Novo IMS

O Instituto Moreira Salles abriu uma nova sede em São Paulo e o photolimits não poderia ficar de fora. Em plena Avenida Paulista, o IMS sobe verticalmente em 7 andares dedicados à fotografia. Planejado de acordo com uma arquitetura sustentável, em diálogo com a cidade ao redor, o museu tem uma ótima infra estrutura voltada para todas as necessidades da mídia fotográfica: cursos, vídeos, eventos, exposições, palestras… Tudo foi pensado para acolher o público, as obras e as discussões que irão surgir, sem contar a extensa biblioteca, no primeiro andar, uma das mais completas do país.

 

Em meio a crise e falta de recursos das instituições brasileiras já existentes, é uma grata surpresa passar a tarde no instituto e deambular pelas suas 5 exposições de inauguração:  o video “The Clock”, de Christian Marcley, as exposições fotográficas “Robert Frank: os americanos e os livros e os filmes” e “Câmera aberta” de Michael Wesely, além das coletivas “Corpo a corpo: a disputa das imagens, da fotografia à transmissão ao vivo” e “São Paulo: três ensaios visuais”. Deixando de lado os gostos pessoais, as montagens são primorosas, as instalações de primeira, e os diálogos possíveis entre a imagem – fotografia contemporânea, moderna e o vídeo – são bastante instigantes.

 

IMS (foto divulgação)

 

Tido como um dos pontos de referência da fotografia brasileira, o IMS, conta com um acervo no RJ de mais de 2 milhões de imagens, reunindo registros fotográficos do Brasil a partir de meados do século XIX até o início do século XXI, além de 26 mil discos e 10 mil gravuras. Na sua sede carioca, as exposições são muitas vezes voltadas para as imagens da coleção, ou fotógrafos e artistas modernos já consagrados. Com outra proposição, a sede paulista não terá reserva técnica, e em uma de suas exposições de inauguração, a coletiva “Corpo a corpo: a disputa das imagens, da fotografia à transmissão ao vivo”, vemos jovens artistas que começam apenas a despontar no mercado de arte (Letícia Ramos, Sofia Borges, Jonathas de Andrade, Garapa e Mídia Ninja). Debatendo sobre a imagem, o corpo físico e o corpo simbólico na política e na sociedade brasileira, a expo explícita a nova cara do IMS. Mais audaciosa, dinâmica e aberta ao diálogo, a instituição abre suas portas para uma nova geração de artistas e para diferentes formatos imagéticos como a fotografia, a instalação e o vídeo.

 

IMS (foto divulgação)

 

 

E o que falar da exposição principal de Robert Frank? Um pouco confusa pela enorme quantidade de informação, a exposição apresenta 83 cópias fotográficas da década de 1980, da série icônica “Os Americanos”. Durante quase dois anos, Frank rodou os EUA de carro com sua família retratando a sociedade, as pessoas e a cultura americana. O trabalho foi editado em livro e lançado em 1958 em Paris, sendo lembrado hoje como um marco da fotografia direta. Franck deixou de lado a perfeição da técnica para retratar com mais fluidez e subjetividade, sem com isso abandonar as inquietações, problemas e dilemas de todas as camadas de uma sociedade em crise e evolução.

 

Outras facetas do grande fotógrafo de rua, de documentarista e personagem, também podem ser vistas na exposição, em seus vídeos e livros. Em um de seus depoimentos, por exemplo, Robert Frank diz que a fotografia fixa o tempo mas o cinema o coloca em permanente transformação. Não concordo com o mestre, mas creio que esse diálogo é importante e no novo espaço do IMS o discurso é colocado em foco e está aberto à discordâncias e novas ideias.

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Andanças pelos arquivos da Magnum ou a fotografia de guerra

O pouco conhecido espaço Le Bal em Paris, mixto de café e espaço expositivo totalmente dedicado a fotografia, exibiu uma linda exposição sobre o arquivo da histórica agência fotográfica MagnumMagnum Analog Recovery. Afinal, esse ano a Magnum completa 70 anos! À curadora, Diane Dufour, é dada a tarefa de percorrer as caixas no sótão da agência e pinçar preciosidades entre fotos nunca antes publicadas e bilhetes e notas, entre fotógrafos e editores, esquecidos há tantos anos. Através de suas descobertas, vamos desvendado emocionantes histórias de bastidores. Acima de tudo, muito do processo criativo e das dificuldades enfrentadas pelos fotógrafos é revelado de maneira sensível e arrebatadora nas imagens e depoimentos.

