Pausa de fim de ano para as exposições de fotografia

Oba é fim de ano! Já estamos no último mês do ano (e que ano) e por aqui o frio já chegou. Para aproveitar o tempo, se esquentar no interior dos museus e galerias e relaxar do longo ano de 2018 nada melhor que as milhares de exposições fotográficas que acontecem na cidade de Paris. 

Para ficar por dentro e para quem tiver a sorte de passar por aqui no fim do ano, seguem as dicas de algumas exposições imperdíveis.

  • Os Nadar na Biblioteca Nacional Francesa até 03.02.19 – uma enorme exposição em homenagem à família Nadar que entre ambição, geniosidade e rivalidade moldou a história da fotografia. Entre desenhos, gravuras e tiragens fotográficas acompanhamos os primóridos da fotografia, e o retrato de toda uma sociedade e uma época. 

Félix Nadar, Sarah Bernhardt, 1864

  • Geometrias do Sul na Fundação Cartier até 24.02.19 – uma exposição focada nos padrões latino americanos ricos em cores e formas. São apresentados diversos trabalhos além de fotografias: de arquitetura, escultura, desenho, artesanato, pintura, porcelana, etc. Do México a Argentina, de norte a sul, descobrimos motivos artísticos parecidos, cores semelhantes de um vasto continente que se aproxima através da arte. A exposição conta com trabalhos de Miguel Rio Branco, Ana Mariani, Facundo de Zuviría, Tatewaki Nio, Paolo Gasparini, entre outros.

  • Shared e Oculus na galeria Filles du Calvaire até 12.01.19 –  duas exposições que colocam em embate olhares culturais tão diferentes, o do turco Yusuf Sevinçli e da finlandesa Nelli Palomäki. Através de tiragens P&B cada um demosntra porque a cor não cabe em seus olhares. 
     

  • Martine Franck na nova Fundação Henri Cartier Bresson até 10.02.19 –  linda restrospectiva da fotógrafa belga que foi um tanto esquecida, nas sombras de seu marido HCB. Uma fotógrafa sensível, gênia em suas composições, e no uso da luz, além de ter sempre um enorme respeito e compromisso com suas imagens. 

Tatewaki Nio, El Alto, série Néo-andina, 2016
  • Grayson Perry na Casa da Moeda até 03.02.19 – a primeira exposição individual do artista contemporâneo Grayson Perry na França. Entre instalações, esculturas e objetos modificados, encontramos seus famosos auto-retratos personificando sua alter-ego Claire. Com referências auto-biográficas, Grayson permeia questões contemporâneas como a sexualidade, a psicanálise, identidade e religião.  

E para quem estiver pelo Rio de Janeiro, duas dicas:

  • Fluxos  no Paço Imperial até 17.02.19 – abrindo dia 15.12, a exposição do fotógrafo documentarista Luiz Baltar, com curadoria de Marcia Mello, apresenta sua famosa série que já mencionamos aqui. Olhando a cidade através de uma janela de onibus, Baltar trabalha a nossa identidade em relação a esse espaço urbano em constante movimento. Imagens caóticas e segmentadas, como a cidade. 

  • Entre as Margens do Rio no CCJF até 03.02.19 – a exposição do premiado fotógrafo José Diniz é poética e um bastante autobigráfica. Em homenagem a seu pai e sua infância às margens do rio São João, o artista mistura pinturas de família e suas imagens etéreas. Com um enorme simbolismo, suas imagens atravessam as nossas próprias memórias. 

José Diniz, Entre as margens do Rio
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Os mil e um eventos além do Paris Photo: livros, expos e salões

Continuando sobre o tema Paris Photo, que falamos semana passada aqui, gostaria de ressaltar os mil eventos que aconteceram durante a semana da feira.

