Encontros de Arles: um festival de muitas novidades e descobertas

Essa semana continuamos nossas considerações sobre o festival de fotografia de Arles, no Sul da França, que acontece durante os meses de julho, agosto e setembro de 2018. Para quem não leu o primeiro post sobre o tema, basta clicar aqui.

 

Na enorme profusão de exposições deste ano, destaco algumas que causaram alvoroço na primeira semana de abertura:

 

Jonas Bendiksen, Zambia, Kitwe, 2016.

Fotojornalista norueguês, membro da Magnum, Jonas apresentou seu mais recente trabalho, “O último Testamento”, sobre 7 homens ao redor do mundo que se consideram o próximo Messias. Com textos claros, diretos e honestos, Jonas discute os limites da fé, da religiosidade e do ser humano. Em um mundo que parece desesperado por redenção, Jonas segue os novos profetas e seus diferentes caminhos rumo à salvação. O fotógrafo viaja ao Japão, África, Rússia, Inglaterra, Brasil e Filipinas. São vidas fortes, histórias interessantes e imagens de uma realidade às vezes surrealistas mas que são feitas com atenção e dignidade em relação ao objeto fotografado.

 

Jonas Bendiksen, Brasil, Brasilia, 2014 – INRI Cristo

 

Paul Graham entra esse ano como parte do programa do Festival de Arles 2018 que homenageia os Estados Unidos (cada ano um país é escolhido). Suas três séries apresentadas foram feitas nos EUA: Noite Americana (1998–2002), Uma faísca de possibilidade (2004–2006) e o Presente (2009-2011). Em uma montagem extremamente cuidadosa, de grandes formatos colocados quase no chão, descobrimos sua narrativa americana sobre as diferenças sócio-econômicas, suas dificuldades e suas divisões culturais. Através de detalhes, rostos, paisagens, duplas exposições, suas sequências fotográficas desvelam o urbano e seus contrastes menos aparentes.

 

Paul Graham, Noite Americana

 

Wegman é um dos grandes homenageados desta edição, com uma bela exposição no centro do Festival de Arles. Fotógrafo americano, conhecido por suas imagens dos cachorros Weimaraners, Wegman expõe suas impressões polaroids em grande formato: objetos lindos em si. São imagens divertidas e leves, que utilizam muito bem a cor e criam uma relação imediata com a o cão. Aqui o lúdico e a composição transformam e exploram o mundo animal e o próprio ser humano.

 

 

Numa belíssima exposição, de montagem impecável e cor azul forte destacada, passamos pelos clichês que o grande fotógrafo francês fez dos EUA entre 1968 e 1999. São tiragens clássicas, em preto e branco, de cenas urbanas, fazem parte de um fotojornalismo tradicional de muita importância para a fotografia. Um mestre que ainda causa boas surpresas e comentários positivos do público.

 

Raymond Depardon, White Sand. New Mexico, USA. (1982)

 

Enorme espaço expositivo, a Fundação Luma, um pouco fora do centro, tráz uma grande parte das exposições do Festival. Para quem gosta de moda, a fotógrafa Ann Ray nos revela o universo do estilista Alexander McQueen. Amigos durante mais de 10 anos, Ann tem acesso livre a todos os bastidores dos desfiles, desde a concepção dos primórdios de uma coleção, até os momentos clímax da passarela e da apresentação das criações. São imagens esteticamente bonitas, trabalhadas e suaves, misturando no ponto certo fotógrafa, criação e criador.

 

Ann Ray, McQueen 1997-2010

 

*a maioria das exposições fica em cartaz até dia 23 de setembro de 2018.

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Festival de Fotografia de Arles, França

Semana passada estive num dos maiores festivais de fotografia, os Encontros de Arles, no sul da França. Não conhecia essa região, que por si só já vale uma visita, com suas ruínas romanas, seu centro antigo murado e sua cultura que mistura influências espanholas, romanas…

 

O festival de Arles existe desde 1969.

 

São exposições, debates, assinaturas de livros, projeções, entrevistas, workshops, enfim mil e uma atividades numa cidade que se dá a volta toda, à pé, em no máximo meia hora. Um regalo! Não há tempo perdido em trânsito ou outras besteiras, tudo é voltado para a mídia fotográfica! Igrejas são usadas como espaço expositivo, antigas casas, ruínas romanas projetam imagens contemporâneas, claustros acolhem projeções e festas eletrônicas. Se vê e se ouve sobre fotografia 24 horas por dia. Somos estimulados a novos olhares e novas ideias. Entre os passantes se escuta de tudo: árabe, inglês, português, alemão, dinamarquês… Todos estão acessíveis para uma troca e um bate papo, até os fotógrafos mais demandados, como o franco-americano William Klein.

 

Paul Graham, Arles 2018

 

The hobbyist, Arles 2018

 

Fiquei em êxtase!

 

Mas agora, que a poeira baixou, me pergunto, até que ponto essas trocas não foram rasas? No alvoroço dos inúmeros eventos, não há tempo a perder: toma o meu cartão e bora para o próximo encontro incrível. É muita informação disponível, muito ruído em volta, pouca calma e pouco silêncio. Todos ficam no plano de um discurso superficial. Sim, eu sabia que seria assim, a primeira semana do festival é a semana dos eventos: “the place to be”. Quem vai é para ver e ser visto, é a hora de encontrar pessoas, aumentar o networking, conhecer as novidades. Quem quer mais silêncio e foco, melhor deixar para ir depois. Porque o festival dura quase três meses, de julho a setembro, e depois desta primeira semana apenas as exposições ficam (além do sol e dos sorvetes).

