Flores, festa e fotografia para os 50 anos do “Summer of Love”

O “Summer of love” foi uma experiência inebriante da qual eu nunca me recuperei; sentado para jantar com 20 pessoas, fazendo musica todas as noites… – Peter Coyote

 

A fotografia é uma ótima mídia para contar a história (além de histórias). A partir de uma lente, de uma opinião, de uma premissa e de um recorte, ela oferece um olhar sobre um acontecimento, relembra rostos, vestimentas, decorações, situações.

 

Esse ano de 2017 se comemora os 50 anos do movimento hippie “Summer of Love” que aconteceu em 1967 como um movimento social com passeatas por todo o mundo. Mas foi na Califórnia, mais especificamente em São Francisco, que ele ganhou mais força, com mais de 100 mil pessoas marchando pela paz no bairro de Haight-Ashbury. Lutavam por uma sociedade justa e considerada utópica, contra os valores consumistas e contra a guerra (sobretudo do Vietnã). Movimento político e artístico que ainda se desdobra nos dias de hoje.

 

Elaine Mayes

 

A galeria de fotografia Joseph Bellows em São Diego resolveu homenagear esse movimento e está com uma linda exposição da fotógrafa americana Elaine Mayes. Elaine começou como fotojornalista nos anos 60 enquanto estudava no San Francisco Art Institute e acabou retratando de perto o movimento Summer of Love. Ela mesma morou por um tempo na comunidade de Haight-Ashbury, participando e acreditando nos preceitos do movimento hippie. Em 1968, ela se tornou a primeira professora mulher da Universidade de Minnesota e continuou a dar aulas até 2001.

 

“Você não pode prever o que o mercado fotográfico vai valorizar, então se concentre no seu trabalho” – Elaine Mayes

 

Uns podem dizer que o movimento hippie hoje se perdeu nas temáticas dos filmes de Hollywood, ou na nova coleção da marca da moda. Perdemos para o consumismo e para a guerra, para as doutrinas e a falta de empatia. Sem entrar na discussão, as imagens de Elaine em exposição na galeria, nos passam a utopia da época, as tentativas e vislumbres de uma geração que acreditou.

 

Elaine Mayes
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Ambiente tropical, relaxante e divertido

Andrea Chung é uma artista americana que trabalha com fotografia, vídeo, pintura e ilustração. Em cartaz no Museu de arte contemporânea de San Diego, com a exposição “Você dividiu o oceano ao meio para estar aqui” (You broke the ocean in half to be here), o trabalho de Andrea retira antigas imagens de seu contexto anterior para coloca-las em novos contextos que invariavelmente discutem o colonialismo e imperialismo. Com família originária das ilhas do Caribe, Andrea reflete muito sobre a representação de ilhas como a Jamaica e Trinidade e Tobago diante dos países do primeiro mundo, como o próprio EUA.

 

Em seu trabalho “Sandálias de dedo: experimente o luxo incluído” (Thongs: experience the luxury included), Andrea retira a imagem do trabalhador braçal deixando apenas a imagem de seu trabalho físico, rastros de pequenas tropicalidades que discutem especificamente sobre como os turistas estrangeiros percebem a (falsa) realidade paradisíaca dos destinos de férias nas ilhas. A artista explora as percepções entre essas diferentes culturas, economicamente desiguais, onde sempre há um jogo de poder.

 

Andrea Chung, Sandálias: experimente o luxo incluído (você já imaginou um lugar completamente imaculado pelos efeitos do tempo?), 2010

 

Em seu trabalho “Volte para Jamaíca” (Come back to Jamaica), onde ela utiliza um vídeo original feito para atrair turistas no final da década de 90, podemos ver de novo seu claro diálogo entre trabalho, turismo, dinheiro e poder: tudo dentro de um contexto dos regimes coloniais e pós coloniais. Ao manipular imagens reais e antigas, Andrea revela o sonho imagético, e irreal, vendido para o “gringo” através de um mundo pitoresco e fantasioso.

 

Com humor, e muita sensibilidade, de maneira elegante, subjetiva e sutil, Andrea nos alerta para os perigos dos clichês e das representações de poder entre os países economicamente diferentes. Em outras palavras, mais densas e conflitantes, é um chamado ao consciente, olhar para além da imagem, de seus códigos e truques. Navegar para um lado mais real e menos pitoresco.

 

 

*A exposição de Andrea Chung fica em cartaz até dia 20 de agosto, MCASD Downtown, 1100 & 1001 Kettner Boulevard, San Diego.


			
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Outros discursos: imagens de dentro da Coréia do Norte

Já comentei em alguns posts anteriores dos perigos de uma história única. Inclusive, já compartilhei o link da palestra TED da escritora Chimamanda Ngozi Adichie sobre a importância de se dar voz a outras culturas, outros povos, outros cotidianos, outras histórias. Só assim poderemos conhecer o outro e ver que não somos tão diferentes, possibilitando uma certa empatia e aproximação. E com isso, diminuindo a ignorância e o medo.

 

A fotografia, com imagens do cotidiano do mundo, pode ser uma ferramenta incrível de aproximação e divulgação de outras histórias. Sobretudo quando feita de dentro, sem clichês e estereótipos.

 

Nesse contexto, descobri através da revista Zum, o trabalho do fotógrafo David Guttenfelder. Fotojornalista, ganhador de vários prêmios como o World Press Photo Award e o ICP Infinity Prize, partidário da fotografia captada pelos celulares e mídias socias, David criou um projeto para aproximar a Coréia do Norte do resto do mundo. Através da conta instagram Everyday DPRK, fotógrafos locais e estrangeiros com acesso ao fechado país da Coréia do Norte podem divulgar o cotidiano e a cultura de um lugar longínquo e quase mítico para a maioria das pessoas.  