 

Começo com o evento que ajudei na organização e curadoria, junto com os fotógrafos Glaucia Nogueira e Shinji Nagabe. Fizemos um bate papo sobre a fotografia brasileira e seu lugar no mercado fotográfico, seguido de uma projeção com 14 fotógrafos brasileiros. A mesa, composta por mim, Isabella Prata e Felipe Abreu questionou as aproximações e especificações do mercado fotográfico. Será que existe um olhar brasileiro, ou somos fotógrafos do mundo, independente de nossas origens? E se existe esse olhar, qual seria sua particularidade? A fotografia brasileira ainda é vista como exótico pelo olhar europeu do centro? Como fazer para quebrar essa dicotomia centro/ periferia? E como fazer para não entrar no modismo do mercado que precisa sempre ser propulsado por novidades?

 

E o evento foi possível graças ao Iandé, uma plataforma cultural focada em divulgar, promover e decodificar a fotografia brasileira na França. Aliás, fico muito feliz de anunciar que também estou escrevendo por lá e colaborando para seguirmos com nosso objetivo comum. Ficou claro que ações como essa, de aumentar a visibilidade e legitimidade da fotografia brasileira no exterior, estão ganhando cada vez mais força na França. E que nossos fotógrafos são muito admirados.

 

Shinji Nagabe, Chão, 2016

 

Nossa projeção contou com: Ana Sabiá, Cleo Alves Pinto, Elsa Leydier, Felipe Fittipaldi, Fernanda Frazão, Guilherme Bergamini, Henrique Carneiro, Joel Lopes, Jonas de Barros, Karime Xavier, Mariana Guardani, Shinji Nagabe, Vitor Casemiro e Zé Barretta.

 

Continuando, tivemos a feira de livros de fotografia, Polycopies, que também contou com a participação de brasileiros no stand Havaïna. Em um barco, a 10 minutos do Paris Photo, a pequena feira de editores independentes apresenta trabalhos de todo o mundo. E o que vemos são livros mais ousados e menos ligados a norma. Além disso, é uma inspiração perpassar olhares e questões em todas as línguas, que nos falam e nos aproximam. Por exemplo, a editora alemã Café Lehmitz tinha um livro sobre as publicações femininas contemporâneas. Compilação importante e muito interessante.

 

Seguindo o caminho dos livros de fotografia, a grande sala da escola de belas artes foi tomada pela feira Offprint. Um pouco maior que a feira anterior (a Offprint também acontece em Londres no mês de maio), vemos um enorme apanhado de livros e revistas e uma discussão em torno do crescente aumento do números de impressões. No mesmo bairro, ainda acontece o pequeno festival Photo Saint Germain , que contou com a participação de 36 galerias da região. Destaque para a exposição da Maison de l’Amérique Latine* sobre fotógrafas alemãs que se exilaram na América do Sul. E para o fotógrafo Eric Antoine que trabalha com a antiga técnica fotográfica de colódio húmido. Quebrando com vários paradigmas da fotografia atual, Eric volta no tempo – técnica e psicologicamente – mantendo uma estética e um questionamento contemporâneo.

 

Philippe Calandre, Utopie 2

 

E não acabou!

 

Salon Approche

Finalmente, mais dois eventos que me chamaram a atenção, a Bienal da Imagem Tangível  e o Salão Approche. A bienal quis explorar práticas que tendem a emancipar-se do uso clássico da fotografia. Seja através do suporte, da técnica ou da forma. Em sua primeira edição, ela fez sua exposição principal em um antigo teatro e contou com instalações, vídeos, colagens fotográficas, esculturas… O fotógrafo brasileiro Caio Reisewitz participou com 2 obras. Na mesma pegada, o Salão Approche, em sua segunda edição, também trabalhou o enfoque contemporâneo da mídia fotográfica. Em um belo prédio tradicional parisiense, 14 artistas foram convidados a exporem seus trabalhos: Daniel Shea, Bruno Fontana (que participou dos dois eventos), Maya Rochat, entre outros…

 

*Exposição “Do outro lado”, fotografias de Jeanne Mandello, Hildegard Rosenthal et Grete Stern. Até dia 20.12.18 na Maison de l’Amérique Latine, Paris.