 

Assim como Cannes está para o cinema, Arles está para a fotografia. Com isso, inúmeras pressões se debatem, num jogo político e econômico enorme. E isso é visível. O festival segue uma cartilha para agradar público, patrocinador e política local. Sai pouco do óbvio, inovando dentro de um limite claro e consistente. Abre até certo ponto para ideias novas e diálogos profundos para além do pequeno mercado fotográfico de Paris. No fim, o que me marcou é que o festival de Arles é feito por parisienses para parisienses.

 

 

 

Mas dito tudo isso, o festival vale muito a pena. Se descobre muita coisa interessante, muitos nomes novos, e alguns contatos conseguem se aprofundar. Semana que vem comentaremos mais sobre as melhores exposições de Arles e alguns fotógrafos acolhidos.

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Dois textos, dois sites e duas grandes musas

Essa semana tem muita novidade no photolimits. Nossa coluna em francês está tomando forma, com dois textos já traduzidos aqui e muitos outros a caminho. Nossas colaborações com parceiros incríveis também continuam de vento em poupa. Essa semana temos dois textos publicados, sobre duas grandes musas, no site da Editora Subversos e do Ateliê Oriente.

 

Venha conferir nossas musas!

 

Dora Maar, 1935

 

A grande fotógrafa surrealista Dora Maar é a musa do primeiro texto da semana, no site da Editora Subversos, na coluna mensal Infinito Instante. Mais uma história de uma mulher, brilhante fotógrafa, esquecida nos confins da história, confundida com seu amante, denegrida. Mais uma história de #slutshaming ainda no início do século XX. No texto, tento mostrar a Dora Maar para além das pinturas de Picasso, seu percurso, suas imagens, suas ideias.

 

Uma outra grande dama é o tema do texto do site do Ateliê Oriente aqui. Paris e suas imagens, Paris e seu charme fotográfico! Existem muitas relações interessantes para indagarmos entre Paris e a fotografia: sua relação histórica com a mídia fotográfica, sua própria imagem ao longo dos anos e hoje em dia, sua inspiração como musa de tantos fotógrafos.

 

Elliott Erwitt, 1989
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Por favor não incomodar

Em vez de ficar aqui toda semana “falando” sem parar sobre fotografia, acho importante também o silêncio. Um silêncio como espaço para o leitor usufruir de imagens interessantes, e para as próprias imagens falarem por elas mesmas. Não é sempre necessário textos, explicações e intromissões minhas (nesse caso) para uma imagem se revelar. Muitas vezes o silêncio fará mais do que teorizações alheias.

 

Essa semana não vou incomodar.

 

Bom deleite, e boa conversa. Deixo vocês à sós.

 

 

 

 

 

 

 

 

*Todas as imagens acima são do polonês Wojciech Zamecznik (1923 – 67), artista considerado um dos primeiros a associar a fotografia às artes gráficas.

 

 

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A fotografia e algumas representações de mães

Essa semana começou com o dia das mães. Em homenagem, gostaria de falar de dois fotógrafos brasileiros que registraram mães e ganharam o prêmio de fotografia da Aliança Francesa do ano de 2017, do qual fiz parte do júri.

 

Gustavo Minas é mais conhecido como fotógrafo de rua. Tem um belo ensaio sobre sua cidade natal de Cássia, em Minas, além de outros, conhecidos, como um sobre a rodoviária de Brasília ou outro sobre Havana. Talvez por ter esse olhar mais urbano, gráfico e atento aos detalhes que aparecem (e desaparecem) rapidamente na cidade, o ensaio de Gustavo, “O Parto”, sobre o nascimento de sua primeira filha, seja tão original. Sendo o pai, Gustavo é parte integrante de seu próprio tema, porém ele consegue mostrar beleza e amor sem cair no clichê das imagens tradicionais de parto. Sua iluminação natural é suave, com reflexos que aumentam as nuanças e valorizam o tema com mais naturalidade.

 

A fotografia de rua é um campo solitário, de observação e paciência. Visto que o parto de sua filha Violeta durou quase 20 horas, e foi em casa, Gustavo achou através da fotografia um lugar para viver esse momento tão feminino e o seu papel de pai, que na hora do parto acaba sendo secundário e um tanto solitário. A camera o permitiu ultrapassar a ansiedade da espera e se fazer presente.

 

“A fotografia é indispensável, como uma forma de meditação”. – Gustavo Minas

 

Gustavo Minas, O Parto

 

Gustavo Minas, O Parto

 

Gustavo Minas, O Parto

 

Ana Sabiá é uma fotógrafa do sul do Brasil, ganhadora do segundo lugar do prêmio Web Photo 2017 com a série sobre mães posando com seus filhos, “Madonnas Contemporâneas”. Estudante de doutorado, suas imagens trabalham lado a lado à uma reflexão filosófica sobre a maternidade e seus símbolos. Independente do contexto intelectual das imagens, e para além dele, Ana representa suas mães e filhos em ambientes familiares, emoldurados com um varal de roupas, e banhados com uma luz suave e complacente. Suas madonas são mulheres atuais, com roupas do dia -a -dia, sem grandes produções, que de uma certa maneira nos remetem aos quadros antigos que retratavam a Madona bíblica. Mas, nós sabemos que, desde “Like a Virgin”, as madonas não são mais virgens, mas mulheres reais, numa luta diária de descobrimento. Meu adendo a esta série é a falta de diversidade. Feita em 2012/13, ela tinha tudo para se expandir para além do universo familiar da artista e mostrar outras madonas do sul ao norte do Brasil.

 

A Madonna – como símbolo artístico de mãe perfeita e amor incondicional – é justificada como uma impossibilidade concreta na vivência cotidiana. – Ana Sabiá

 

Ana Sabiá, Madonnas Contemporâneas, 2012-13

 

Ana Sabiá, Madonnas Contemporâneas, 2012-13
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