Diante de tanta verborragia por todo lado, diante de tanta opinião, informação, cálculos, dados, e histeria, resolvi fazer um post diferente nessa semana caótica. Um post de fotografia que nos faça parar um pouco. A ideia é quebrar por um momento com tanta negatividade postada por aí, tanta demanda de tomada de decisão e posição e deixar as imagens fluírem sem texto. Um pouco de silêncio, de calma e de respiro.
Vamos deixar que a fotografia contribua para um momento de paz.
Fan Ho, Approaching Shadow, 1954
Hiroshi Sugimoto, Wolf Building Rooftop, New York, 2015
Hoje em dia vamos em uma exposição e muitas vezes não sabemos para o que olhamos, seria uma fotografia, uma performance, uma documentação? Tentamos inserir o trabalho artístico em alguma casinha mas muitas vezes é simplesmente impossível.
Em torno de 1960, as “verdades” fotográficas foram duramente postas em questão. As vanguardas artísticas históricas quebraram com o formalismo e o purismo da fotografia moderna e a inseriram na contemporaneidade. O vernaculismo da fotografia dá lugar a uma maior experimentação, uma linguagem menos direta e menos rebuscada. Esses questionamentos acontecem menos através dos fotógrafos e mais por artistas do campo das belas artes. Andy Warhol e Yves Klein, entre vários outros, fundem a fotografia com outras mídias e descobrem novas percepções além da testemunhal. Com isso a fotografia entra no mundo da arte contemporânea onde não existe uma hierarquia pré estabelecida dos papeis de cada mídia, e onde todas as artes se misturam em diversas narrativas.
Andy Warhol, 6 fotografias costuradas, sem título, 1976
Aos poucos os fotógrafos vão misturar as mídias e os diferentes conceitos estéticos e artísticos em seus trabalhos. Vai ficando cada vez mais perceptível uma hibridez entre vídeo, foto, instalação, digital, performance, escultura, pintura, etc. Com isso, surge uma série de questões que nos faz pensar sobre os limites que o próprio mercado impõe às artes. Como catalogar obra e artista, para qual departamento do museu a obra deve ser adquirida, em qual nicho de mercado vender o trabalho, qual nomenclatura dar ao artista…? Será que no fim das contas importa. Para a arte com certeza não, mas para o mercado e suas instituições é outra história. E como um não anda sem o outro…
Muitas perguntas surgem quando pensamos em colecionar fotografias. Seria possível financeiramente? Como começar? Por onde começar?
Colecionadores em geral promovem e legitimam artistas quando decidem qual deles fará parte de sua coleção. É uma grande responsabilidade.
Em geral, começamos uma coleção por 3 motivos básicos: status e distinção social – querer fazer parte da comunidade especial de conhecedores de arte – investimento e paixão. Mas eu diria que paixão é o que vai nortear desde o começo um bom acervo.
Nunca ganhei nada com a fotografia. Muito pelo contrário, perdi muito dinheiro. – Joaquim Paiva
Alair Gomes
As regras básicas para se pensar numa coleção de fotos são: qualidade, raridade, histórico da obra, currículo do artista e paixão. É indicado estabelecer alguns parâmetros pessoais para delinear a coleção: dar preferência por alguns aspectos estéticos ou conceituais, um determinado movimento ou período histórico e assim por diante. Ajuda a focar e manter uma maior coesão na coleção.
É necessário muito tempo, paciência, paixão e sobretudo dinheiro.
Em um primeiro momento, colecionadores precisam pesquisar o que está acontecendo no mundo da arte, fuxicar novos artistas, fuçar galerias, feiras e ateliês, se comunicar com a comunidade fotográfica e gastar. Depois precisam de um espaço adequado para armazenar as imagens contra a (maldita) humanidade brasileira.
Quando falamos de coleção de fotografia não podemos deixar de pensar no Joaquim Paiva. Ele é um dos maiores colecionadores de fotografia do país. Sua coleção, formada ao longo de 35 anos, conta com nomes como Diane Arbus, Pierre Verger, Geraldo de Barros, Miguel Rio Branco, Walter Firmo, Rosangela Renno, Ansel Adams… São mais de 2 mil imagens de 230 fotógrafos brasileiros e 140 estrangeiros de diferentes gerações. Além disso, ele é um grande patrono da fotografia incentivando jovens fotógrafos, participando de festivais, leituras de portfolio no Brasil e no mundo. Parte de sua coleção hoje supre o acervo do MAM do Rio de Janeiro.