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A incrível jornada de mais um Paris Photo

E mais uma vez, sobrevivemos à loucura da maior feira de fotografia, Paris Photo, e todos os seus eventos paralelos. Foram dias de encontros, trocas, olhares e discussões, sempre em torno da imagem. Mil exposições, palestras, mesas redondas, performances, livros com fotógrafos do mundo todo. Aliás, muitos brasileiros participaram, de diferentes gerações, e os diálogos foram muito importantes e enriquecedores.

 

Neste ano o Paris Photo realçou a presença da mulher e sua representatividade ao longo da história da fotografia. A organização começou escolhendo a fotógrafa norte americana Mickalene Thomas para ilustrar a capa e os cartazes da feira. Além de mulher, Mickalene é negra e trabalha exatamente sobre o feminismo e o lugar da mulher e do corpo negro na imagem. Além disso, um dia inteiro, com o tema “Mulheres, uma exceção?”, foi dedicado a conversas com e sobre mulheres. Entre vários eventos, manifestos foram lidos, discussões sobre identidade e visibilidade foram feitas, além de entrevistas com fotógrafas árabes.

 

La leçon d’amour, 2008, Mickalene Thomas.

 

Para terminar, um percurso imagético, Elles x Paris Photo, foi feito ao longo da feira através de trabalhos femininos. A curadora Fanny Escoulen escolheu uma centena de imagens para traçar o fio de uma história da fotografia sob o prisma do olhar feminino. Uma travessia importante e urgente pelas galerias e editores presentes na feira. Contudo, porém, quando olhamos de perto, o total de trabalhos apresentados na feira por mulheres fotógrafas foi de apenas 21%. Ou seja, um discurso bonito na teoria mas que ainda precisa ser levado mais a sério na prática. Nós não podemos deixar que se resuma apenas como uma questão de “moda do momento”.

 

Paris Photo foi a primeira feira internacional dedicada à fotografia e criada em 1997.

 

Além disso, a outra novidade foi a nova ala erótica da feira, Curiosa, pensada pela curadora Martha Kirszenbaum. No fim da feira, com limite de idade para entrar, 14 galerias expuseram artistas que trabalham com a fotografia sensual. Movimento importante na fotografia do século XX em diante, as imagens desses fotógrafos pensam sobre o corpo e o sexo, desafiando nosso olhar em cima da fantasia e do fetiche. E a seleção artística perpassa gênero, tempo e espaço, com nomes como Daido Moriyama, Robert Mapplethorpe, Antoine D’agata e Jo Ann Callis, Renate Bertlmann e Natalia LL.

 

Amy Friend, Jack’s Cat, 2016

 

Para terminar, gostaria de ressaltar a participação brasileira. Primeiramente, a editora Madalena que esteve mais uma vez presente misturando gerações de fotógrafos. Num diálogo enriquecedor, lançou livros de fotógrafos consagrados como Cássio Vasconcelos e João Farkas e jovens artistas promissores, como Henrique Carneiro e Rodrigo Pinheiro. Além disso, os fotógrafos Caio Reisewitz e Pedro Motta foram apresentados em galerias internacionais. E, finalmente, a galeria Lume, de São Paulo, veio com o status de primeira galeria brasileira a participar da feira. E trouxe o trabalho histórico e político da artista Ana Vitória Mussi. Aliás, um acerto dentro de uma feira com um viés mais estético vintage do que engajado e ativo.

Negativos, 1974-2006, Ana Vitória Mussi

 

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Ainda sobre a pós fotografia e o “in game photography”

Comecei a falar aqui sobre pós fotografia e as gigantes inovações e mudanças de parâmetros que ela vem trazendo para pensarmos a imagem. Continuo hoje com a referência do “in game photography”.

 

Será que ainda podemos falar de uma separação clara entre virtual e real? No final dos anos 90 e início dos anos 2000, experimentamos isso mais formalmente com, por exemplo, a separação nítida entre os avatares e o nosso verdadeiro eu. Mas agora parece cada vez mais difícil imaginar um limite. O mesmo vale para a imagem fotográfica. O que vemos são avanços tecnológicos que mudam o pensar a imagem, sua circulação e recepção. E que também acarretam uma transformação na própria sociedade.