 

 

São diferentes pratos de comida, colegiais indo estudar, uma sala de estar, um jovem frente ao computador, passantes, carros, detalhes de um cotidiano banal, mas interessante, de um país extremamente censurado ao leste da Ásia. A Coréia do Norte é oficialmente socialista, porém é mais conhecida por ser uni-partidária, extremamente militarizada, isolada, totalitarista, governada por políticos ditatoriais severos. Ou seja, um país de pouco acesso à maioria, tanto fisicamente, quanto por imagens e textos.

 

Everyday DPRK abre uma fresta para podermos observar pela porta de entrada e olhar outras verdades sobre a Coréia do Norte, outros discursos, outras histórias. É uma abertura na história única, oficial e muitas vezes censurada de um país trancado. É uma fenda para nos aproximarmos.

 

 

*todas as fotos do post são tiradas da conta instagram Everyday DPRK

 

 

 

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A fotografia rompendo muros e barreiras

Hoje existem 63 muros [fronteiriços] no mundo. Em 1989, quando o Muro de Berlim caiu, havia 15 – então podemos dizer que a sociedade moderna está construindo muros entre as nações. – Alessandro Grassani

 

Lembro da festa mediática e da minha festa pessoal quando o Muro de Berlim foi posto a baixo. Lembro das aulas de história e geopolítica também, que falavam dos horrores desse muro e de tantos outros que na minha cabeça tinham ficado no passado das páginas dos livros. E assim, ingenuamente, me espantei em saber o quanto ainda temos (e aumentamos) de barreiras físicas e visíveis. Mesmo que ao observar em torno seja óbvio as inúmeras barreiras invisíveis.

 

O fotógrafo italiano, Alessandro Grassani, resolveu iniciar um projeto fotografando os muros ao redor do mundo: A wall in between. Através dos obstáculos visíveis, ele quer escancarar o invisível: como o medo, a incompreensão e o ódio. Usar a imagem do muro para escancarar os diversos tipos de muros. E assim, reconhecer uma situação para juntos pensarmos numa saída. Sair dessa ignorância com fatos e fotos, ajudar a sensibilizar a sociedade e quem sabe diminuir as incertezas, os medos e os tijolos.

 

Alessandro Grassani, A wall in between, Mexico – US, 2016

 

Não é a toa que o projeto anterior de Alessandro foi sobre os migrantes ambientais – Environmental migrants: the last illusion . Um fenômeno mais recente que os imigrantes políticos, mas não menos sério, e que também lida com barreiras. São projetos que se cruzam o tempo todo. Pessoas deslocadas, sem voz, sem imagem, não reconhecidas, barradas, que passam por diversos obstáculos visíveis e invisíveis. O fotógrafo quer dar uma voz ao que não é falado. E uma imagem ao que se escolhe não ver.

 

A. Grassani, Environmental migrants: the last illusion, Mongolia, 2011

 

A. Grassani, Environmental migrants: the last illusion, Bangladesh, 2011

 

Alessandro trabalha com projetos longos, mergulhando em questões humanas e criando oportunidades de outras histórias serem contadas. Nada mais importante que diversificar os discursos, os pontos de vistas, as histórias. Só assim a gente passa a entender o outro, pois os pré conceitos são dispersados, e passamos a realmente conhecer o outro, descobrindo que somos todos humanos em nossas diferenças e que não precisamos de muros.

 

Uma utopia? Talvez. Mas uma coisa é certa, o mundo pode ser incerto e a vida caótica, mas não serão mais muros que irão melhorar essa sensação, muito pelo contrário, irão apenas reforça-las.

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Mitologia e fotografia

Na mitologia grega, as musas são as filhas de Zeus e Mnemose (a Memória). Elas seriam as divindades responsáveis por inspirar as atividades artísticas e a ciência. Elas são 9 – Calíope, Clio, Érato, Euterpe, Melpômene, Polímnia, Terpsícore, Talia e Urânia – e vivem em um templo que se chama Museion, que curiosamente deu origem a palavra Museu.

 

Algumas interpretações dos mitos gregos dizem que o dom de Mnemose, a memória, é conduzir o côro das Musas e, confundindo-se com elas, presidir a função artística. A arte, através das Musas, incitaria de delírio divino o artista e esse se transformaria no intérprete de Mnemose, aquela que tudo sabe.

 

Alair Gomes

 

No contexto mítico, lembrar significa resgatar um momento originário e torná-lo eterno. A memória confere imortalidade àquilo que ordinariamente estaria perdido de modo irrecuperável. Traz de novo a presença dos Deuses no mundo e nos coloca em relação com nossos antepassados, nossa história em comum, aquela que nos faz o que somos.

 

O lugar da memória é o lugar da imortalidade, ela liga os tempos e o que de fato é importante, como a fotografia. A arte abriga obras produzidas no passado e deixadas para as gerações, ligando os tempos e ajudando o papel da memória. A fotografia ainda vai além, ligando momentos, rostos, situações do passado ao presente. Diferente do que é difundido, o trabalho das musas é ativo (e não passivo), uma parceria entre a memória e as artes para lembrar o que somos através do tempo.

 

Na fotografia temos inúmeros exemplos de musas e musos que inspiraram lindas imagens, como Irving Penn e Lisa Fonssagrives, Franco Rubartelli e Veruschka, Jean Shrimpton e Catherine Deneuve. Ou ainda, Sally Mann e Larry, Robert Mapplethorpe e Sam Wagstaff, Alair Gomes e os meninos do Rio.

 

Irving Penn e Lisa Fonssagrives
Jean Shrimpton e Catherine Deneuve

 

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