Mas e então, a que conclusão chegamos, é uma boa idéia colecionar fotografia? Se você é apaixonado pela mídia provavelmente já deve ter alguma fotografia pendurada na parede. Continue, aos poucos verá que já é um colecionador.
…numa terra muito distante, uma mídia artística, chamada fotografia, que não era considerada arte. Na verdade não faz tanto tempo assim, e a fotografia demorou bastante para se legitimar como arte. Foi um longo caminho que a fotografia teve que trilhar para que colecionadores, instituições, galerias, público, enfim, o mercado de arte em geral, acreditasse na sua seriedade.
A fotografia é uma arte fria e mecânica, sem alma, incapaz de suscitar emoção. – Baudelaire
Fotografia e pintura sempre estiveram muito ligadas. Desde sua invenção, a fotografia sempre se relacionou com a pintura, as vezes se complementando, az vezes se distanciando mas sempre se comparando. A fotografia e seus preceitos serviam de estudo para a pintura, por exemplo, com isso ela era tida como uma arte coadjuvante. À pintura se dava o papel principal de criação, à fotografia um papel secundário de retratar a realidade e documentar o mundo, ajudando na criação das lindas e grandes telas. Essa visão negativa acompanhou a fotografia desde seu início e perdurou durante muito tempo.
Steichen, Luz da lua no lago, 1904
Rivalizando com a pintura, e buscando seu lugar no mundo da arte, surgiu o movimento pictorialista na fotografia, em torno de 1885. Ainda tateando uma linguagem fotográfica e uma identidade própria, o movimento é o primeiro a apresentar a fotografia através de uma visão artística, mesmo que sendo uma concepção clássica e romântica. A fotografia pictorialista buscava um afastamento com o realismo da mídia fotográfica e de suas imagens técnicas e uma aproximação com o que na época era considerado arte: a pintura. O lado positivo do pictorialismo foi dar à fotografia o estatuto de obra de arte, mesmo que essa notoriedade tenha sido buscada através de uma aproximação da fotografia com as características da pintura à óleo e outras técnicas da linguagem pictórica. Esse movimento se estendeu mundialmente e temos grandes fotógrafos dessa época: Heinrich Kühn, Eugene Lemaire, Julia Maragreth Cameron e Edward Steichen (que por si só é assunto para outro post).
Heinrich Kühn, 1866-1944, Natureza Morta
Um movimento contrário surge no inicio do século 20, aos poucos, como resposta ao pictorialismo: a fotografia naturalista ou direta (straight photography). É um movimento que procura encontrar uma linguagem fotográfica mais dentro das possibilidades e dos recursos do meio, a partir do que a fotografia tem a oferecer: foco, luz e sombra, olhar, composição, nitidez, geometria…
Esse movimento da fotografia direta vai ganhando mais terreno porque ele procura dialogar mais com uma linguagem verdadeiramente fotográfica. Um grande exemplo dessa fotografia direta é o movimento f/64 que surgiu nos anos 30 nos EUA como uma vontade de pesquisar e desenvolver uma linguagem precisa com recursos da própria fotografia. Uma fotografia direta e pessoal. O nome f/64 vem da pequena abertura focal nas câmeras de grande formato que possibilitava foco em grandes distâncias focais.
Edward Weston, Nude, 1925
Em busca de legitimação, a fotografia passa por um longo e árduo caminho e por uma linhagem de fotógrafos que batalhou para criar uma estética específica do meio: Steichen, Stiegliz, Ansel Adams, Edward Weston, Paul Strand, entre tantos outros. Eles lidavam esteticamente com questões como a subjetividade do fotógrafo, formalidade, excelência técnica no ato de tirar a foto, no processo de impressão e na permanência da imagem. Tudo isso para distinguir a fotografia artística da fotografia popular (que apenas retratava o real). É uma fotografia canônica moderna, que foi importante para a história da fotografia como estratégia de legitimação e independência.
