tromba, define o animal como uma serpente; o terceiro ao tocar na perna do elefante diz ser como um tronco de árvore. Assim, cada um ao conhecer uma parte do elefante define-a segundo suas próprias impressões, pensando estar mais certo que o outro.

 

Tal como nesta lenda, somos cegos que conhecem apenas uma parte do grande elefante. Além de cegos, somos também prepotentes: pensamos que a nossa parte corresponde ao todo. Percebemos e compreendemos uma parte da verdade e concluímos, orgulhosamente, que apreendemos toda a verdade. Achamos ainda que isso nos defere algum poder.

 

SOMOS TOLOS.

A forma de fazer emergir a verdade é relativa, assim como a própria verdade é relativa. Ela não possui uma única forma e sim, várias formas, modelos e provas, misturadas e entrelaçadas de acordo com a formação cultural e o contexto histórico de cada sociedade. Sem citar todas as diferenças morais, intelectuais e psicológicas existentes entre os indivíduos. Nós, seres humanos, somos muito diversos uns dos outros.

Derradeiramente, não acho que a ideia seja de libertar a “verdade” de todo sistema de poder – o que seria quimérico na medida em que a própria verdade é poder – mas de desvincular o monopólio de uma verdade das formas de hegemonia (sociais, econômicas, culturais) no interior das quais ela funciona no momento.

 

TEMOS QUE GERAR CONHECIMENTO PARA PODER QUESTIONAR.

Ecoando com o que disse Chimamanda em seu TED de 2009, tão atual 7 anos depois, gerar mais histórias, e no nosso caso mais imagens, e sobretudo mais olhares, diversos e múltiplos, cria conhecimento e empatia e nos ajuda a perceber as diferentes versões de uma suposta verdade. Cito aqui dois exemplos de projetos multiplicadores de imagens:

 

  • No Brasil, o “Imagens do Povo” realizado nas favelas com o objetivo de democratizar a linguagem fotográfica formando fotógrafos que promovam de dentro para fora a cultura local. imagensdopovo.org.br

  • Em Ghana, “o MyPharm” realizado com 42 fazendeiros para ajuda-los a contar diretamente suas histórias e dificuldades, identificando ações para futuros projetos. photovoice.org/mypharm

E você, conhece algum outro projeto legal de fotografia que multiplique os discursos e desvele outras muitas verdades? Divida com a gente aqui nos comments.

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