 

 

Viramos testemunhos das abordagens contraditórias da profissão de fotojornalista, dos embates éticos, políticos, morais, pessoais e sensíveis diante da guerra, da injustiça, da brutalidade e até mesmo do frívolo. Um por trás de cena, permeado com dúvidas e tensão, da parte deles, fotógrafos, e da nossa parte, espectadores, também testemunhas de um assunto sempre atual e gritante nos jornais e sites de hoje em dia.

 

Depois de Budapeste eu não quis cobrir nenhuma outra revolução ou guerra. Antes, eu pensava, como Capa, que ao fotografar nós conseguíamos mostrar o verdadeiro rosto du mundo, e ter uma certa influência, mesmo que pequena, sobre o comportamento e o rumo da política. Porém, todo jornalista aprende em algum momento, mais ou menos longo, que essa ideia é falsa – as mais terríveis fotografias de guerra não terminarão com a guerra. Ao mostrar a revolução, você não está ajudando a revolução, nem ao contrário; você está apenas documentando. E eu não tenho nem mais certeza que seja importante documentar na medida em que isso não muda absolutamente nada. E eu me pergunto se um documento que não muda nada pode ser considerado um documento válido. – Erich Lessing

 

Erich Lessing, Budapest Revolution, 1956

 

Essa imagem foi usada durante a campanha do presidente Nixon para mostrar que ele podia se opor aos soviéticos… Eu gosto muito dessas imagens, mas não tenho orgulho da finalidade pelas quais elas foram usadas – mas o que eu podia fazer? Eu sou apenas o fotógrafo. – Elliot Erwitt

 

Elliott Erwitt, USSR, 1959.

 

Durante uma guerra é necessário odiar ou amar alguém, tomar partido, senão é insuportável o que acontece ao seu redor. – Robert Capa

 

Gilles Peress, Telex Iran, 1979/1980
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Fotografia e ficção em Paraty

Começa hoje, na cidade de Paraty, que em si mesma já mistura a narrativa de cidade de praia com o peso da história da colônia, o festival de fotografia Paraty em Foco com o tema: Fotografia: documento e ficção.

 

“(a fotografia é) imagem ao mesmo tempo real e virtual. Registro fidedigno e imaginário. Materialidade e fabulação”. – site do festival

 

Iniciado em 2005 pelo italiano Giancarlo Mecarelli, o festival chega em sua 13a edição perpetuando seu histórico de difusão, formação, divulgação e construção de uma linguagem fotográfica e visual brasileira. Já passaram pelo festival nomes como Cristiano Mascaro, Thomaz Farkas, Claudia Jaguaribe, Thomas Hoepker, Miguel Rio Branco, Pieter Hugo, Alex Flemming, David Alan Harvey, Evandro Teixeira, entre tantos, tantos outros. Afinal, são 13 anos de festival, com 5 dias de eventos por ano que incluem palestras, workshops, projeções, encontros, ações sociais, leilões e muitas exposições pelas calçadas, fachadas, pousadas, igrejas, espaços culturais, bares, restaurantes…

 

Helenbar, Vitoriano, 2004

 

Com mais de 200 festivais de fotografia pelo mundo, e novos que surgem a cada ano, as possibilidades são enormes, mas podem assustar diante da magnitude de possibilidades. Para o fotógrafo, os festivais são muitas vezes cruciais para fazer contatos valiosos e descobrir as novas tendências do mercado. Mas o mais importante são as trocas realizadas durante o festival. Imersos numa pequena cidade charmosa como Paraty, respirando, vendo e ouvindo sobre fotografia, fotógrafos e simpatizantes acabam tendo uma oportunidade enriquecedora e única de se inspirar. Essa pausa no cotidiano, e na loucura da criação de um trabalho fotográfico, propicia questionamentos sobre o objeto fotografado, os meios de aproximação, as técnicas, o público, a relação com a imagem, sua materialidade e plasticidade.

 

Ao decentralizar o mercado fotográfico dos grandes centros (Rio e SP) para uma cidade do interior (Paraty), o festival envolve a deslocalização de uma rede de profissionais pré-existentes: curadores, críticos, artistas, público. Isso permite criar uma interface entre esses diferentes atores que legitima e valoriza não só os artistas, mas também a prática fotográfica.