Inspirada a pensar sobre arte e física pelo ótimo professor Lucas Sigaud nas aulas do PróSaber, no Rio, sobre arte, educação, filosofia e estética, resolvi escrever algumas considerações.
Ciência e arte são considerados mundos opostos. De um lado a ciência poderia ser definida como uma tentativa de explicar a natureza, e a arte seria mais uma interpretação desse mundo. Porém física e arte vão além, ambas perpassam seus limites e lidam com questões filosóficas da humanidade que acabam aproximando-as. Entre estudos exatos e considerações estéticas importantes, o resultado é: descobertas nas duas áreas que enriquecem a linguagem e a interpretação de ambas e que nos ajudam a lidar com o mundo a nossa volta.
Interferência das ondas, Berenice Abbott
A fotografia, desde o tempo das lanternas mágicas passando pela câmera obscura, estaria mais vinculada à ciência do que outras artes: na engrenagem dos aparelhos de fotografia, no filme colorido, nos jogos óticos das lentes. É uma mídia muito diferente da pintura ou escultura, ela só existe por causa da ciência.
A invenção da fotografia baseia-se num equívoco estranho que tem a ver com sua dupla natureza de arte mecânica: o de ser um instrumento preciso e infalível como uma ciência e, ao mesmo tempo, inexato e falso como a arte. A fotografia encarna uma ”arte exata” e uma ”ciência artística”, o que não tem equivalentes na história. – Francesca Alinov
A fotografia é uma mídia derivada da técnica – lente, foco, distância, fonte de luz, papel de revelação, retoque – e assim, uma foto não é somente a conseqüência de uma impressão do referente na foto, é também uma interpretação das propriedades técnicas da câmera e de seus aparatos. Um filme Kodak vai ter características técnicas diferentes dos filmes Fuji, limitando uma certa leitura sobre as cores, por exemplo. O verde da fotografia de paisagem vai ser um símbolo do verde das matas que vivenciamos, apenas uma leitura técnica inserida no espectro possível de verdes do filme padronizado.
A relação da fotografia e ciência passa pela temática também. A fotografia vai mostrar beleza na ciência, aproximando-a da arte. Muitos artistas aproveitam as descobertas da física para criarem suas obras, como as teorias espaciais que estiveram em alta no século XX. Quando a física mostrou que o universo era muito maior do que imaginávamos, questões existenciais como “qual o nosso papel no universo?” surgiram e se estenderam às artes. Ou os seres microscópios, a eletricidade, as nuvens, o movimento, o som, tudo isso já serviu de tema para a fotografia estreitando os limites entre as duas áreas.
Lightning Fiels, Hiroshi Sugimoto
O artista alemão Christoph Keller é um bom exemplo do estreitamento entre arte e ciência. Formado em física, matemática e hidrologia antes de entrar na faculdade de arte, Keller dialoga com as duas áreas, arte e física, e faz isso, inúmeras vezes, através da fotografia.
Em 2011, fez uma exposição no Centre Pompidou chamada “Éter, da cosmologia à consciência”. Seu projeto expunha vídeos, fotografias e textos que lidavam com a questão: o que somos e para quem nos comunicamos? Para o artista o “aether” discute o conceito do desconhecido. Desde Platão, passando por Descartes, Newton, Pointcaré e Kant, o éter sempre apareceu como um conceito elusivo nas ciências e na filosofia.
Christoph Keller, Pompidou, 2011
Na filosofia representa a ausência de ausência, isto é, a impossibilidade de conceber o vazio. Na ciência representa um elemento e um meio, incapaz de mudança e mais sutil do que a luz. O éter é também o quinto elemento, que não tem qualidades e, por definição, nunca poderia ser exatamente concebido nem fisicamente comprovado.
A proposição do “aether” para a exposição é pensada como uma metáfora para o desconhecido. Onde estamos e de onde falamos? Sem dúvida, um dos desafios da arte, e da ciência, hoje é tentar responder essas perguntas. O éter é o vazio, o inominável que está ao nosso redor. – Christoph Keller
Numa exposição artística, o conceito de éter é usado com licença poética para dialogar com o conceito de desconhecido, da comunicação da arte e da posição do homem diante do universo. Entre sua base científica e artística, Keller aproxima os dois universos de maneira ambígua e polissêmica para dialogar, discutir e somar.