 

 

Passo a passo, as mudanças se tornam mais profundas, e estruturais e nos encontramos hoje em um mundo em que a imagem digital é quase infinitamente flexível, um receptáculo imensurável de volume de informação, operando em múltiplas dimensões e integrada a aplicativos e tecnologias com objetivos ainda a serem imaginados.

 

A fotografia nunca teve a veracidade que sempre cunhamos a ela.

 

Um exemplo interessante e impensável há alguns anos é o “in game photography”. Esse termo compreende uma variedade de práticas – desde tirar fotos da realidade virtual de um jogo, até interpretar o personagem de um fotógrafo no jogo, desde hiper realismos fotográficos nos cenários dos jogos, até modos fotográficos desenvolvidos por estúdios de jogos. O artista britânico Gareth Damian Martin fotografa paisagens urbanas de cidades. Em seu livro “Cidade Contínua”, lançado este ano, Gareth fotografa cidades de jogos de videogames. Numa clara referência à fotografia e sua história, Gareth fotografa com uma câmera analógica 35mm. Ele projeta o jogo por meio de um projetor e depois fotografa a imagem usando um filme preto e branco de alto ISO. As imagens produzidas granuladas caminham entre o real e o surreal.

 

 

Para ele o “in game photography” e a fotografia compartilham uma qualidade particular: são imagens de espaços, ao invés de espaços em si mesmos. Com isso, se relacionam com o espaço e a arquitetura de maneira aproximada, através da virtualidade e da ilusão. Suas imagens brincam com os limites de conceitos caros à fotografia: realidade, documentação, manipulação, representação, autoria. Ao usar sua câmera analógica, ele confere uma suposta “realidade” aos espaços virtuais do jogo numa espécie de conexão passageira com o real. A conexão dos dois, analógico e virtual, embaralham ainda mais as fronteiras da mídia fotográfica, e nossos julgamentos.

 

Um caminho para os padrões fotográficos já bem mais abrangente, para além do espectro visível.

 

Outros exemplos de novas dinâmicas “fotográficas”: o grupo ““Generative Photography” que ganhou o segundo prêmio bienal de pós –fotografia do Museu de Foto de Winterhur na Suiça com a Fundação Julius Baer. Em seu protótipo, Adam Brown, Tabea Iseli e Alan Warburton desenvolveram uma imagem, com foco em uma visão conceitual e especulativa da fotografia, produzida totalmente através de algoritmos. A grande questão para eles é o próprio ato de ver. O artista japonês Ryoji Ikeda também tem um trabalho bem interessante. Ele traduz os impalpáveis códigos binários (para se ter uma ideia, a IBM produz 2,5 trilhões de octetos de dados diários) em instalações imagéticas monumentais em preto e branco. Imagens, “pós-fotografias”, de uma realidade virtual. 

 

 

Ryoji Ikeda

Será que a pós fotografia mudou tanto a ontologia da fotografia? Apesar de sua ligação com o objeto exterior, a fotografia nunca foi uma cópia fiel da realidade. Sempre houve algum grau de interpretação. A linguagem fotográfica não faz apenas referências externas sem ter a capacidade, por exemplo, de comunicar algum conteúdo fora das imagens. A imagem fotográfica pode adquirir vários outros significados pois ela é uma interpretação do mundo. Hoje o mundo se expandiu, e com isso a linguagem fotográfica. Estamos presenciando uma pesquisa prática ao redor das novas fronteiras. Uma exploração das novas possibilidades da imagem, uma reavaliação. 

 

A pós fotografia estendeu ideias e conceitos que já perpassavam a fotografia.

 

E para onde irá a fotografia? Não faço ideia, mas imagino um contínuo de inovações e surpresas. Já estamos sendo obrigados a repensar novos parâmetros para a leitura de imagens com oportunidades enriquecedoras de expressar informações, ideias e emoções. Acredito que abarcaremos uma realidade maior para o olhar e para a mente.

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