 

Em época de crise e dificuldades no universo cultural, nada melhor do que voltar ao cotidiano com energia renovada e o entusiasmo transformado pelas possibilidades inspiradoras da fotografia.

 

Bruno Bernardi, Paisagem Movediça,
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Fotografia e Poesia

Fotografando

 

Hoje essa delícias do banal me lembram

quando eu te amava à distância –

trope galope de dois cavalos pelo mato

abro o livro do dever muito depressa

sacudo as folhas do alto da cabeça

e cai um aviso, mania de segredamento

“naquele dia…”

Lampejei.

 

– Ana Cristina Cesar

 

 

Felipe Fittipaldi, Eustasia

 

 

Como rasurar a paisagem

 

A fotografia

é um tempo morto

fictício retorno à simetria

 

secreto desejo do poema

censura impossível

do poeta

 

– Ana Cristina Cesar

 

 

Felipe Fittipaldi, Eustasia

 

Felipe Fittipaldi, Eustasia

 

*Ana Cristina Cesar foi uma poetisa brasileira da década de 70 e 80 muito importante para o movimento da Poesia Marginal. Homenageada na Flip 2016, ela ganha uma fotobiografia organizada por Eucanaã Ferraz e produzida pelo IMS: Inconfissões: fotobiografia.

 

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Sobre as leituras de portfólio

Já participei de várias leituras de portfólio, algumas vezes com meu portfólio embaixo do braço, e olhos ligeiros diante das opiniões dos outros. E muitas outras vezes nos bastidores, produzindo esse encontro.

 

Para quem não sabe, leituras de portfólio são encontros entre fotógrafos – com seus portfólios – e experts diversos do universo fotográfico: galeristas, curadores, colecionadores, pesquisadores, editores… Existem alguns formatos; as vezes o fotógrafo fica com seu portfólio aberto e os leitores passam pelas mesas, outras vezes, a mesa acontece com mais de um fotógrafo e mais de um leitor propiciando um diálogo entre todos, e uma troca de opiniões. E o mais comum dos casos, e o que participei como leitora pela primeira vez, a versão “oráculo”, onde o leitor fica na mesa sentado e o fotógrafo troca de mesa com seu portfólio, de leitor em leitor.

 

Quando fotógrafa nas leituras, na época que ainda acreditava que tinha garra para ser fotógrafa (descobri justamente nas leituras de portfólio que não era para mim), vários leitores usaram dessa “plenitude” oracular para julgar, opinar subjetivamente e dar um parecer final sobre meu trabalho. Nada mais longínquo do propósito das leituras.

 

Felipe Fittipaldi, Eustasia

 

Quando produtora das leituras, era muito animador observar o diálogo propiciado pela discussão e troca de experiências em um ambiente que respirava apenas fotografia. Já caindo no clichê, vi muito olhar brilhando ao se deparar com uma nova produção imagética instigante. É um alento nesse mercado tantas vezes preguiçoso.

 

Bom, agora, como leitora nas leituras, devo dizer que foi tudo que eu imaginei, e muito mais. Tentei deixar meus pré-conceitos de lado, olhar para o fotógrafo, e sem nenhuma pretensão de oráculo apenas respirar fotografia, trocar histórias, pensar o ato fotográfico e viajar na magia dessa mídia. E foi uma bela viagem! Vi universos fantásticos, questionamentos sobre a identidade urbana, o real, auto-retratos surreais, que falam mais sobre nós que sobre o outro, poéticas documentais, fotografias tri-dimensionais, performances imagéticas, relações humanas… Cada fotógrafo foi extremamente generoso e minha mente ainda viaja nas possibilidades de tantos ensaios desafiadores.

 

Luiz Baltar, Fluxos

 

Mas como fazer para continuar motivados?

 

Essa foi a questão que todos me fizeram. Não soube responder. Ainda não sei. Mas acho que ter esse espaço de troca e debate, bastante democrático, de generosidade e inspiração, ajuda a pensar novos caminhos e novas parcerias entre fotógrafos e o mercado fotográfico. O mundo está em crise, o país ainda mais e a cultura…por onde começar! Diria que a solução, por enquanto, só se vier de dentro. A boa notícia é que tem muita gente boa, nova e antiga, pensando a contemporaneidade, produzindo ideias, procurando soluções para a mídia fotográfica e o escoamento de toda essa produção. Vamos continuar pensando juntos, aqui, ali e acolá.

 

Lucas Gibson, Osaka Nightlife
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