Fotografia, ativismo, política e resistência cultural

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(foto de abertura @ana carolina fernandes)

Antes de começar toda a minha argumentação, aproveito para pleitear AQUI o seu apoio à fotografia brasileira frente o debate político. Você que é ligado à cultura de uma maneira ou de outra, sabe da sua importância política e do nosso papel no Brasil atual.

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Ao longo da história, mais ou menos próxima, temos vários exemplos mundiais de coletivos de arte e formas de ativismo alternativas culturais. O beat, o dada, o fluxus, o rap, o funk carioca, a performance, a bossa nova, são alguns exemplos de processos culturais que se formaram para apresentar novas formas de comportamento e comunicação diante de velhas formas de sociedade e governo.

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@janine moraes, série as coisas não tem paz, 2015. Opção de recompensa da campanha coletiva aqui.

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Poéticas colaborativas de resistência cultural e transformação de comportamentos como construção de autonomia política.

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Em momentos de névoa no pensamento de um povo e um país, acredito que é responsabilidade da cultura de recuperar a memória perdida e de resistir a pressões do presente. Interna e externamente. A cultura é uma grande arma em prol da diversidade, do debate democrático e da legitimidade de movimentos sociais. É também o único meio de garantir que notícias, livros, filmes e obras de artes visuais e musicais progressistas cheguem a todos e permaneçam, após políticas de censura.

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@pedro kuperman, série Achaninka. Opção de recompensa na campanha coletiva aqui.

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 A resistência cultural brasileira internacional age em todos esses níveis. Como por exemplo, a homenagem feita pela prefeitura de Paris à vereadora assassinada em 2018, Marielle Franco. Enquanto no Brasil, sob a bruma do ódio e do medo, dilaceravam a placa de rua feita em nome da vereadora ativista e difamavam seu nome e sua luta, a resistência no exterior pleiteou uma homenagem internacional. Resultado: a recordação da força e dos feitos de Marielle ficará na memória de todos, para além de um governo ignorante, sob forma de um jardim em Paris.

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Além disso, internacionalmente, a resistência cultural cria uma abertura que favorece encontros entre brasileiros e estrangeiros e enriquece o diálogo. Oportunidades de trocas de experiências importantes surgem e nos ajudam a entender nosso processo atual e a vislumbrar possibilidades futuras. É também uma ocasião de divulgação da produção contemporânea artística brasileira, tão castigada nos últimos anos.

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Para apoiar a exposição coletiva “What’s going on in Brazil?”, em Arles, e todo o debate político internacional que ela propõe fazer, basta clicar aqui.

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@shinji nagabe, série elevação. Opção de recompensa da campanha coletiva aqui.
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Intimidade

Em fevereiro falamos muito da questão de privacidade dos retratados e da importância do posicionamento do fotógrafo diante de suas imagens. Passando para uma esfera ainda mais pessoal, fiquei pensando nas imagens feitas da/na intimidade. Imagens que também podem ser agressivas com seus retratados quando ultrapassam um certo limite estabelecido. Imagens que tem a capacidade de violar.

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Apresento aqui alguns fotógrafos (mais e menos conhecidos) que, acredito eu, retrataram a intimidade de maneira honesta, para quem vê e para quem é visto. Seja a intimidade deles, ou de outros, são imagens que decidem o que mostrar com respeito.

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Rodrigo Pinheiro  (série Tornaras, 2016)

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Paul Schneggenburger (série “The sleep of the beloved” – O sono do amado, 2012)


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Francesca Woodman (auto-retratos, 1979/80)

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Sue Barnes (auto retrato, 1976)

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Lucas Gibson (Sob o nervo da noite, 2015 até hoje)

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Nan Goldin

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Privacidade e relações de força na fotografia

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Semana passada falamos aqui de duas facetas da fotografia: a sua importância em revelar e evidenciar mas sem ser a qualquer custo. Fotografar requer saber o que mostrar, com responsabilidade, diálogo e posicionamento.

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Escolhi algumas imagens no post anterior de fotógrafos que fazem pontes e se posicionam: que condenam quando têm que condenar. E que dialogam com seus retratados, criando aberturas. Foram imagens do mineiro Eustáquio Neves que trabalha sobre a identidade e luta da comunidade afro-descendente no Brasil e no mundo. E imagens do projeto de diálogo e inlcusão do jovem Pedro Kuperman com os índios Ashaninka.

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Hoje resolvi pensar em mais fotógrafos que delicadamente revelam uma questão. Sem agressão ao sujeito, ao assunto ou à privacidade. As imagens revelam o que pode ser revelado com ética e sobretudo com um verdadeiro olhar ao outro e um posicionamento diante dos temas discutidos.

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Vamos conferir!

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Richard Mosse: fotojornalista irlandês que ganhou muitos prêmios com imagens de guerra. Seu olhar se posiciona, tentando criar uma nova perspectiva dos conflitos que clicou.

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Richard Mosse, Grid, 2017

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Omar Victor Diop: fotógrafo de Dakar, Omar segue a tradição dos estúdios de fotografia mas com um olhar apontado para a falta de oportunidade da comunidade negra e sua representação caricaturada.

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Omar Diop, (re) mixing Hollywood, 2013

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Omar Diop, (re) mixing Hollywood, 2013

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Paul Mpagi Sepuya: retratista de amigos e pessoas próximas, Paul trabalha da cultura visual homoerótica dentro da “proteção” e privacidade do estúdio. Suas fotografias altamente trabalhadas, e fragmentadas, são uma constante negociação entre o artista, o sujeito e o espectador.

Paul Mpagi Sepuya,Study for a Self Portrait 2015,

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David Uzochukwu: outro retratista, europeu, que trabalha o corpo humano e nossos limites entre força e vulnerabilidade.

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A fotografia como forma de submissão

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A câmera fotográfica pode ser um equipamento extremamente intrusivo, incomodando a intimidade das pessoas e mostrando mais do que deveria. A invenção da fotografia veio com o deslumbramento da “revelação”. Toda a tecnologia fotográfica, e depois o que isso acarretou – cinema, televisão… – ocasionou um frenesi diante das possibilidades de se expandir as fronteiras do visível. Através dos artefatos tecnológicos – processos de revelação mais rápidos e de melhor qualidade, máquinas menores e mais agis – estendemos os limites, desvelamos o mundo. Como a descoberta do movimento, por exemplo, com o famoso fotógrafo Muybridge, em 1878. Antes dele não tínhamos a menor consciência dos movimentos dos animais: a fotografia trouxe a luz.

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Assim como detalhes da física e da biologia, trouxemos à luz povos, culturas, situações antes encobertas. Mas trazer tudo à luz pode ser agressivo. “Tirar” uma foto já denota uma violência. Como afirmava Susan Sontag em 1977, em seu livro “Sobre Fotografia”:

“Fotografar pessoas é violá-las (…); transforma-las em objetos que podem ser simbolicamente possuídos. (…)” – Susan Sontag

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Pedro Kuperman, Ashaninka, 2016

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A fotógrafa Teju Cole escreveu aqui sobre a violência da fotografia em relação a soberania de um povo sobre outro. Como a mídia fotográfica ilustrou a dominação do colonizador sobre seus subjugados, revelando tudo, até o que não podia ser mostrado: mulheres sem véu, reis sem coroas e máscaras… Os subjugados perdem a privacidade e a intimidade diante das câmeras fotográficas colonizadoras. É violento.

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Hoje esse processo ainda continua. Pois no jogo de poder ainda existe o dominante que se utilisa da estética do sofrimento para difundir suas imagens. Não é o sujeito fotografado que importa mas o consumo do outro. Com as novas tecnologias, e a rapidez de difusão, a violência é ainda mais cruel. Refugiados, sem proteção, são mostrados em seus momentos mais sofridos, mais inumanos. E as fotos exibidas em grandes exposições com aberturas regadas a champagne.

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Eustáquio Neves, Encomendador de Almas, 2006

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Eustáquio Neves, Valongo: Cartas ao mar, 2015/16

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Mostrar e evidenciar o que se passa ao redor do mundo é um papel importante da fotografia. Precisamos ver outras realidades, outras histórias, outras facetas diferentes do nosso obtuso olhar. Precisamos explorar e descobrir, pois dessa maneira criamos empatia. Mas sem colecionar vidas e através delas prêmios e troféus. Não basta mostrar, tem que se posicionar, assim como fazem as imagens desse texto.

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“Entre os direitos humanos está o direito de permanecer invisível .” – Teju Cole

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Desfocada

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Nesse início de ano, entre mudanças e novas direções, tensões, polaridades, falta de férias e de calma, tenho me sentido meio desfocada. Resolvi traduzir este estado turvo em imagens.

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Annalisa Natali Murri, Len’s Daughters

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Bastiaan Woudt, 2017

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Michelle Cho + June Kim, La muralla Roja

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Chloe Rosser, Form 3

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Henrique Carneiro, Entorno, 2016

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Kensuke Koike, Out of mind, 2016

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Roberto Badin, Inside Japan, 2018

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Nadezda Nikolova-Kratzer, Formas Elementares

*foto da capa de Tania Bonin.

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